Luanda - “Os meandros das manifestações em Angola” é o título do livro lançado no sábado, dia 21, em Luanda. Ao longo de 100 páginas, os jornalistas Cláudio Fortuna e Coque Mukuta desvendam os bastidores dos protestos de 2011, a reacção do regime e a resposta da polícia. Nesta entrevista, Mukuta abre algumas páginas do livro.


*António Paulo
Fonte: NJ
 
 
O que vos motivou a escrever esta obra?

O livro aborda os meandros das manifestações em Angola. O que nos motivou foi, num primeiro momento, documentar as vicissitudes por que vêm passando os manifestantes e outros intervenientes.
 

Que vicissitudes são essas?

Falo do espancamento, dos maustratos e perseguições aos manifestantes. Falo também das detenções dos jornalistas e manifestantes e da barbárie do regime contra os jovens manifestantes.

 
Porque é que o livro foi apresentado inicialmente no Brasil e não em Angola?

Fomos ao Brasil para dizer apenas que o produto está pronto para ser consumido e que estávamos prontos para o lançamento oficial em Luanda, que foi feito neste sábado.
 
 
 
Como está estruturado e qual é o objectivo do livro?

O primeiro capítulo aborda os elementos técnicos e a estrutura: as razões da elaboração da obra e os objectivos que nos inspiraram na execução da mesma. O segundo capítulo explica a metodologia: os métodos e técnicas de pesquisa usadas nesta obra. Já no terceiro capítulo a obra resume o período histórico das manifestações no continente africano, as razões dos protestos em Angola e descrevemos aqui a pré-história das manifestações em Angola. No quarto capítulo desenvolvemos faseadamente, “passo por passo”, os dias subsequentes após a pré-história desenvolvida no capítulo III. É de referenciar que destacamos algumas datas de 2011.
 
 
Que datas são essas?

O antes do dia 7, o dia 7 de Março, 25 de Maio, 3 de Setembro, 8 de Setembro, 24 e 25, assim como o dia 3 de Dezembro. Além dos meandros, caricaturas, piadas e momentos de tristeza, o leitor há-de encontrar, no quinto capítulo, a acção do partido governante, a propaganda e desinformação, visando fragilizar os manifestantes. Para terminar, o último capítulo traz a actuação dos meios de comunicação social, estatais e privados, assim como os meios internacionais.
 
 
O seu livro tem duas autorias. Quem é o co-autor?

O co-autor é o Cláudio dos Anjos Ramos Fortuna.
 
 
O que pretendem com esta obra?

Pretendemos dar à História um contributo vivo. Queremos documentar os acontecimentos das manifestações em Angola e o leitor vai ter toda a informação do ponto de vista, não só histórico, mas filosófico e jurídico para as suas bibliografias. Achamos que, como um manancial didáctico, é um contributo a que toda a gente pode ter acesso, durante toda a sua vida.
 
 
 
Acha que o livro será bem recebi do, tendo em conta o actual contexto político de hegemonia do partido no poder?
Esperamos que seja.


Diz que são os filhos dos dirigentes deste país que lideram as manifestações. Quer apontar exemplos?

Eu falo, por exemplo, do Luaty, o pai dele foi o primeiro presidente da FESA (Fundação José Eduardo dos Santos), e do Carbono, que tem tios que são dirigentes máximos no MPLA. A mãe do Mário Domingos é da OMA (Organização das Mulheres Angolanas). Há muitos outros exemplos. Olha que uma boa parte desta juventude nunca viveu nas matas, viveu sempre aqui na cidade e todos nós, que vivemos aqui na cidade no tempo da guerra, somos maioritariamente filhos do MPLA.


Na sua visão, o que faz com que estes jovens liderem as manifestações?

Na verdade, a expressão da vontade é liberdade e eles sabem isso porque, de facto, são esclarecidos. A longevidade do poder do Presidente angolano faz com que estes jovens, de certeza, se manifestem.


Como é que destacam o papel da polícia e dos jornalistas na intervenção e cobertura das manifestações?

Falamos apenas do que se terá passado e quem esteve lá sabe como foram tratados os manifestantes, perante mesmo os jornalistas que só estavam ali para cobrir a manifestação.


Como é que a sua família encara a sua posição?

A minha família pede-me ponderação e para ter calma.


Disse que tem sido perseguido, várias vezes, devido ao seu envolvimento na cobertura das manifestações. Não teme que com este livro a perseguição continue?

Eu não disse que fui perseguido directamente, mas mostrei provas da perseguição. Hoje de manhã, por exemplo, encontrei o meu carro com os pneus todos desapertados. Há uma carta de ameaça de morte, que foi deixada à minha porta. Eu não tenho medo. A minha família pede-me para ter ponderação. Mas devo dizer que todos nós vamos morrer e, por isso, não tenho medo. O verbo morrer conjuga-se com todas as pessoas e todos morrem, para mim isto é normal. Eu volto a dizer aqui que Angola não é a casa da mãe Joana. Sou tão angolano quanto os outros angolanos, esta é a única herança deixada pelos nossos avós e a única riqueza dada por Deus.


Há quem diga que existem forças ocultas que alimentam as manifestações dos jovens. Acredita que há uma força política na liderança das manifestações? Qual?

Os manifestantes, pelo que percebemos, no conjunto de pesquisas, até ao momento não têm líder. Evitam isso por causa do sistema corrupto que Angola tem. Agora poderá um dia aparecer um líder incorruptível e dar o destino de Angola aos ventos do Magrebe, tudo se pode esperar.


Voltando ao seu livro, quem o financiou?
(Risos…) O meu pai tem uma quinta em Malanje. Colhemos o tomate e vendemos os animais também.


Diz-se que você é apoiado por forças políticas estranhas.

(Risos…) Confesso que a isso não consigo responder. Eu já disse que sou de Malange e o apoio vem da quinta do meu pai.