Windhoek - Olá, people! Saudades. Iá, como muitos de vós sabeis, o cidadão aqui foi obrigado a recolher ao «estaleiro» por razões de saúde, coisa pouca, mas chata, que tem a ver com uma velha lesão que se complicara por culpas de uma médica negligente da clínica Espírito Santo, a meio do ano passado, na sequência dum atropelamento esquisito, que até chegara a pensar, com alguma razão, que fora um «atentado terrorista» a mando do camarada Macuvulo – um miúdo rangelista de motorizada colheu-me estranhamente em pleno passeio na minha antiga rua, nas chamadas «Cês», ao Nelito.


Fonte: SA

Crónica de viagem

Em face disso, cá estou outra vez em Windhoek, já um bocado cansado deste vai e vem a médicos e mais médicos, entra pomada, sai medicamento e o raio da lesão nunca mais cicatriza como deve ser. A minha amiga Morgada, que agora também já é doutora, sentenciou: é uma fístula. Olha, confesso que tive de ir ao dicionário para saber do que se tratava, porque na altura soubera-me a chinês, puro mandarim.


Não sei se é isto mesmo, só sei que o médico que tem estado a me observar, o bom do Dr. Jordan, disse que era uma questão de cicatrização e que a lesão só estaria a demorar a curar por ser num tendão. E ele reiterou isto agora. Qual operação? Continua mazé a usar a pomada e mais nada. Na passada, mandou fazer um «check-up» e declarou-me completamente limpo. Estou limpinho da silva. Segundo ele, tinha apenas o colesterol um bocado alto. Receita: evitar as chouriçadas, beber e fumar menos, fazer ginástica e reduzir a carga laboral.

 

Fiz festa. É que a história do «bichinho» estava me dando cá uma cagunfa daquelas. Porra, medo?! Felizmente e graças a Deus, estou limpo. Depois dos temores por alguma sentença malaica que pudesse sair lá dos testes, um gajo sofre p’ra xuxu, decidi-me: vou mudar de vida. Não quero voltar a passar por algo do género, sobretudo em relação ao coiso das positividades e quê. Vou mudar, não. Já mudei. Acabaram-se as discotecas, as ocasionais e assim. É só Muzongué…


No entanto e como diz o povo, não há bela sem um senão. Com razão dele, afinal. Eu que o diga. Mas, disso falarei um pouco mais abaixo.


Ora, normalmente, quando viajo, parece malapata, tenho sempre algo de mal a apontar à companhia (a nossa então tem a medalha de ouro): senão é a saída atrasada, é a malcriadez da assistente ou assim, enfim. Mas, desta vez, fiquei sem pimpas. A Air Namíbia, passe a publicidade, fez um voo irrepreensível, desde o cumprimento do horário ao tratamento cordato de que beneficiei. Estranhei porque tal não acontece comigo muitas vezes. Noves fora a conversa do homem da nossa polícia fiscal que me perguntou se eu era moçambicano. Eu tenho cara de moçambicano, caraças? «Calma, papóite, calma», desculpou-se o assanhado. «Iá, tá fixe», lá disse eu, embora continuasse trombudo dentro de mim. «Leva quanto?», perguntou. «Tanto», disse eu. «E kwanzas?», insistiu. «Dois mil». Ok. E pela primeira vez, saí do país levando kwanzas às claras. Viva o Massano! Viiiivaaa!


Bom, vamos lá ao puro assunto. É assim: dois dias antes de vir p’ra aqui, no sábado 17, resolvo ir a um dentista aí da banda, porque estava com um dente que sequer me deixava beber água. Estava demais. E por indicação de alguém conhecido, que garantira que o homem era um excelente profissional, vou ter a um consultório dentário lá do bairro, confiante de que tudo decorreria bem, como aliás acontecera nas três ocasiões anteriores a que fora obrigado a recorrer a dentistas, por sinal, todos da área.


Posto lá, descubro que o homem é meu conhecido, quase amigo lá das militâncias partidárias, o que aumentou a minha confiança. Como é?, iá, eh pá e o partido como é que vai?, iá fixe, olha é o dente, está chato o gajo, ok, sem makas, vamos lá sacar o sacana. E fomos.


E não é que o dente (um pré-molar) era mesmo sacana? Eh! Nunca vi. O homem, que começou por parti-lo, lutou uma hora e tal para acabar de extraí-lo. Até cheguei a lhe pedir desculpas por estar a estragar-lhe o negócio – o pessoal na sala de espera desesperava. No fim, suando às estopinhas, o avilo feito Dr. Dentista faz uma confissão: «Desculpe lá, amigo, mas é possível que tenhas na cavidade um pedaço da pinça que se partiu». O quê?! «Sim, isto acontece. Fica calmo. Na segunda-feira vamos fazer um raio-x para confirmar. Se estiver aí, depois sacamos. Fica calmo», explicou o avilo, um bocado embaraçado. Era de estar.


Só que era impossível, porque tinha viagem marcada para segunda-feira (19) e já não dava para adiar só por causa do tal de raio-x. «Ok, vejo isto já lá em Windhoek e se for de ser depois vemos os custos», disse-lhe eu, calmo. Afinal, como ele dizia, isto acontecia. Ainda bem que ele teve a hombridade de confessar a falha.


Posto em Windhoek, a primeira coisa que fiz foi ir a uma clínica dentária já habitual. Feito o raio-x, contra as minhas esperanças de que não podia ter assim tanto azar, lá estava mesmo o pedacinho da pinça que o meu amigo me deixou nas profundezas das minhas gengivas. Estava lixado, pensei.


A médica que me viu indica um cirurgião-dentista, com quem marquei uma mini-cirurgia nesta segunda-feira. Pelas credenciais, fiquei plenamente confiante de que o problema se resolveria nas calmas.


Porém, estava muito longe de imaginar que passaria por um dos momentos mais sofridos da minha vida. O homem, com a sua assistente, ficou mais de uma hora a esburacar-me a boca toda, para no fim dizer que desconseguira. Explicação: como só tinha imagens bidimensionais, ficara impossibilitado de determinar com exactidão o local onde o sacana do pedacinho de metal que o amigo feito Dr. Dentista me deixou nas profundezas das minhas gengivas estaria. E então ficou a esgravatar à toa a boca do outro porquê?, perguntei dentro de mim. Me apeteceu disparatar a mãe dele. Juro.


E depois disse que haveria de falar com um colega que teria meios de detecção mais sofisticados para fazer o salo com mais segurança num outro dia. Ainda assim, explicou, teria que tirar um outro dente para procurar melhor o dito pedacinho de metal. Mais um dente?! Este bóer deve estar maluco, disse eu para o Rui Walter, o avilo que me acompanha e trata de tudo aqui em Windhoek. Vê lá se arranjas o melhor que estes gajos têm por cá, pedi-lhe. E assim ficou decidido para a próxima semana. É a minha última esperança. Oxalá não calhe com um novo «esgravatador» como este.

 

Por enquanto, cá vou indo com a bochecha bem inchada e a boca toda escangalhada (levei pontos e tudo), a sofrer de dores a bom sofrer. Eu que projectara vir p’ra aqui para tratar duma maleita, acabei por estar envolvido em mais outra complicação, tal como a primeira, também por erro médico de alguém em Luanda. É sempre a mesma merda. Estou bem chateado e algo apreensivo, por não saber já como isto terminará, uma vez que, por cá, afinal, também há alguns bons «sapateiros». Mas, uma coisa é certa: azar não custa. Até parece feitiço.