Segundo ele, que também foi coordenador da campanha eleitoral desta força política, tudo tem acontecido com o beneplácito da comunidade internacional que «tem estado a assinar permanente por baixo, a destruição da UNITA», uma alusão ao comportamento dos observadores ao processo

A Capital – General Abílio Kamalata Numa, secretário-geral da UNITA. O partido acaba de sofrer, se nos permite dizer, um revés político. Como é que a situação está a ser tratada ao nível interno?
Abílio Kamalata Numa (AKN) – A UNITA tem estado a gerir com responsabilidade este momento. Consideramos, em primeiro lugar, que tivemos duas grandes vitórias, muito embora sejam vitórias morais. A primeira é a forma cívica como os angolanos acorreram às assembleias de voto, apesar de, muitos deles não terem votado, infelizmente.A segunda é o facto de termos atravessado o rubicão da psicose da guerra com a vitória deste ou a derrota daquele. Felizmente nada disso se verificou. Há seis dias depois do dia 5, o país marcha normalmente, sem grandes problemas. A UNITA reconheceu e aceitou os resultados eleitorais e a actividade continua.

Mas depois disso tudo temos outra realidade que será o grande quebra-cabeças das estratégias que o MPLA terá que desenvolver nos próximos tempos. E esta realidade fundamenta-se nos seguintes pressupostos: primeiro, está-se a passar para fora da UNITA para todos os angolanos e para fora do país, que a UNITA representa 11% da sociedade, com 500 mil cidadãos que votaram no partido.

Esta UNITA não existe. Esta UNITA que se alude é virtual. Está apenas nas cabeças de algumas pessoas. A UNITA real prevalece. Em termos objectivos, o MPLA irá desenvolver lutas contra a UNITA virtual ou contra a UNITA real?
Se for a desenvolver a sua estratégia na base de uma UNITA virtual, esta UNITA dos 11%, então vamos assistir nos próximos tempos a uma completa abertura da sociedade angolana, onde teremos órgãos de comunicação social mais moderados, mais abertos para comunicarem a todo o país o que se passa. Porque o MPLA são 80 e tal por cento. O MPLA é o povo, o povo é o MPLA. O MPLA é Angola. Portanto, não tem mais nada que temer. Abra tudo. A TPA publique tudo o que as pessoas disserem, nós da oposição, eles próprios…abram tudo, a Rádio Nacional, o Jornal de Angola, que se democratizem, porque nessa altura já não há mais nada a temer.

Agora, se o MPLA fizer a sua estratégia com base na UNITA real, nós vamos ter uma sociedade cada vez mais repressiva. Vamos ter um país cada vez mais repressivo do que aquele dos anos 70/80. Portanto, será pior. Teremos um partido único mais irracional.

A Capital – E como será possível nesse caso, exercer-se a democracia?
AKN – A cultura no mundo sobre a democracia em África é má. Para eles, em África, a democracia não existe. Estabilidade, sim. Por isso mesmo não se preocupam em dizer as verdades que acontecem. A fraude e essas coisas todas. O importante é que quem ganhou, ganhou. Pronto, aqui foi tudo transparente, tudo correu bem. Mas para os verdadeiros africanos que olham para o continente com paixão e amor, isto é mau. É neocolonização, é subalternização, porque não nos querem ver a avançar. Querem que fiquemos sempre com a nossa podridão da corrupção, da fraude, das matanças, da ausência da liberdade de expressão e outras. Isto é neocolonização.

Agora, fica bem claro que a comunidade internacional tem estado a assinar permanente por baixo a destruição da UNITA. A propalada vitória militar que o MPLA teve em 2002 com a morte do doutor Jonas Savimbi, assinada por toda a comunidade internacional, nas hostes do MPLA tinha trazido a certeza de que, a partir daquela altura, a UNITA iria desaparecer, iria soçobrar. Mas não foi isso que aconteceu. Tinham cozinhado uma UNITA virtual com a morte do doutor Savimbi.
A UNITA verdadeira ressuscitou das cinzas e está a dar lições de democracia. O nosso objectivo, custe o que custar, leve o tempo que levar, há de se implantar neste país. Essa UNITA que não conseguiram destruir militarmente, é a mesma que querem destruir politicamente. O programa é o mesmo. Neste momento, os nossos militantes estão a ser perseguidos, as suas casas estão a ser queimadas. A coberto de que as pessoas têm armas nas casas, os cidadãos estão a receber polícia à noite nas suas residências. As pessoas estão com medo. Portanto isto é o que nos preocupa depois das eleições.


A Capital – O que é que a UNITA pretende fazer contra esses últimos aspectos que acaba de evocar?
AKN – Nós estaremos aqui. Não temos outro país. Temos aqui raízes bem fundas. Se as autoridades não existem, são elas que nos perseguem, não temos outra alternativa que não seja acreditar na força do povo. Vamos sobreviver com a força do povo. O MPLA pode fazer o que quiser contra nós. Nós vamos sobreviver com a força do povo.

A Capital – Mas para além das irregularidades que diz terem marcado o processo eleitoral, não acha que pode haver outros internos que tenham a ver com a falha de estratégias?
AKN - Não. Não. O que me satisfaz é que tudo isso que aconteceu, mesmo com as fragilidades que a UNITA tivesse, não estaríamos abaixo dos 40%. Mesmo com as fragilidades internas que tivéssemos. Olhem para o país como está! Mesmo depois das eleições isto parece que está em luto. Aqueles que ganharam nem estão a acreditar nesta vitória.
E a maioria que perdeu, sabe quanto perdeu. Sei que vão armar aqui uma fanfarra no fim-de-semana, obrigando as pessoas a beber cerveja. Mas depois disso a realidade volta outra vez a bater, porque é implacável. Os factos são teimosos.

O que aconteceu no dia 5 é que nós fomos enganados por uma instituição que se chama CNE, que ditou as regras do jogo e não as cumpriu. Porque a CNE não supervisionou o acto eleitoral. Foi substituída por uma outra máquina. Os dados que está a apresentar provêem de uma outra máquina. Não controlou nada. Não sabe. Tudo isso que a CNE está a fazer é caricato.
Mesmo assim nós já aceitamos. Estamos mesmo à vontade. Portanto, esta derrota da UNITA é uma derrota virtual. Não tem nada a ver connosco. É verdade que há pessoas que se ressentiram, outras ainda ressentem. Mas os dirigentes que sabem como é que tudo isso foi montado, a partir mesmo de agora estão a trabalhar para as próximas eleições.

A Capital – Até que ponto tudo isso não afectará a postura da UNITA nas próximas eleições, presidências já no próximo ano e autárquicas de já se vai falando?
AKN – Primeiro, uma das coisas que sei que o MPLA vai fazer nos próximos tempos é acelerar a revisão da Constituição. Vai impor uma Constituição ao país à medida do Presidente da República. Os que candidatarem vão apenas ajudar a fazer o jogo, porque o senhor do MPLA que for a se apresentar como candidato, creio eu que será mesmo o próprio presidente, se não aparecer com 80%, vai aparecer com 90%. Vamos fazer o jogo democrático mas, certos de que esta situação tem o seu ponto de viragem.

A Capital – O vosso partido ficou reduzido ao mínimo de deputados no parlamento. Como acha possível fazer-se um debate aflorado das grandes questões da nação?
AKN – Os analistas mais sérios deste país disseram que nós votamos para o monopartidarismo. E eu concordo plenamente com eles. O mandato que a UNITA tem não é para fazer oposição. É para mantermos acesa a chama da democracia para que não morra. Estaremos aqui para manter essa chama. E neste sentido mesmo, queremos já lançar um repto ao MPLA dos 80%. Que os debates da próxima legislatura sejam comunicados ao país pela televisão, pela rádio. Não haja mais receios. Então, 200 deputados contra 10 de uns, três de outros, têm mais receios de quê?

A Capital – General Numa, quer assegurar-nos que as clivagens no seio da UNITA foram completamente ultrapassadas?
AKN – O MPLA é o patrocinador dessas clivagens. Até andam aí analistas «bem pagos» a fazer o jogo, dizendo que o presidente Samakuva de se retirar, que o fulano é que é melhor. Está bem cozinhado, para que depois disso venha a UNITA dócil com argolas no pescoço como um cachorrinho para se levar para onde se quiser. Portanto, essa UNITA já está a ser preparada. Mas a UNITA real não vai aceitar. E eu garanto com muita firmeza, que se fossemos agora para um congresso, essa UNITA dócil seria outra vez derrotada.

A Capital – Já que falou em congresso a UNITA já pensou num extraordinário como solução para sair da crise?
AKN – Só não actuámos nessa direcção porque a UNITA fez muito esforço financeiro com este pleito eleitoral. Foi um esforço para além das nossas possibilidades. Saímos disso muito desgastados. Não há receios de estarmos a dizer isto.

Por isso temos que estar bem comedidos e definir os meios financeiros para o prioritário que, neste preciso momento é irmos às bases, estarmos junto do nosso povo, sossegarmos o nosso povo, refazermos o partido. Mas teremos reuniões alargadas da direcção para avaliar a actual situação e tenham a certeza de que esses assuntos serão abordados. E se tivermos dirigentes que ainda pautam pela verdadeira UNITA, sairemos daí com ideias bem definidas. Mas se tivermos dirigentes daquela UNITA dócil que estão a preparar por aí, com certeza que vão tentar fazer os seus jogos. Tenho a certeza que não passarão.
 
* Lutock Matokisa
Fonte: A Capital