Luanda - Os sinais e os caminhos mais visíveis da corrupção em Angola, que aqui chamamos « Topografia da Corrupção em Angola» são, segundo a pesquisa que efectuamos e confrontando com a legislação vigente e com as Convenções Regionais – a nível da SADC, Continentais – a nível da União Africana, e internacional – a nível das Nações Unidas, os seguintes:

Resumo executivo
 

1.     A “regra dos sócios 20% ou 30%” ou cabritismo?: Recorrentemente membros do Executivo, central ou local, gestores de empresas públicas condicionam a realização de grandes investimentos à sua participação nas empresas interessadas, ou ainda à prestação de serviços por suas próprias empresas nas áreas em que trabalham.

 
Dito de outro modo, é o cabritismo. Esta expressão provém de um adágio popular segundo o qual «O cabrito come ali onde está amarrado». Significa que o agente público, enquanto estiver a exercer a sua função, deverá gerir a coisa pública de modo a tirar o melhor proveito individual/privado possível para a sua sobrevivência, vivência e enriquecimento, ainda que ilicitamente.

 
2.     Sinais exteriores de riqueza imediata: Nos últimos anos, Agentes Públicos tão logo assumem responsabilidade de gestão na Administração Pública, no Executivo central ou local, logo depois ou num curto espaço de tempo começam a exibir carros de luxo e outros bens de elevado valor financeiro, adquirem imóveis (casas) em Angola e no exterior (com preferência na África do Sul e Portugal[1]), começam a ser sócios de empresas no país e no estrangeiro, realizam viagens de lazer no exterior em 1.ª classe, hospedam-se em hotéis de luxo, fazem consultas de saúde no exterior em clínicas privadas caras e começam a ostentar despesas pessoais obviamente incompatíveis com o seu rendimento, de um momento para o outro.

 
3.     O repetido discurso da falta de verbas para serviços básicos como forma de justificar a não concretização de projectos sociais:

 

Em cada ano civil, a Assembleia Nacional de Angola aprova o Orçamento Geral do Estado. Normalmente, neste orçamento são aprovadas verbas para cobrir as despesas de serviços básicos tais como a água potável, saneamento e tratamento do lixo, esgoto sanitário, transporte público, drenagem das águas pluviais, energia, estradas, etc.

 

Mas, contrariamente ao aprovado, os gestores públicos – ministros, governadores e administradores não conseguem executar os projectos sociais que visam suprir estas necessidades e recorrem permanentemente ao discurso da insuficiência de verbas.

 

4.     O Tráfico de influência: É muito recorrente pessoas que assumem cargos de relevância no Executivo abusarem da sua real ou suposta influência, ou ainda da sua posição, para facilitar o acesso de familiares, amigos de infância ou contemporâneos na escola ou noutro local para ascenderem a funções públicas relevante, ao emprego na função pública ou ao acesso ao crédito bancário e aos negócios, ou ainda à celebração de contratos públicos para prestação de serviço. Esta realidade se torna mais forte quando se trata de fazer parcerias que envolvem empresas de familiares directos do Presidente da República.

 
5.     Realização de concursos públicos simulados para contratação pública em favor de parentes ou de empresas nas quais têm interesse: Apesar de existirem regras para a contratação na administração pública angolana, muitas vezes as contratações não respeitam as regras e os procedimentos para o efeito. Altos gestores públicos simulam concursos públicos, mas na prática, as empresas que virão a vencer são aquelas ligadas à si, a parentes ou amigos e, na maior parte das vezes, os vencedores dos concursos não reúnem as condições para executarem as obrigações contratuais.

 
6.      Gestão do erário público entre família, compadres ou amigos do Partido[2]: Normalmente os gestores públicos tendem a escolher filhos, familiares, amigos do partido ou compadres para gerirem as áreas estratégicas dos sectores que dirigem, oferecendo-lhes as melhores condições de trabalho e regalias sociais sem atender nenhum critério de transparência ou concurso público interno. Esta prática encontra manifestação nas mudanças repentinas e oportunas que são feitas quando se mudam os Ministros, Directores Nacionais, etc.

Por exemplo, de entre as regalias oferecidas mais frequentes são carros, casa, motorista, algumas vezes empregada doméstica e todo o tipo de mordomias às expensas do Estado, muitas vezes, manifestando um claro manto de promiscuidade entre a «res publica e a res privata».

 
Dito de outro modo, estamos perante actos de manifesto NEPOTISMO. Esta palavra vem do latim (nepos, nepote), neto ou descendente, sobrinho. E é frequentemente utilizado para designar o favorecimento praticado por certos governantes ou gestores públicos em prol de parentes, amigos próximos ou familiares, algumas vezes, em detrimento de pessoas qualificadas/formadas, especialmente no que diz respeito às nomeações e promoções a nível da Administração Pública.

 
7.     Resistência em prestar conta e informação das actividades realizadas/Deficiente atendimento a pedidos de informação sobre o valor das despesas públicas realizadas: Muitos gestores públicos resistem veementemente a prestar qualquer tipo de informação sobre as contas, os custos e gastos efectuados com a realização de determinada despesa pública. Dificilmente aceitam dizer exactamente os valores gastos em despesa pública e também oferecem resistência a fiscalização independente e/externa, esta realidade acentua-se sobretudo nas províncias fora de Luanda, Benguela e Huíla.

Em nosso entendimento, os gestores públicos têm a obrigação de explicarem ao público e com verdade, como, quanto e onde o dinheiro público é gasto. E a resistência em não prestar informações desta natureza é indício de falta de transparência e boa governação. 

 
8.     Empresas constituídas na hora de qualquer evento sem existência física e sobrefacturação no pagamento de despesas públicas: Sempre que se aproxima a realização de qualquer grande evento promovido por órgãos do Estado ou serviços a ele afectos, começam logo os esquemas tendentes à corrupção.

O primeiro é a criação de empresas fictícias para prestarem serviços essenciais ao referido evento. Muitas destas empresas só têm existência jurídica, não têm existência física, não têm experiência de trabalho e subcontratam outras empresas com melhor e muita experiência, podendo ser nacional ou estrangeira, com preferência para empresas portuguesas ou chinesas; muitos sócios e administradores são meros testas- de –ferro.

 

9.     “ O cumprimento de ordens superiores”: Muitos gestores públicos para entrarem num esquema da corrupção, do tráfico de influência, peculato e enriquecimento ilícito alegam que estão a cumprir «ordens superiores».

A expressão “ordens superiores” ou do «chefe» existe no léxico angolano como uma forma de dizer que estou a executar a decisão do superior hierárquico e deve ser cumprida, mas nunca ninguém assume tais ordens e ninguém chega a conhecer quem é superior hierárquico. Apenas cumprem fielmente a ordem, ainda que for para prejudicar o Estado e violar as regras da boa gestão ou governação.

 
10.  O Jeito, o favor especial, a gorjeta e a chamada «gasosa»: Não constituem em sim mesmo actos de corrupção. Mas, são « práticas correntes no nosso País, amplamente associada à Corrupção».[3] «Quer o jeito, quer o favor, quer a gorjeta, não envolvem, necessariamente, a transgressão de alguma norma. Contudo, são práticas sociais que podem desembocar na corrupção. Esta é uma prática que implica uma significativa gratificação (dinheiro, bens, qualquer vantagem patrimonial ou benefício de outra natureza), para que regras estabelecidas sejam quebradas em benefício do corruptor. No caso angolano, o agente activo da corrupção não é, necessariamente, o cidadão que deseja ver o seu assunto resolvido mais rapidamente. O corruptor activo é o funcionário público que exige uma “gratificação” pelo serviço que é obrigado, por lei, a prestar ao cidadão»[4].

 
 
 
LEGISLAÇÃO FUNDAMENTAL  PARA PREVENÇÃO E O COMBATE À CORRUPÇÃO EM ANGOLA
 
 
1)      LEGISLAÇÃO NACIONAL

 

·         Constituição da República de Angola de 2010, Assembleia Nacional, Publicada no Diário da República de Angola, I Série, N.º23, de 5 de Fevereiro de 2010, inclui alguns artigos relevantes para o combate à corrupção.

 
·         Código Penal Angolano, de 1886, inclui alguns artigos relevantes para o combate à corrupção.

 
·         Lei n.º 21/90, de 22 de Dezembro, da Assembleia do Povo, Dos crimes cometidos por titulares de cargos de responsabilidade, Publicado no Diário da República de Angola, I. Série, n.º 53, de 22 de Dezembro de 1990.

 
·         Resolução n.º 27/94, de 26 de Agosto, do Conselho de Ministros, aprova a Pauta Deontológica do Serviço Público em Angola, Publicada no Diário da República, I Série, n.º 37, de 26 de Agosto de 1994

 
·         Lei n.º 3/96, de 5 de Abril, da Assembleia Nacional, cria a Alta Autoridade Contra a Corrupção, Publicada no Diário da República de Angola, I Série, n.º 14, de 5 de Abril de 1996.

 
·         Lei n.º 6/99, de 3 de Setembro, da Assembleia Nacional, das Infracções Contra a Economia, Publicada no Diário da República, I Série, n.º 36, 3 de Setembro de 1999.

 
·         Lei n.º 13/03, de 10 de Junho, da Assembleia Nacional, Publicada no Diário da República, I Série, n.º 45, de 10 de Junho de 2003. Derrogatória da Lei n.º 6/99, de 3 de Setembro. Lei das Infracções contra a Economia. – Revoga os artigos 17.º a 50.º da Lei n.º6/99 de 3 de Setembro.

 
·         Resolução n.º 10/05, de 4 de Julho, da Assembleia Nacional, aprova o Código de Conduta Eleitoral, Publicado no Diário da República, I  Série, n.º 79 de 4 de Julho de 2005.

 
·         Lei n.º 3/10, de 29 de Março, Assembleia Nacional, da Probidade Pública, Publicada no Diário da República de Angola, I Série, n.º 57, de 29 de Março de 2010. Revoga a Lei n.º 22/90, de 22 de Dezembro (Lei Sobre a Disciplina Estatal), a Lei n.º 13/96, de 31 de Maio (Lei Orgânica que Estabelece o Regime Jurídico e o Estatuto Remuneratório dos Membros do Governo), o Decreto n.º 23/90, de 6 de Outubro (Sobre as Regalias Patrimoniais dos Diri­gentes) e o Decreto n.º 24/90, de 6 de Outubro (que Regula­menta o Recebimento de Pequenas Ofertas a Membros do Governo) e demais legislação que contrarie o disposto na presente lei.

 

2)     LEGISLAÇÃO REGIONAL E INTERNACIONAL

 
·         Resolução n.º 38/05, de 8 de Agosto, Conselho de Ministros, aprova o Protocolo da SADC Contra a Corrupção, Publicada no Diário da República, I Série, n.º 94, de 8 de Agosto de 2005

 
·         Resolução n.º 20/06, de 23 de Junho, Assembleia Nacional, aprova, para adesão, a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, publicada no Diário da República de Angola, I Série, n.º 76, de 23 de Junho de 2006.

 
·         Resolução n.º 27/06, de 14 d Agosto, Assembleia Nacional, aprova, para ratificação, a Convenção da União Africana sobre Prevenção e o Combate à Corrupção, publicada no Diário da República, I Série, n.º 98, de 14 de Agosto de 2006.