Brasil - A grande diferença teórica entre Martin Buber e Paulo Freire reside no fato de Buber entender a comunicação, a expressão, o diálogo no sentido extremamente ontológico e metafísico, ao passo que Freire, sem perder de vista que a comunicação reside no ser, preocupa-se essencialmente com a sua fenomenologia, radiografa-a no plano sociopolítico como meio de transformação da realidade onde está situado o binômio oprimido-opressor.

 

Fonte: club-k.net

Buber nasceu em Viena. É uma alma profundamente devota ao Judaísmo. Uma das suas obra mais influentes “EU e TU” é considerada um dos melhores livros escritos no século XX, numa lista elaborada pelo filósofo Mortimer Jerome Adler e publicada na revista Time de 7 de Março de 1977. Seu pensamento filosófico tem influenciado muitas áreas do saber como a Psiquiatria, a Psicologia, a Pedagogia, a Ciência da Comunicação etc. Ocupando lugar chave na filosofia da existência, EU e TU (obra em análise) representa sem dúvidas o estágio mais completo e maduro da filosofia do diálogo de M. Buber. Pode-se dizer que o fundamental e alicerce no pensamento de Buber é a relação que se dá por meio do diálogo entre o EU e o TU e que se estende para o Absoluto.


Antes de entrar nas palavras originais de Buber, os escritos do seu discípulo e um comentarista do seu pensamento, Zuben (2009, p.24) pode ser o ponto de partida ao afirmar que “[‘no principio é a relação’]. A relação, o diálogo, será o testemunho originário e o testemunho final da existência humana”. No diálogo cruzam-se face à face, inevitavelmente, personalidades contrárias. Daí a necessidade de tolerância e a observância de uma “zona de silêncio, na qual se inscreve a confiança no outro” (ZUBEN, 2009, p.15), para que o diálogo alcance a plenitude conforme acreditava o filósofo do Hassidismo.  Acreditar no diálogo pressupõe “fé no humano” (ZUBEN, 2009, p.16), confiança, acreditar que a pessoa é capaz de uma abertura ao TU num ambiente de democracia para o aperfeiçoamento do EU.


A união dos contrários [interlocutores] permanece um mistério na profunda intimidade do diálogo. Diálogo é plenitude.
 

Se a relação travada entre o EU e o TU correspondem inevitavelmente à vocação humana, então, faz sentido afirmar que a clamação e a promoção pela e da liberdade de expressão é nada mais do que o resgate do humano — o discípulo de Buber, Zuben (2009, p.20) diria: “a nostalgia do humano ou o paraíso perdido”.


Depois de breves comentários ao pensamento de Buber sobre a relação, o diálogo, a comunicação, impõe-se esclarecer algumas categorias centrais do seu pensamento.

 

A palavra-pricípio é o par EU-TU. A outra é o par EU-ISSO no qual, sem que seja alterada a palavra-princípio, pode-se substituir ISSO por ELE ou ELA.


[...]

Se se diz TU profere-se também o EU da palavra-princípio EU-TU.


Se se diz ISSO profere-se também o EU da palavra-princípio EU-ISSO.


A palavra-princípio EU-TU só pode ser proferida pelo ser na sua totalidade (BUBER, 2009, p.53).

 

A explicação dos princípios nevrálgicos do pensamento buberiano entre várias idéias que carregam certa cognição: não há relação na monologia. Não é por acaso que mesmo a introspecção pressupõe diálogo entre o eu ideal (interior) e o externo (o eu observável). O homem não se realiza sem relação. Uma relação intermediada pelo diálogo como categoria de concretização da associação.


No quadro da linguagem, a afirmação do EU pressupõe o TU como referência que permite a construção do EU. Não existe EU sem TU, nem TU sem EU. Coexistem. A identidade pessoal é um argumento eloquente para justificar esta reciprocidade ontológica e antropológica da relação inevitável que se traduz no diálogo nas mais diversas formas.  Daí que Buber (2009, p.56) sustenta que a ”relação é reciprocidade”; o diálogo e a relação são o “berço da verdadeira vida” (2009, p.58).


[...], na verdade, não é a linguagem que se encontra no tempo, mas o homem se encontra na linguagem e fala do seio da linguagem — assim também acontece com toda palavra e com todo espírito. O espírito não está no EU, mas entre o EU e TU. Ele não é comparável ao sangue que circula em ti, mas ao ar que respiras. O homem vive no Espírito na medida em que pode responder a seu TU. Ele é capaz disso quando entra na relação com todo o seu ser. Somente em virtude de seu poder de relação que o homem pode viver no espírito. Mas é aqui que se levanta, com toda a sua força, a fatalidade do fenômeno da relação. [...]. Somente o silêncio diante do TU, o silêncio de todas as línguas, a espera silenciosa da palavra formulada, indiferenciada, pré-verbal, deixa ao TU sua liberdade, estabelece-se com ele na retenção onde o espírito não se manifesta, mas está presente.(BUBER, 2009, pp.76-7).