Benguela -  Na sequência da publicação da entrevista ao cidadão Isomar Pedro Gomes (IPG) realizada pelo Semanário Angolense (SA), e publicado por este portal ao 3 de Maio do corrente. O nosso correspondente em Benguela contactou o cidadão acima mencionado com vista a aclarar algumas dúvidas no ponto de vista deste portal, e por sabermos que IPG queixou-se de que a referida entrevista não foi publicada na íntegra.


Fonte: Club-k.net


CLUB-K – No que se refere a entrevista concedida ao SA, e publicada com o título; ANTIGO CHEFE DO SINFO ACUSA REGIME DE ABANDONAR EX-MEMBROS DA SEGURANÇA DE ESTADO, o que acha que foi omisso na publicação ou divulgação da referida entrevista, ou por outro lado qual foi o motivo da referida entrevista?

ISOMAR PEDRO GOMES (IPG) – Obrigado por mais uma vez, me ter sido dado o privilégio de dirigir-me ao público e mencionar este dossier candente e um tanto perturbador. Candente porque é um tanto arrebatado, pois com o passado recente do nosso país e o papel exercido pelos vários serviços da segurança do estado, desde a célebre DISA, tem causado varias reações e suscitado muitos sentimentos, alguns de raiva, revolta por uma certa fração da sociedade como é o caso das varias vitimas do exercício da atividade do sistema dos serviços de segurança de estado, principalmente neste mês de Maio, e por outro lado suscita também algum constrangimento e compreensão por outra fração por pessoas que se solidarizam com o nosso apelo ou clamor de socorro e claro uma outra mantem-se neutra e…


CLUB-K – Quer explicar-se melhor?.. Não esta respondendo a pergunta

IPG - Por favor, deixe-me concluir o raciocínio… mas em tudo isto, falando sobre o nosso apelo, o que causa mais revolta aos antigos integrantes do sistema de segurança do estado, é o fato de que as autoridades atuais, que são as mesmas que estiveram na origem da formação do referido sistema para sua exclusiva proteção, agem como que estes homens ou seja nós, fossemos párias, criminosos ou alguma coisa parecida, não nos é reconhecido o mérito de termos servido de forma exclusiva e muito sacrificada o MPLA, ainda o partido no poder, não nos reconhecem o fato de termos também constituído um dos pilares, ou deles fazermos parte ou o PILAR da segurança de uma certa estabilidade do regime do MPLA… o MPLA, está onde está por em primeiro lugar ter existido milhares de jovens que se posicionaram na primeiríssima linha de ataque do outrora inimigo – interno e externo - para defesa do MPLA, á 100% 24horas dia de segunda á segunda-feira, por muitas vezes nós, lembro-me como se fosse hoje, não tínhamos tempo para nós mesmos, para as esposas recém-casadas e para os filhos, renegamos a nossa própria existência, para benefício exclusivo do MPLA.


Naquela altura o então inimigo não perdoava um agente ou membro do sistema de segurança do estado apanhado ou capturado em combate, este muitas vezes era morto de uma forma cruciante e dolorosa, outros combatentes como das FAPLA ou da Policia ou ainda ODP muitos lhes era permitido continuarem vivos e muitos deles depois de capturados foram convencidos a trocar a camisola – já ouviu falar de alguém do MINSE que passou para o então inimigo? NUNCA OUVI. É só lembrarmo-nos do ódio disseminado após a assinatura dos acordos de paz de Bicesse, qual foi o grupo de entre os servidores do MPLA a quem outra parte dirigiu todo o seu fel e raiva? Foi contra os dirigentes do comité central do MPLA? Contra os generais das FAPLA? Contra quem Jonas Savimbi, vociferava com particular raiva, contra os MINSE-DISA, foi aí que se inventou este trocadilho, a pergunta é porque disseminavam tamanho ódio? Óbvio foi a estrutura que eles chocavam na primeiríssima linha de combate, porque a guerra que se travou no passado, foi feita com igual ou mais intensidade nos bastidores, longe dos olhares de muita gente, foi uma guerra de busca de informações, e na guerra como se sabe ganha aquele que conseguir reunir a maior e melhores informações, desarmamos centenas senão milhares de bombas, salvamos inúmeras vidas, desarticulamos centenas senão milhares de células de apoio de abastecimento, células de apoio politico militar do inimigo, e…


Club-K – Então referente a pergunta inicial.

IPG – A explicação do que foi omissa na divulgação da anterior entrevista, esta implícita ou subentendida no meu proferimento de hoje, e acho que estará mais explícita nas fases posteriores desta entrevista. Entendo que a imprensa hoje no sistema atual assemelha-se a alguém na corda bamba…


Risos…

É verdade, se por um lado o jornalista está disposto a publicar a verdade, por outro lado entende que a verdade dos fatos muitas vezes não é a verdade do sistema e que este é implacável para aquele tipo de verdade que na opinião do sistema fere a imagem do sistema, não sei se estou a me fazer compreender… vou exemplificar, quando o Rafael Marques denunciou a corrupção publicando provas das denúncias, qual foi a reação do sistema através do VOA – Voz Oficial de Angola, que é o Jornal de Angola; Corrupto é o Rafael Marques. Acusaram-no, exibiram provas? Não, simplesmente acusaram de que o corrupto é você, e tudo ficou assim. Por outro lado quantos jornalistas da nossa praça foram ameaçados de perderem o pão, suspensos enfim… você mesmo conhece certamente alguns deles, pois um ou dois dão capa ou rosto ao noticiário principal da TPA e…

 

Club-K  - Mas se vocês saíram do sistema á coisa de 20 anos, como vocês não fizeram da tripa coração e prosseguirem com as vossas vidas, porque cruzaram os braços e ficaram 20 anos a espera do governo, porque por exemplo não estudaram, não se qualificaram academicamente e tentassem por meios próprios, enfrentarem e progredirem na vida e no mundo, não acha que é um pouco surrealista e desabonatório para a vossa causa?

IPG – Ok, esta pergunta é importante segui o curso dos comentários a quando da publicação da anterior entrevista no vosso portal, alguns até afirmaram que nós estávamos a ser chorões, e que nos preocupamos somente com a bufaria entre aspas, - como se classifica o trabalho do sistema de segurança do estado - ao invés de nos preocuparmos com a formação e superação académica para melhor reinserção na sociedade, que deixara de ser socialista para capitalista… ora bem!...


Eu vou dar o exemplo do meu amigo e ex-colega Ndunduma, este companheiro ingressou na DISA, proveniente das então gloriosas FAPLA, em 1976 – integrou as FAPLA em 21 de Dezembro de 1974 - naltura tinha ele 22 anos de idade, e a frequência do segundo ano liceal na Cerveira Pereira – atual cte Cassanje – equivalente parece a 7ª classe se não estou enganado, quero salientar que por algumas vezes este companheiro tentou prosseguir com os estudos, mas tal lhe foi severamente impedido, lembro-me que uma das vezes ele foi retirado da sala de aulas por sinal na atual Comandante Kassange, por colegas a mando do chefe Octávio, então delegado provincial do MINSE em Benguela, hoje o segundo homem do SINSE nacional, que quase o apelidou de traidor, por descurar os objetivos da revolução em prol do que ele chamou naltura interesse pessoal, o querer este companheiro aumentar o seu nível académico. Este companheiro, Ndunduma, foi e teve uma intervenção muito dinâmica no desenvolvimento das inúmeras tarefas acometidas a segurança do estado, em 1992 foi desmobilizado com a patente de 1º tenente, com 38 anos de idade… está seguindo o meu raciocínio?


… Sim! Continue…


Ora em 1992, este companheiro 1º tenente, já casado e pai de quatro filhos, foi posto abruptamente no desemprego, foi-lhe, como a todos nós, prometido inserção num sistema de reforma e proteção a todos os ex-membros da Segurança do Estado. Procurou trabalho, lembro-me que conseguiu alguns empregos, sendo um deles na Angola-Telecom, parece-me que foi na Comatel, não sei se é esta a designação correta da empresa, mas sei que estava ligado a Angola Telecom … mas este emprego só durou, até que foi descoberto a sua condição de ex-alicate como na gíria se chama a todos os ex-membros da segurança do estado, lhe foi montada uma cabala de forma propositada e posto na rua, e o mesmo aconteceu no segundo emprego, desta vez numa empresa privada...


Club-k – qual foi a empresa privada…

IPG – não interessa divulgar o nome desta, até porque hoje já não existe como tal, este camarada como disse mesmo em tempo de prestação ativa ou em serviço ativo, tentou estudar, mas naquela altura, a direção do MINSE não encorajava tal procedimento em nome da defesa da revolução e do MPLA. Preste atenção que naquela fase milhares de outros camaradas, companheiros, compatriotas ou cidadãos estudavam ou frequentavam regular e normalmente as escolas, universidades etc., para eles terem acesso a estes privilégios outros como nós tínhamos que nos sacrificarmos para que milhares ou milhões de outros compatriotas pudessem estudar, em nome do engrandecimento da nação, entendíamos ou esforçávamo-nos a entender de que todos não podíamos estudar, senão quem iria defender o país? E que também todos não podíamos defender o país, senão quem iria produzir para o país, quem iria fazer as tarefas necessárias para manter o país vivo… hoje, os papeis inverteram, aqueles que estudaram enquanto eu tive que empunhar a arma, dizem-me que VOCE NÃO ESTUDOU!.. e que fui burro, alguns até dizem-nos; quem vos mandou? Bem feito!.. NINGUEM entendeu que eles tiveram a oportunidade que tiveram, porque eu e milhares de outros camaradas tivemos que nos sacrificar, e muitos perderam a vida, e os seus filhos órfãos estão aí, desprezados muitos deles, zungueiros, etc., acha tal justo?…

Mas…

Deixe-me concluir, perdi-me um bocado… no exemplo que estava a narrar, o camarada Ndunduma, acabou 1º Tenente, desempregado e pai de 4 filhos, agora como podia continuar a estudar? Se tinha os filhos e a esposa para sustentar?.. Claro, mas o Senhor Octávio, pode continuar a estudar e hoje, parece-me que é Doutor de qualquer coisa. Claro ele podia continuar a estudar, porque não ficou desempregado, antes pelo contrário o salario desde os tempos que era delegado do MINSE em Benguela, duplicou ou triplicou, nós naltura ganhávamos um salario de miséria, salario de revolucionário … ora com tal chorudo salario os vários camaradas Octávio da era pós 1992, podia muito sorridente e calmamente continuar a estudar, doutorando-se… esqueceram que ele invocando os interesses da revolução, impediram que outros camaradas continuassem os estudos. Então porque!... Ndunduma, não podia estudar ou continuar a estudar e sustentar a família em simultâneo, optou então por sustentar a família, e…

Mas ainda…


Deixe-me concluir, Ndunduma teve que optar pela busca incessante do pão para alimentar os filhos, acha que ele não fez das tripas coração PARA SOBREVIVER? As promessas de reforma, as promessas de apoio do estado, as promessas de emprego… TUDO, o estado ou o MPLA a muito esqueceu, quando Ndunduma, conseguiu enfim em 2005 chance para ingressar no funcionalismo público, veio o xeque-mate; tinha idade superior ao limite determinado por lei 35 anos, Ndunduma tinha naltura 51 anos de idade… como acha que ele esta agora a desenrascar? Agora com oito filhos, seis netos e responsabilizando-se de 3 netos cujos pai negaram-se a prover sustento, como acha que este camarada está a sentir-se em face de tudo isso?


Club-k – Mas muitos de outros camaradas seus ex-MINSE, integraram a policia nacional, porque não aconteceu com a maioria ou todos vocês afinal?

IPG - por uma razão muito simples, porque primeiro um individuo que durante 16 anos consecutivos, 24horas por dia 8 dias por semana, não tinha vida privada, não teve feriados, não pode festejar natal, passagem de ano e outras mimices da vida, a primeira reação é; Meu Deus quero agora DESCANSAR, ter paz, sossego e vida familiar normal e tranquila. E foi isso que muitos dos meus camaradas optaram, não por preguiça, ou por querem ser mártires, não posso ser agora julgado e condenado por isso… por outro lado, a polícia nacional não podia integrar os 100% do efetivo TODO do ex-MINSE de todo o País, por isso os dirigentes na altura, prometerem o que prometeram… quer dizer além do mais, o ingresso na polícia nacional, era facultativo, os meus camaradas que optaram pela primeira alternativa, não podem ser acusados de DESERTORES, ou simplesmente acusador de não terem integrado o MININT como agora ouve-se um pouco por aí…


Club-k – O Estado tem direito a conceder-vos alguma espécie de indeminização, só por 16 anos de serviço como é o caso do exemplo que citaste, o funcionário publico regular, necessita de 35 anos de serviço contínuo, como…

IPG – Em qualquer País do mundo um ano de serviço militar, deve-se multiplicar por dois, porque o serviço militar não é, em nenhum aspecto comparável com o funcionalismo publico regular ou normal. E quando o País esta em guerra, é multiplicar por 3 ou mesmo por 4. E eu salientei que o serviço que prestávamos era 24horas dia durante 8 dias da semana, desconhecíamos os prazeres, ou não nos podíamos dar ao luxo dos mimos da vida civil, e quando tocava ou chegava os dias de festa para o resto da sociedade civil, era quando tínhamos os maiores apertos, estávamos constantemente de prevenção em prevenção, lembro-me que já chegamos a estar durante 4 meses em permanente prevenção 24 horas dia, não sabíamos o que era dormir no colchão ou no convívio com a família, por isso não pode ser taxado o serviço militar a mesmo bitola com o serviço civil ou função civil… vou dar-vos um exemplo.

O serviço militar obrigatório na época colonial era se não me engano de 2-3 anos, mas eles estão a ser remunerados até hoje em Portugal, muitos dos Angolanos que serviram o exército colonial beneficiam deste serviço de compensação aos ex-militares da guerra do ultramar em Portugal, e é paradoxo, conheci alguns dirigentes do MPLA que na era colonial serviram o tuga na tropa, a beneficiarem também deste benefício… então e nós? Em Portugal, por exemplo os antigos membros da PIDE-DGS beneficiam também do sistema de apoio do estado, porque eles apesar de tudo foram servidores do estado… quem instituiu a ditadura no caso de Portugal, foi Salazar e o seu partido nacional… na África do Sul, os militares e todos aqueles que integraram o sistema de defesa do Apartheid e que malharam com toda a força contra o ANC e o povo sul-africano, incluindo os integrantes das varias estruturas de segurança do apartheid, como a BOSS, são considerados HOJE como antigos servidores do estado, e o ANC reconhece isso, e beneficiam todos quer os antigos defensores do apartheid como os antigos membros das varias estruturas dos movimentos de libertação da Africa do Sul, o mesmo acontece na Namíbia, porque não acontece aqui em Angola?


Club-k – Então a vossa Luta continua!

IPG – sim, a luta continua no sentido de chamar a atenção aos detratores e traidores que estão infiltrados no MPLA e que abandonaram-nos, não tenho outro nome a chama-los; SÃO TRAIDORES, muitos deles ou a maioria esmagadora deles, naltura da guerra, época mais difícil do País, recusaram envergar o uniforme, segurar uma arma inclusive até muitos deles, enviaram os filhos para muito longe com o pretexto de estudarem, HOJE são os melhores militantes do MPLA, os mais patriotas, quando falam do MPLA até espumam na boca, eu quando os vejo na TPA, sinceramente sinto pena do MPLA, não é o MPLA que a maior parte da minha geração deram a vida…


Club-K – vocês são militantes do MPLA então?

IPG -  O-B-V-I-O devíamos ser assim considerados, então naquela altura por exemplo, passava na cabeça de alguém, perguntar a um FAPLA, qual é o se partido?

…Risos…

Devíamos inclusive receber também alguma indeminização por parte do MPLA, porque sabemos que muitos camaradas usufruem benefícios materiais, políticos e até monetário do MPLA, o MPLA é hoje um dos partidos mais ricos de Africa, quiçá do mundo, então?! Inclusive o MPLA como proprietária de centenas de empresas, poderiam encaixar muitos de nós nestas estruturas, um dia fiz referencia a isso em relação ao GRN – Gabinete de Reconstrução Nacional, que empregam milhares de cidadãos, mas…


Club-k – Então a vocês consideram-se também ex-FAPLA?

IPG -  O-B-V-I-O, quando fardados envergávamos o uniforme e as patentes das FAPLA, e apesar de termos tido um regulamento interno especial, regíamo-nos pela disciplina ou código de conduta militar…


Club-k – Mas na entrevista anterior, disseste a certa altura, que vocês não faziam parte das forças armadas e que foi um erro, terem sido desmobilizado conjuntamente com as forças armadas, como explicar esta aparente contradição.

IPG – é natural, não retiro o que disse, até porque em qualquer parte do mundo os integrantes dos serviços secretos, embora sujeitos a disciplina militar, formam um órgão a-parte… no caso de Angola, em 1992 estávamos enquadrados ou sob a tutela do Ministério da Segurança do Estado é isso que quer dizer MINSE, e claro sempre houve Ministério da Defesa, que é o Ministério das Forças Armadas, estás a ver a diferença?.. Estamos a fazer uma luta aparte, mas por outro lado solidarizamo-nos com a luta pela assistência e reinserção de todos os ex-FAPLA, lógico o contrário não podia ser…


Club-k – disse no princípio de que falar da segurança do estado, traz ou suscita raiva, ressentimentos por parte de setores importantes da sociedade Angolana, principalmente das vítimas, fundamentalmente neste mês de Maio, queres explicares-te melhor?

IPG – Olha é uma das coisas omitidas propositadamente na minha entrevista anterior ao Semanário Angolense. Vou-me explicar, e o que vou afirmar é o que tenho dito á todo o mundo, nas minhas conversas com amigos e não só. A DISA, em parte foi estruturada pelo primeiro ministro da Administração Interna de Angola independente, o camarada Nito Alves, camarada Nito Alves, esteve na vanguarda da luta contra outros grupos que surgiram naquela altura como os CAC – Comité Amílcar Cabral, OCA – Organização comunista de Angola, Comités Henda etc., mas vou passar direto para o assunto, milhares de jovens integrados na DISA, simpatizavam com os ideais de Nito Alves, e até posso dizer, que no caso de Benguela, houve como que duas DISA, uma que obedecia ao sistema, chefiado pelo camarada Barros Major também conhecido por Kambá, que teve que ser despachado por Luanda de emergência por causa do fraccionismo que já se tinha apoderado da direção da DISA, que ocupou naltura o cargo de Chefe municipal do Lobito e 2º Chefe Provincial, mas era caricato que o Lobito e o norte da província de Benguela, não dependia do Chefe Provincial Interino, o comissario politico provincial Ufólo, - que interinava o posto, por falecimento por doença do primeiro chefe provincial da DISA em Benguela, camarada Pedro Manjolo, que só exerceu o cargo por 4 meses se tanto. Abro aqui um parêntesis para explicar, que Pedro Manjolo, foi mais tarde acusado de ser integrante da OCA…


Club-K – Deixe-me entender!

IPG – Deixe-me concluir, dizia então, que aparece o Kambá a liderar a estrutura que citei a bocado, mas Kambá como segundo chefe provincial, não obedecia as ordens do Ufólo e companheiros. Ora quando surgiu o 27 de Maio, todos os camaradas da direção da DISA, que não estavam sob a alçada do Kambá foi presa, com exceção do camarada Jojó – Jorge Antunes, o atual comandante nacional da policia de guarda-fronteira, portanto muitos camaradas foram presos e desapareceram ate os nossos dias de Hoje, e…


Club-k – Pode citar os nomes destes camaradas?

IPG - Concerteza, a começar pelo Ufólo, que como disse era o comissario politico provincial e chefe interino da DISA, o Cerepa, chefe provincial do departamento da contra-inteligencia - DCIG, Gato Imortal, chefe provincial do Departamento de Operações e Investigações - DOI, Makalé, chefe Provincial do Departamento de Pessoal e Quadros - DPQ, Ngó chefe de seção ideológica da DCIG, Tonicha chefe de seção do Arquivo Biografo Secreto - DCIG, Bragança chefe de seção de Agrupamentos Contra-Revolucionarios- DCIG… enfim, são tantos, o meu chefe de seção naltura e meu amigo pessoal, a seção económica - DCIG, o camarada Coragem, Luvumbi, chefe de seção dos interrogadores - DOI…


Club-k – Estou aterrado, a direção toda então, foi assim?

IPG – Com todas as letras, meu irmão, alguns nomes já não tenho na memoria, provavelmente vou me lembrar mais tarde, estes são os que NUNCA ESQUECI. Portanto tenho dito nas minhas conversas, que embora o sistema tenha utilizado a DISA, para esmagar aquilo que o sistema convencionou chamar de fraccionismo, a DISA por outro lado também sangrou, também foi vítima, e isso por TODO O PAÌS. Não conheço, não conheci nenhuma outra instituição do estado que tenha sangrado tanto, como a DISA, retifico depois das FAPLA por razões óbvias. Os camaradas que hoje, lideram o movimento memorial do 27 de Maio, sabem disto, sabem desta verdade.


Club-k n- Mas quando se fala do 27 de Maio, vocês são logo apontados como os carrascos…

IPG - É verdade, e já agora deixe-me explicar-lhe o seguinte, por causa disso do 27 de Maio, ficamos como que com um estigma marcados até a morte, e foi aí que surgiu o termo; ALICATE ou alicates, por isso quando se referem a nós… dizem o ex-alicate. Mas eu queria dizer, ficamos marcados, até por camaradas da direção do MPLA, pois naltura o sistema de segurança do estado era uma espécie de órgão de vigilância da pureza ideológica do MPLA – citei uma seção ideológica lembra-se? – Muitos dos camaradas da direção do MPLA, que tiveram ou empreenderam ações contrarias as traçadas pelo Bureau Politico, eram desencorajados a tal pelo sistema de segurança do estado, alguém a tempos se referiu do celebre processo 105, onde muitos dirigentes do MPLA, estavam envolvidos… claro estes ditos camaradas, são os que instilaram o odio – parece incrível, mas é verdade – contra nós… mas quanto ao 27 de Maio, é o sistema o culpado e não meramente a DISA, foi A. Neto quem pronunciou as seguintes palavras textualmente; “NÃO HAVERÁ PERDÃO!”… Agora, é verdade que houve exageros e oportunismos, muitos inocentes pagaram com a vida, só pelo fato de ter uma namorada bonita, uma casa bonita, um carro bonito, ou ser inteligente e bem-falante. Mas estes exageros deve-se atribuir ao sistema, e o mais caricato é que até os dias de hoje, a direção do MPLA, mantem-se silenciosa, e alguns deles atribuem as culpas aos ex-DISA, contrariamente ao sistema, quer dizer Nós estamos a pagar uma fatura, de algo que não encomendamos, os que fizeram tal encomenda estão que nem aí, sossegadinhos e gordinhos …


Club-K – Então foi por isso que a DISA extinguiu-se e deu lugar ao MINSE?

IPG – Apanhaste o cerne da questão, lembro-me até quanto a isso de um episodio engraçado, naquela altura o chefe nacional da DISA, camarada Ludy Kissassunda, encontrava-se em Lusaka em serviço, quando foi exonerado, ao voltar para o País, tomou conhecimento da exoneração no aeroporto, e por isso ninguém o foi buscar, e ele disse mais ou menos o seguinte; - apesar de perder o emprego, continuo ser do MPLA. naquela altura choveu uma serie de exonerações de tudo e todos que se tinha conhecimento de ter praticado algum exagero… mas respondendo a sua pergunta, enterrou-se a DISA e surgiu o MININT chefiado pelo então novato entre aspas, Kundy Paihama, antes comissario provincial do Cunene, coadjuvado pelo camarada Mariano Puku – já não estou certo se inverti a ordem - com o órgão de segurança no seu seio ou integrado no MININT, chefiado pelo camarada Diandengue, numa espécie de secretaria de estado, e só depois disso ou de um tempo depois surgiu o MINSE, e depois o SINFO já na era pós Bicesse e atualmente o SINSE.


Club-k – Na sua opinião qual a solução para o 27 de Maio, o fenómeno 27 de Maio.

IPG – Solução? Como é possível encontrar uma solução? Como fazer com que milhares de mortos voltem a vida, como fazer com que centenas de famílias ou milhares de famílias, sarem as profundas feridas abertas naltura. Mas na minha opinião podemos sim RECONCILIAR os espíritos, e fazer com que este clima de Cômba não concluído que cobre o país desde 27 de Maio de 1977, finalize… o MPLA tem que fazer uma explanação de tal, uma redenção no verdadeiro sentido da palavra, porque se por exemplo o camarada Nito Alves, foi graduado a titulo póstumo, é porque reconhece-se que afinal, grande parte dos fatos que lhe atribuíram não corresponde com a verdade, e por outro lado a sentença ou a reação a ação FOI EXAGERADA e homicida… não há vergonha nenhuma em admitirmos os nossos erros, um grande partido é aquele que reconhece os erros e corrige-os… para a reconciliação total, talvez envolver toda a nação na discussão direta, sem tabús… uma espécie de TRUTH COMISSION a semelhança do que aconteceu na Africa do Sul de Mandela, e já agora deixe-me dizer-lhe, UMA COMISSÃO DA VERDADE, não só para o caso do 27 de Maio, como os casos antecedentes a este e posteriores, envolvendo toda a sociedade e fundamentalmente os partidos protagonistas da guerra… esta é a minha opinião. E por favor já não quero falar sobre este tema.


Club-K – ASPAR, é do nosso conhecimento que Isomar Pedro Gomes, esteve na origem da virada para a solução embora ainda ténue da vossa questão, o que se te oferece comentar ainda a respeito?

IPG – É verdade, sempre achei estranha esta designação ASPAR, inclusive encetei um movimento a nível de Benguela, para mudarmos a designação, para: ASSOCIAÇÃO DOS EX-MEMBROS DA SEGURANÇA DO ESTADO, uma designação mais aberta e realista, é que ASPAR soa a aspirina, um…

…Medicamento, parece que temos algo a esconder. Porque ASPAR, se em qualquer lado onde passo, oiço comentários em surdina tipo: Ai esta o tipo, o alicate, estes gajos… - e isso de indivíduos seniores do MPLA, ora se estes ainda nutrem rancor, imaginam o antigo inimigo, mas paradoxalmente, encontramos mais compreensão por parte dos ex-inimigos do que dos antigos amigos, aliados ou lá coisa parecida. Indo diretamente para a tua preocupação, sim foi em BENGUELA, que deu inicio ao movimento, quando chamei atenção aos camaradas que então compunham a direção da ASPAR na província, que o faziam como se tratasse de uma associação dos diabéticos ou de tosse convulsa, estavam a dirigir mal os tiros, inclusive os da direção nacional, que pareciam dirigir a associação como se fosse uma empresa – e devo dizer que foi lucrativa para alguns deles – ou algo amorfo, como se fossemos PEDINTES ou mendigos, imagina que antes da designação ASPAR, era chamada de Associação de Ajuda aos Necessitados!...


IPG – É verdade, perguntem os tipos que tiveram tal ideia PODRE, ainda estão aí, dirigiam a associação como se o facto de reclamarmos os nossos direitos, FOSSE UMA MENDICANCIA a solicitar UM FAVOR por parte do regime, por isso demorar 20 anos… sensibilizei alguns camaradas e começamos a mudar de postura de comportamento, portanto não fui o único um grupo de camaradas secundaram a minha visão, deixe-me dizer que o camarada general Armando da Cruz Neto, foi de uma grande ajuda, foi o dirigente que ficou de fato sensibilizado com a nossa causa, e deu um grande empurrão, não estaríamos onde estamos se não tivéssemos ajuda deste dirigente.


Club-K – como surgiu o atual coordenador Paulo Rangel, ao leme da associação em Benguela?

IPG -  Em todo o processo é assim mesmo, uns começam e outros depois aparecem para colher os louros, foi sempre assim. A minha ajuda, não foi para alcançar nenhum lugar ou para acomodar-me na estrutura do sistema, e para provar tal até nem sequer me inscrevi no atual processo de benefícios que virá provavelmente da caixa social do MININT, estive sempre preocupado com a situação dos meus ex-colegas, muitos deles foram operativos BRILHANTES, indivíduos que deram tudo de si… estão nas ruas de amargura, como os camaradas Filipe Chivumbo e Missy… PORQUE? Este foi o meu grito! O QUE FIZEMOS DE ERRADO? Quando muitos dos que combatiam o sistema, inimigos viscerais do sistema e do MPLA, como o Jorge Valentim – que conheço muito bem, bem como as suas tristes proezas no Lobito em 1974-1975 – HOJE, mama das tetas do MPLA e é tido agora como MILITANTE DO MPLA, com largos benefícios materiais e financeiros… alguém consegue compreender tal aberração… por favor dói-me a cabeça, e já não falo mais nada. OBRIGADO por me ter dado enfim a possibilidade de me desabafar… espero que desta feita publiquem na íntegra… MUITO OBRIGADO.


Em jeito de despedida quero dizer que o fato de estarmos a reclamar a pensão, reforma ou uma compensação permanente seja lá ela o que fôr, não é um favor da parte do MPLA ou do governo dirigido por este partido, exigimos tal compensação por uma QUESTÃO DE JUSTIÇA e somente justiça, porque NADA paga a 100% os esforços despendidos por nós, não há dinheiro que pague os membros dos camaradas que perderam na defesa do MPLA, nada paga a vida dos camaradas que sacrificaram pelo MPLA, e não há nada que paga a dor o sofrimento dos órfãos crescerem sem a tutela do pai e ainda por cima abandonado pela estrutura vigente, liderado pelo MPLA.

MUITO OBRIGADO uma vez mais.