Luanda  -  Honeste viverre, neminem laedere, suum cuique tribuere. Viver honestamente não prejudicar ninguém, deve atribuir-se o que é devido, segundo o Digesto 1.1


Fonte: Jornal de Angola


ImageA independência é sinónima de autonomia que em Direito Constitucional é uma prerrogativa, é o jus imperi ou poder de autoridade, utilização da força em caso de não cumprimento de uma decisão ou deliberação de um dos três poderes soberanos do Estado - o Poder Judicial, judiciário segundo Montesquieu, no seu Espírito das Leis. Ser autónomo é resultado da independência, exercer um poder livremente nos termos da Constituição, sem ser constrangido, para que o mesmo seja dirigido, por via da pressão dos políticos, médias, interesses económicos ou outras instituições sociais. É soberano, nos termos dos artigos 2.º/2 e 105.º da Constituição da República de Angola, adiante designada CRA. É o poder de julgar, dirimir conflitos relativo às leis, contratos ou negócios segundo Aristóteles, no seu Tratado da Política. É um facto que quer Locke ou Montesquieu, estudaram bem os clássicos, entre eles Aristóteles, o mais polido dos intelectuais da Grécia, no âmbito das Ciências ou busca por elas, dito Sofia, por via da filo ou amor, dedicação ao conhecimento.

 

Em todas civilizações e tempos, os pensadores, conselheiros e homens de Estado sempre preocuparam-se com o controlo de quem governa, saber se é prudente para alcançar sabedoria da justiça, por via do conhecimento. A separação de poder não é uma invenção do século das luzes, foi mais bem declarado ou discutido. Já no antigo Egipto, Babilónia, Persia, Mali, Tombucto, Kongo, Ndongo, Matamba, China, Japão, Palestina os povos procuravam sempre que os sacerdotes fossem intermediários para com o transcendente, a fim de transmitir ao governante o bom governo assente nas leis. São exemplo disto, no caso angolano, as cartas dos Reis do Kongo e do Ndongo e o papel dos Manis e Makotas ou conselheiros que muito contribuíam para amenizar os conflitos e limitar o poder do Mwene Kongo Dia Ntótila ou Mwene Ngola Ya Yxi.


Órgão de Soberania


Este órgão tem a função fiscalizadora da Constituição e das leis, cuja missão é garantir o respeito pela Constituição, Leis, costumes que não atentam contra a dignidade da pessoa humana e os contratos. O respeito e aplicabilidade do direito é o caminho para a realização da justiça, como fim máximo do Estado.


Os tribunais administram a justiça em nome do povo, segundo o n.º 1 do artigo 174.º da CRA. Os tribunais têm a função de solucionar ou resolver os conflitos entre cidadãos, entre os cidadãos com Estado ou outras entidades, cabendo a todos cidadãos, instituições públicas ou privadas, respeitarem, cooperarem e cumprirem todas acções relativas à função judicial, segundo os nºs 2 e 3 do artigo 174.º da CRA.


Os tribunais, como órgãos de soberania, são independentes, ou seja, não sofrem ou não devem deixar-se intimidar, pressionar seja por quem for, a sua função é interpretar as leis nos termos da Constituição, segundo 175.º da CRA.


O sistema jurisdicional angolano está constituído pelos: Tribunal Constitucional, Tribunal Supremo, o Tribunal de Contas e o Supremo Tribunal Militar. São estes que estão na pirâmide do Poder Judicial; são o conjunto que faz o Poder Judicial, nos termos do n.º 1, do artigo 176.º da CRA.


No entanto, há uma jurisdição comum, ou seja, aquela que trata de fiscalizar o cumprimento da Constituição e das demais leis materiais ou formais comuns, como crime, família, cível, administrativo e trabalho, que tem à cabeça o Tribunal Supremo, está no topo de todos tribunais comuns, integrada por Tribunais da Relação, segundo alínea a) do n.º2 do artigo 176.º da CRA.


Jurisdição comum


A jurisdição comum é constituída por tribunais que tratam ou solucionam questões do dia-a-dia, conflitos que resultam dos crimes como matar outrem, furtar, roubar, atentar contra um bem de outrem, seja a integridade física, psicológica, moral que a sociedade reputa de poder provocar alarme social, considerando-as como crimes, qualificados por uma lei ou código penal. Outras questões da jurisdição comum têm a ver com acções cíveis resultantes de acordos, contratos entre pessoas singulares ou colectivas. Aqui, trata-se de matérias disponíveis, resultam da vontade das partes ou autonomia da vontade, podem ser consentidas pelos interessados. Têm em parte a ver com a compra e venda, hipoteca, comodato, arrendamento, mútuo, empreitada ou outros acordos privados regulados pelo código civil.


Questões administrativas, resultantes de despachos ou actos administrativos e que geram conflitos entre os interessados. Os acórdãos ou sentenças que fazem jurisprudência.


Nas questões laborais há uma tendência de protecção social ou reforçada dos trabalhadores, vistos como parte mais fragilizada da relação laboral, atendendo o princípio favor laboratori. Embora hoje haja uma tendência para diminuição do excesso de protecção, como consequência da crise económica mundial e consequentemente do desemprego.


É importante que a protecção laboral esteja em conformidade com a Constituição, mormente o artigo 76.º da CRA, consagrando o trabalho como um direito e um dever para todos. É um direito por tratar-se de uma prerrogativa de cada pessoa para obtenção do seu rendimento, a fim de dignificar-se, é um dever por tratar-se de uma obrigação social para toda pessoa adulta, contribuindo deste modo para a segurança social e os impostos de rendimentos do seu trabalho. Exigindo-se ao Estado mecanismos de políticas sociais, fiscais e de emprego para assegurar o direito ao trabalho, nos termos do n.º 3 do artigo 76.º do mesmo diploma fundamental. A relação jus laboral exige do empregador a ética da responsabilidade social e cívica, não admitindo o despedimento sem justa causa, segundo o n.º 4 do artigo 76.º da CRA.


Em matéria de jurisdição familiar, a Constituição procura garantir a resolução de conflitos que ocorrem no seio familiar, exigindo-se uma protecção especial ou reforçada, nos termos do artigo 35.º da CRA, procurando proteger conflitos domésticos, mas não seria razoáveis a intromissão de terceiros, por razões de intimidade da vida familiar e privada, é assim que surge uma jurisdição especializada ou Tribunal de Família e o Julgado de Menores para tratar de questões relativas à herança, património familiar, regime de casamento, o tipo de casamento se é união de facto ou casamento formal, se é tradicional ou fundado nos usos e costumes, o divórcio litigioso ou por mútuo consentimento, a reconciliação, a partilha, a idade para celebração do matrimónio, a relação entre os cônjuges, se é respeitosa ou conflituosa, o sustento da família, unida ou separada etc., são estas questões que exigem uma especialização, por razões de protecção especial da família, sob pena de dilaceração do núcleo primário da família.


Há outros tribunais que podem tratar de questões marítimas, fiscais, administrativas, para o interesse social. Estas questões podem ser criadas de forma a atender as necessidades sociais, económicas e políticas consideradas oportunas. Estes tribunais comuns ou especializados, resolvem conflitos ou litígios que os cidadãos levam para serem solucionados, estão perto dos cidadãos, no município, na comuna e na província ou região.

*Jurista, Mestre em Direito