Lisboa - As manifestações que se têm realizado em Angola no último ano têm como banda sonora as músicas de uma nova geração de “rappers”, que, apesar de mais limitados na liberdade de criação, prometem não baixar a voz.
 

Fonte: Publico


“Rapper” MCK: “Corremos todos o risco, se pensarmos de forma diferenteMCK, Ikonoklasta e Carbono vivem em Luanda e têm feito a crítica musical ao regime de José Eduardo dos Santos. Pedro Coquenão é luso-angolano, mora em Lisboa e é o autor do projecto Batida, que reúne trabalhos de alguns destes músicos num disco com o mesmo nome, recentemente lançado.
 

Em comum, os quatro artistas têm a juventude, o gosto pela música, o protesto, a urgência da democracia e o amor que dizem ter por Angola. Muitos dos protestos que aconteceram no país no último ano foram influenciados por estes “rappers”, que também os têm apoiado publicamente e até participado neles. “Corremos todos o risco, se pensarmos de forma diferente, a sermos mortos como galinhas de rua”, alerta o “rapper” MCK, em declarações à Lusa.
 

Regime aperta o cerco aos artistas


O regime angolano foi perdendo a tolerância e, no último ano, as coisas tornaram-se mais difíceis para os artistas angolanos. O decreto presidencial 111/11, de 31 de Maio de 2011, que regula espectáculos públicos, passou a impor um sistema de “registos”, “vistos” e “licenças” para atividades artísticas. “A repressão, agora, é mais actuante. O ano passado já foi um ano muito pesado, porque foi um ano pré-eleitoral. Este ano, como é eleitoral, a repressão aumentou”, compara MCK.

 
Os concertos deixaram de ser autorizados. No final do ano passado, o “rapper” Carbono tentou organizar espectáculos no Teatro Elinga, sala “histórica” para a música de intervenção, mas não conseguiu. “Querem controlar a cultura, principalmente os artistas independentes”, denuncia. Isso não tem impedido que estes “rappers” vendam milhares de discos, mais ou menos à socapa, nas ruas angolanas.
 

O país vive entre duas realidades distintas, destaca Pedro Coquenão, autor do projecto Batida e criador da Rádio Fazuma. Por um lado, há a realidade política, financeira e mediática, que “é um sítio onde parece que está tudo bem”, com uma “conversa cheia de advérbios de modo”, e, por outro, há o dia-a-dia, onde as pessoas “têm uma esperança média de vida que é uma pouca-vergonha”.
 

Não é por acaso que a música de intervenção nasce nos bairros mais pobres de Angola. É nos musseques onde “não há sequer a hipótese de decidir o que se quer fazer da vida”, lembra Coquenão. “Sempre foi assim. Só que hoje tens uma grande maioria de pessoas muito pobres e uma minoria cada vez mais reduzida de pessoas muito ricas”, realça MCK.
 

Depois da guerra e da morte, “Angola tem tudo para dar certo”, acredita MCK. Mas “o país está completamente anestesiado”, descreve o “rapper” Ikonoklasta.
 

É disso que fala a música “Cuka”, incluída no disco “Batida”. “A cerveja [Cuca é a marca nacional] aqui custa menos 70 cêntimos do que a água. É mais fácil as pessoas matarem a sede com cerveja. O país está completamente anestesiado e o álcool é uma das maneiras de o manter assim. Quando o MPLA faz manifestações, comícios, o que for, um dos chamarizes é a distribuição, quando não gratuita, a preços mais reduzidos de cerveja”, descreve à Lusa.
 

A maioria dos manifestantes anti-governo é composta por estudantes e artistas, mas também há “mães e senhoras do bairro”. A burguesia é que “ainda não se envolveu”, porque “está muito bem habituada à vida que tem”, lamenta Pedro Coquenão.
 

Estes artistas não têm uma causa nova. “Estamos a cobrar o que essas pessoas fundaram, mas não está a acontecer na vida real”, resume Pedro Coquenão. “As coisas vão demorar muito tempo”, mas, se ninguém fizer “asneiras”, a democracia estará lá, no fim do caminho, acredita.

 
“Olho Angola como a nossa parceira. Devemos ser os primeiros a elogiar a nossa parceira e também os primeiros a criticá-la. Com justiça e verdade. Não porque a odiamos, mas porque a amamos muito”, salienta MCK.