Esta revisão constitucional tem como desiderato principal a consagração na lei da prática governativa autoritária, traduzida na concentração de poderes na pessoa do Presidente da República. Os partidários dessa Constituição, quiça meio envergonhados de uma tal proposta, dizem que esta nova Constituição vai consagrar um sistema semi-presidencial de pendor presidencial.

Na verdade, a proposta de revisão constitucional que eles apresentam visa concentrar todos os poderes políticos na pessoa do Presidente da República. Este será o chefe do Estado, o chefe do Governo, será politicamente irresponsável perante a representação nacional (apenas o será em caso de impedimento por alta traição) e conservará o poder de dissolução da Assembleia Nacional.

Esta tendência para a concentração de poderes numa só pessoa é muitas vezes apelida de presidencialismo que é uma expressão pejorativa que foi utilizada para caracterizar as ditaduras (mormente militares) da América Latina dos anos de chumbo (décadas de 1960-70). Nesses regimes também se concentravam no Presidente todos os poderes.

Entre nós, ainda por altura da Luta de Libertação Nacional, Agostinho Neto foi acusado pela Revolta Activa de presidencialismo precisamente pelo facto de tudo concentrar na sua pessoa e de se sobrepor às estruturas do movimento de libertação que dirigia.

O presidencialismo de que se fala é pois uma forma de absolutismo e não é assimilável à democracia, ao sistema de governo presidencial, como o dos Estados Unidos ou do Brasil. Nestes dois país o Presidente da República não concentra nele próprio todos os poderes e não se sobrepõe a representação nacional.

No sistema presidencial, o Presidente é o chefe do executivo e é irresponsável perante a representação nacional (o Congresso) mas não tem poder de dissolução. Apesar de eleito pelo sufrágio universal dos cidadãos (menos para os Estados Unidos e mais para o Brasil) tendo por isso uma legitimidade equivalente a dos congressistas (do Senado ou da Câmara de representantes) ele não tem nenhum meio de pressão (se descontarmos o poder de veto que um meio limitado) sobre a representação nacional, nem nenhuma forma de a submeter aos seus desígnios.

No sistema presidencial os dois órgãos políticos de soberania equivalem-se e respeitam-se mutuamente. Não será seguramente este o caminho que vai seguir o nosso país diante da proposta conhecida de revisão constitucional do partido do Presidente.

Também não será a de um sistema misto de pendor presidencial de tipo francês. A Constituição francesa de 1956 é muito clara em relação a chefia do executivo. Neste sistema compete ao Primeiro-Ministro, saído da maioria parlamentar, chefiar e definir a política nacional, respondendo por ela diante da Assembleia Nacional.

Ao Presidente da República, no sistema semi-presidencial forte, cabe presidir ao Conselho de Ministros, que é tido apenas como uma reunião de coordenação de políticas e não como uma instituição permanente que se confunde com o próprio Governo.

Dada as pretensões de potência mundial da França, também foram atribuídas competências executivas partilhadas ao Presidente da República em dois domínios: a Defesa Nacional e as Relações Exteriores. Estas áreas foram consideradas de importância estratégica para a política de potência que de De Gaulle defendia para a França do pós-segunda guerra mundial.

Esta partilha de competências neste dois domínios fica esbatida quando o Presidente e o Primeiro-Ministro são da mesma família política mas é por demais evidente quando há coabitação de duas famílias políticas à cabeça do Estado mas, em caso nenhum, não faz do Presidente da República o chefe do governo.

A novel Constituição vai assim consagrar um absolutismo comparável ao período pré-revolucionário ou bonapartista. Teremos pois no lugar do contrato social rousseauista da actual Constituição a consagração do Leviatã angolano em toda a sua potência.  

*Dirigente da FpD
Fonte: SA