Quero parabenizar, em especial ao Nelo Carvalho
Jogadores do MPLA jogam dopados

Há muitos “porquês” sem resposta. Por exemplo, o Mpla ficar com cerca de 82%, ou seja, isso quer dizer que só temos 18% de insatisfeito, num país que lidera o "ranking" de tudo que não presta, como corrupção, desemprego, analfabetismo? O resultado é atípico. Esse resultado mais importa aceitá-lo que questioná-lo.

Normalmente, a vitória tem muitos autores, mas a derrota só tem um culpado. Mas, este é o momento de recolhermos os cacos. É hora de se definir caminhos e estratégias e não sairmos a caça às bruxas. O resultado de uma eleição é sagrado e deve ser respeitado, mesmo que seja contrário à nossa forma de pensarmos.

Começo por parabenizar os partidos da oposição que reconheceram e acolheram os resultados, o que não é normal no nosso continente (embora, se fosse em democracias estáveis, caberia recurso). Com isso contribuíram para a consolidação da democracia no nosso país. Doravante, fica afastado o fantasma de confusões pós-eleitorais.

Quero também parabenizar o povo angolano, pela participação e de forma ordeira, por terem apostado na democracia e pela demonstração do civismo.

Quero parabenizar aos militantes e adeptos do Mpla pela vitória sonora, em especial ao Nelo Carvalho, uma das estrelas mais visíveis no nosso meio, jogador número 1 (só para não falar puxa-saco número um, mas o último que será promovido, quem sabe o Akwá, jogador 10, o contrate para ser seu assessor!).

Porém, (há sempre um porém) a vitória do MPLA perdeu o seu brilho pelo fato de seus jogadores terem jogado dopados. É isso mesmo!. Contaram com uma força extra. Isso explica, por exemplo, o fato de não ter ocorrido comemorações. Não que seja em respeito aos adversários que eles mesmos não respeitaram durante a campanha, como será visto mais adiante. Comemoração é algo espontâneo. Se a seleção nacional se classificasse para a Copa da África do Sul, não haveria tempo de alguém ir à televisão para orientar como elas devem ocorrer. Além disso, o Mpla gastou tanto dinheiro na campanha que, muito provavelmente, não possui mais dinheiro para comprar tanta Cuca para muitos alcoólatras que a cada dia crescem no nosso país, infelizmente. Isso não é novidade para ninguém, ou o Mpla já se divorciou do eleitorado. Agora não precisa mais dele.

Essa situação fez-me lembrar os velhos tempos do Cubal. Numa das provas de Ciências Naturais, do saudoso professor Chimbioputo, um dos colegas colou (cábula) a prova toda, sem necessidade porque sabíamos que ele era capaz de caminhar com próprias pernas. Na aula seguinte, ao serem devolvidas as provas, já corrigidas, o professor começou com as piores notas. A partir de uma determinada nota, todos os alunos comemoravam o desempenho obtido assim que as recebiam. O nosso colega, apesar de ter conseguido a maior nota, recebeu a prova friamente, nem nenhuma manifestação de alegria. Parece que a própria consciência o fazia lembrar do ato de deslealdade que cometeu.

Os jogadores do Mpla foram os velocistas canadenses Ben Johnson que nos jogos de Seul, em 1988, foi reprovado no teste “antidoping” acabando por perder a medalha de ouro. Talvez nem precisasse passar por esse vexame. Ele era capaz. O Mpla venceu, mas não conveceu, apesar de números exagerados. O Mpla perdeu a oportunidade de mostrar que é um grande partido. Que é um partido grande, isso já sabemos. O Mpla ganhou, mas, em vez de levar a medalha de ouro, levou a medalha de pau, lustrada com peroba. É uma medalha da vergonha, embora vencedor. O Mpla não terá sua medalha cassada, mas poderia teria feito o “fair play”, ou seja, ser leal, aceitar e respeitar os outros partidos, o povo e as regras do jogo.

O Mpla usou e abusou do direito de “biatar” (jogador em posição irregular). Jogou a Cuca na água potável. Violou sistematicamente as regras eleitorais e outras práticas democráticas. Senão vejamos: O presidente em exercício do país inaugurou obras até cerca de três dias antes da realização das eleições em diversas províncias e assumiu, publicamente, que estava fazendo campanha. Essas obras não foram feitas com o dinheiro do Mpla, mas com o dinheiro público. É muito provável que as viagens não foram custeadas com o caixa do partido, mas com dinheiro público. Isso possibilitou que o Mpla saísse, nessa maratona, 33 km a frente dos outros.

Além disso, os órgãos de comunicação estatal jogaram, pornograficamente, a favor do Mpla, com anuência do Ministério da Comunicação, Comissão Nacional Eleitoral (CNE e Ministério da Justiça que não interferiram na linha editorial desses órgãos. Eles cobriram, praticamente, o país todo. Ainda, foi noticiado, amplamente, para além da corrupção eleitoral, intimidações e agentes que adestravam aos mais humildes como votar (no Mpla).

Essas eleições, por outro lado, foram marcadas para uma época que favorecesse o Mpla, principalmente, que coincidisse com inaugurações de obras. Os outros partidos, para além de não possuirem dinheiro, receberam aquilo que por lei têm direito, praticamente, na semana das eleições. Tem mais!. O governo não disponibilizou em todas as mesas um equipamento para identificar eleitores inscritos que, por algum motivo, perderam o cartão de eleitor ou que votassem na mesa em que não estavam inscritos. O jornalista Orlando Costa, por exemplo, cita o caso da Administradora Edith Livila Manuel Lissimu, do Bailundo, que foi vista a votar em 5 (cinco) localidades diferentes.

Ainda, muitas mesas abriram muito tarde e outras nem abriram, obrigando o sistema a funcionar no outro dia, que não estava inicialmente previsto, se bem que é dessa forma o Mpla gostaria que acontecesse. Já imaginaram que alguém possuir o feitiço chinês ou indiano, já que do Dombe Grande não faz efeito, e fez algumas mágica a David Copperfield, daquelas imperceptíveis, ou seja, o indivíduo vê uma caneta afinal de contas já foi trocada? (é bom que diga que eu não acredito no poder do feitoço). Que eleição é essa que não possui confronto de idéias?

Por isso, embora essas eleições sejam válidas, elas não podem ser declaradas “livres, equilibradas nem justas”. Essa opinião é corroborada pelos observadores da União Européia, quando não pedem a sua invalidade mas também não as declaram livres e justas. Ou seja, Angola não deu nenhuma lição ao mundo, como muitos gostariam, talvez à Africa pelo fato dos perdedores aceitarem os resultados e pronto!

Em suma, essas eleições foram marcadas pelo abuso do poder econômico, com distribuição de bicicletas, dinheiro e outros bens esquecendo-se de que o pobre precisa de inspiração e não de esmolas. Foram também marcadas pelo conservadorismo, mostrou que o nosso povo é vulnerável às pressões e muita gente, majoritariamente analfabeta, vota com a maioria. Os poucos intelectuais que poderiam fazer diferença, muitos deles, andam comprometidos com o sistema vigente e alguns completamente desinformados. É isso que constatei quando telefonei, com muitas dificuldades no dia 4, a amigo, em Cabinda. Ele sabia que no dia seguinte iria votar num determinado partido, mas que são sabia a finalidade.

A oposição agora deve ter percebido como se joga. Não acho justo imputar a UNITA a derrota de 13 partidos. Se ainda muitos associam a UNITA o seu passado de luta, tinham outras opções. A realidade mostrou que isso não ocorreu. Agora o que a oposição precisa entender, se quer progredir, é não mais repetir a história. Precisa estar precavida como o cogumelo que já nasce com o guarda-chuva.

A primeira coisa que a oposição precisa fazer é sair do ar condicionado e ficar junto das massas, seguindo a carta de Puebla que diz os representantes do povo têm que ficar próximo do povo, saindo de seus gabinetes, para que entendam as reais dificuldades do povo, falta de habitação, desemprego, etc. Assim, a campanha não começa três meses antes das eleições, mas o tempo todo.

Além disso, numa batalha nenhum soldado deve ser colocado no segundo plano. Membros de mesmo partido precisam aprender a perdoar-se. Perdoar é esquecer tudo. A propaganda negativa feita por um ex-companheiro provoca efeitos extremamente devastadores diferentemente quando feita por mil adversários. Os partidos precisam também renovar seus quadros.

A segunda coisa que a oposição precisa entender é que hoje não se ganha mais eleição com boas idéias, apenas. Não com a simples propaganda eleitoral. A FpD,por exemplo, foi um dos partidos que apresentou idéias e programas com conteúdo. Porém, os programas apresentados na televisão, pareciam ter sido gravados nos aparelhos de telefones celulares. Houve casos em que não se tomou cuidado nem com a iluminação. Via-se, em algumas cenas, apenas vultos.

A propaganda eleitoral não convence mais ninguém, infelizmente. O caso real é o Mpla, que é partido de ontem com propostas de anteontem e goleou. O que ganha eleição hoje é um bom marketing político e eleitoral. O Marketing faz o incompetente parecer competente. O feio ser lindo, o desconhecido ser o mais conhecido, o preguiçoso parecer ser trabalhador, o extremo incompetente ser competente. A oposição precisa contratar profissionais qualificados que cuidem do maior bem, a marca de cada partido e, principalmente, se seus líderes.

A nossa democracia está a nascer. Muitas coisas precisam ser melhoradas. A Comissão Nacional Eleitoral precisa liderar essas mudanças. Ela precisa ser independente, de verdade. O que não se pode conceber é termos uma Comissão, predominantemente, compostas por membros do Mpla, inclusive o seu Presidente. Por exemplo, quem tem que convocar as eleições não pode ser o Presidente da República, mas alguém da CNE ou do Tribunal Eleitoral ou Supremo Tribunal, alguma instituição similar que talvez não exista ainda (as hierarquias da justiça ainda são um pouco confusas). A CNE precisa também disciplinar a matéria de inauguração de obras às vésperas das eleições, sob pena da cassar o registro do infrator ou de seu partido. A CNE ou algum tipo de Justiça precisa ter também autoridade de retirar do ar, por exemplo, o funcionamento da televisão ou rádio, caso, no dia das eleições, faça propaganda abertamente em favor de um partido e aplicar pesadas multas.

Essas eleições mostraram que não é fácil mudar. É fácil falar em mudanças, mas é difícil colocá-la em prática. É mais cômodo repetirmos aquilo que já sabemos. É preferível copiarmos experiências já vividas, andar pelos caminhos já trilhados, que ser uma aventura. É preferível ser uma unidade estática a fluir na direção de transformações constantes. É verdade que a vida é feita de permanências (essências) e provisoriedades. As provisoriedades, entretanto, precisam ser renovadas constantemente. Poucos estão preparados para o novo porque isso representa a ameaça de tudo que se adquiriu que explica a realidade e a vida. Não renovamos é por isso que sofremos, como certa vez alguém escreveu.

Em relação ao futuro, não sou profeta, mas prevejo um futuro sombrio. Para além de agüentarmos o Nelo Carvalho e João Melo, os intelectuais de ponta que o MPLA possui, porque eles dão as caras no tempo bom e ruim, para além de possuírem uma sólida formação acadêmica e intelectual, que muitas vezes até reconhecem falhas do sistema e compartilham aquilo que sabem e acreditam, diferentemente de outros, de quinta categoria, como diria Kuata Kanawa, que escrevem só para garantirem o seu pão de cada dia, teremos que agüentar sempre o mesmo discurso: “Assembléia eleita democraticamente” ou “nós somos capazes de implantar a democracia”.

Além disso, eles mudarão a constituição. É muito provável que implantem a monarquia parlamentar. Anotem aí, ao contrário da movimentação que vimos nos últimos dias do Presidente em exercício, agora volta aos velhos costumes, fechado em Luanda. Visitar províncias, só em agosto do próximo ano. Nenhuma obra será mais inaugurada, exceto às escolas da Província do Uige. Irá aumentar o número de artigos de opinião de gente que vai bajular o sistema. Até pouco tempo estiveram escondidos. Não sei como o Mpla acredita nessas pessoas. Espero que queime a língua.

As eleições, apesar de tudo, foram um bom começo. Espero que tudo volte à normalidade. Desta vez, por exemplo, o país não parou para comemorar o aniversário de um presidente de partido. Agora, espero que o Mpla não negue o voto de angolanos na diáspora nem adie as eleições do próximo ano. O resto fica uma lição de que o Jogo tem que ser jogado no campo. A vida continua. A vida é feita de altos e baixos; de vitórias e derrotas; Diz o velho pensamente “se a tua caminhada fosse florida só de rosas, teria no fim a decepção de não ter lutado por um ideal mais valoroso”.

Devemos amar cada vez mais o nosso povo e cada um de nós faça o que puder de melhor por ele. Seria muito bom se renunciássemos a individualidade e voltássemos mais para coletividade. Ademais, devemos continuar rir e a sorrir. Quero parabenizar, finalmente, ao club-k, pela excelente cobertura que fez e muitos blogues.


* Feliciano J.R.Cangüe
Fonte:
http://cangue.blogspot.com