Luanda  - Quando ainda nos idos de 2009 o Semanário Angolense começou a apontar indícios que apontavam para um acelerar da corrida de Abel Chivukuvuku em direcção à Cidade Alta – ambição que nunca escondeu – numa primeira reacção muito boa gente foi dizendo que buscávamos tão somente motivos jornalísticos baseados em pura especulação. Já naquela altura, Novembro de 2009 dizíamos literalmente que «numa altura que os cidadãos literalmente fechavam os rádios ou deligavam as televisões tão logo um político neles aparece, o discurso com que Abel Chivukuvuku se vem passeando últimamente aparece como uma agradável – e necessária também – surpresa geral.


Fonte: SA

 
É que, numa altura que Samakuva não abria o jogo se ia candidatar-se ou não a um terceiro mandato, e com as feridas da estrondosa derrota da UNITA nas eleições de 2008 ainda abertas, o seu discurso assumia gradualmente os contornos de alguém que queria ser Presidente da República. Sendo que nessa altura poderia concorrer como independente, já se cochichava nos círculos que lhe são próximos que avançaria com a UNITA ou sem ela.
 
Como que marcando o passo nessa direcção, e tirando partido do fraco apelo comunicacional do Presidente do Partido, Isaías Samakuva, Chivukuvuku adopta então um discurso que suscita o interesse do cidadão pela visão inovadora que transportava. Uma análise da natureza filosófica do actual regime – uma ditadura africana comparada à americana – que surpreendia pela profundidade, argúcia e, sobretudo pela coerência teórica e académica, pondo a jogar conceitos da Ciência Política, das Relações Internacionais, da História e da Filosofia numa análise que tão sómente levava a água ao seu moinho – mérito político dele, afinal –resultando numa visão para o País que valia a pena ouvir

 

Descendo dos píncaros filosóficos onde corria o risco de não ser entendido pelo cidadão comum o discurso assumia então um pragmatismo de facto apelativo. Respondia em linguagem terra a terra questões candentes como as assimetrias regionais; o fosso crescente entre ricos e pobres; a corrupção que se esconde por trás de um pseudo secretismo em relação aos bens dos dirigentes; a funcionalidade da capital, Luanda e as correspondentes alternativas. Para estes problemas surgia com um pensamento e uma visão política com a qual não se estando necessariamente de acordo, comandava respeito por ser um óbvio resultado de investimento intelectual. E  as soluções propostas nem por isso eram uma cópia pedante de modelos ou pensamentos retirados deste ou daquele livro Eram passos assentes numa realidade que se reconhecia como a nossa. Dali a versatilidade do argumento, a criatividade da abordagem, a vivacidade da retórica. Própria de quem é o verdadeiro dono da visão expressa pelo argumento – lembrava um pouco Obama, dizia-se então na altura. Chamámos a isso na altura «a Chivukuvukada do Abel».

 

Atenta à popularidade que este discurso angariava, sobretudo junto das camadas urbanas e jovens, a direcção da UNITA optou por, através de jogadas subtis retirar-lhe a capacidade de intervenção. Seja ir dizendo que as suas posições não engajavam a UNITA, seja centralizando a função discursiva no Presidente e no Porta-Voz, deixando AC numa situação de, ou falar por si, ou ficar calado, já que espaço para contribuir na comunicação política do seu partido era-lhe subtil e sistematicamente negado. Remeteu-se ao silêncio numa postura que os analistas suspeitavam ser de reflexão.

 

Meses depois, perante um Abel cada vez mais irrequieto – então já com um denominado «Grupo de Reflexão» como falange de apoio, Samakuva que entretanto decidira concorrer para outro mandato passa ao ataque. Tenta primeiro driblar a realização do Congresso e perante a rebelião aberta dos «refleccionistas» avança com uma rocambolesca suspensão de pesos-pesados entre os quais o próprio Abel. Abel esse que, nada distraído, consegue que o registo magnético de um nada simpático bocado da reunião suspensória vazasse para a Imprensa, culminando com o abandono da reunião, acompanhado dos visados pela medida.  O semanário Angolense disse na altura que Samakuva dera o que se chama em linguagem xadrezística «… um cheque do cavalo em que para salvar o rei, tem que perder a rainha. Ou seja, impôs a Chivukuvuku uma das duas opções: ou aceita ser humilhado e por esta via perde qualquer chance de ganhar nas eleições para a presidência que se avizinham, ou abandona a UNITA e corre pelos seus próprios pés ou fundando um novo partido, ou aliando-se a partidos existentes que necessitam de um cabeça de lista carismático e mobilizador. Resta saber qual dos cenários AC vai escolher; pelo que se lhe conhece, o mais provável é que embarque para o segundo cenário, principalmente se tiver a seu lado Lukamba Paulo Gato que Samakuva, num enormíssimo erro de cálculo, «colou» literalmente a Chivukuvuku».

 

Previsão essa que se concretiza apenas agora. Porquê? Duas razões, pelo que nos foi dado a entender: a primeira pelo peso que o abandono de uma militância de 38 anos acarreta para qualquer homem; e segundo porque era preciso adequar os timings com os de José Eduardo dos Santos que não ata(va) nem desata(va) dos seus planos políticos. É que, era crucial para Chivukuvuku saber se JES vai às eleições em 2017 ou não. Caso não, como parece ser o caso (com as devidas salvaguardas com com JES nunca se sabe) já terá nessa altura um adversário mais do seu campeonato, Manuel Vicente ao que tudo indica.

 

Também como dizíamos na altura, Abel Chivukuvuku ao avançar, avançar com a criação de uma outra força política, é dado mais que certo que o grosso dos seus seguidores sairá das fileiras da UNITA. Ou seja, daqueles que se revêem nele e não na liderança de Samakuva e que, como é sabido e consabido, não são nada poucos. Resultando numa maior fragilização de um partido que ainda reergue-se penosamente dos efeitos da dupla derrota, a militar em 2002 e a eleitoral em 2008. Dividida, é pouco provável que a UNITA mantenha sequer os actuiais 16 – número aziago para a UNITA – deputados à Assembleia Nacional. E de nada valerá apregoar uma fraude de um processo que ainda nem sequer iniciou. Veremos o que isso tudo vai dar, que uma já se deu: para os jornalistas e os analistas políticos, a coisa está… cuiosa!