Luanda – Cinco feridos (dentre eles um general foi espancado, dois soldados e igual número de polícias) e várias detenções arbitrárias é saldo da manifestação espontânea protagonizada na última quarta-feira, 20, em vários distritos do município de Luanda, pelos ex-militares das Forças Armadas Angolanas (FAA) quando exigiam o pagamento das suas pensões de reformas que não têm em acesso há quase duas décadas.   


Fonte: Club-k.net

A manifestação ajuntou mais de 3600 desmobilizados, dos cinco mil, (dentre eles deficientes físicos e um número incalculáveis de senhoras de idade, algumas acompanhadas pelos filhos) teve inicio a partir do regimento das transmições das FAA, localizada na famosa rua “dos Quartéis”, no bairro da Tourada.


Segundo um dos manifestantes, no último encontro que teve lugar no regimento da Polícia Militar (PM), localizado no campo militar do Grafanil, foram recomendados por Bento Kangamba, membro do comitê provincial do MPLA em Luanda, a fazer-se presente nesta quarta-feira (20), às 08 horas, para prosseguirem com as negociações.


“É o que nós fizemos. Estávamos lá quando eram 8 horas e aguardamos até às 10 horas de manhã ele não compareceu, daí decidimos marchar até ao ministério da Defesa para exigirmos, mais uma vez, o pagamentos dos nossos subsídios”, explicou a mesma fonte, acrescentando que “de jeito que as coisas estão a caminhar, já não acredito que o Bento Kangamba vai conseguir resolver a nossa situação”.


A mesma ideia é partilhada por todos os desmobilizados. Alguns acreditam que somente José Eduardo dos Santos, na qualidade de Comandante em Chefe das FAA, é que pode solucionar, definitivamente, esta situação. “Porque todas as pessoas que incumbidas para resolver este problema desconseguiram. Agora a bola esta em suas mãos”, salientou.


A maior parte dos desmobilizados entrevistados por este portal, acreditam que não será possível à realização das eleições gerais (marcadas para 31 de Agosto), caso esta questão persistir. “Se eles não resolverem o nosso problema agora ninguém vai votar, nós estamos prontos para impedir a realização dessas eleições”, garantiu outro entrevistado, rodeado pela multidão (já na rua da escola Ana Ngola) eufórica que gritavam “MPLA gatuno!”, “Dos Santos é gatuno, vai para a sua terra. Não te queremos mais”.


“Se não pagar o nosso salário, eles vão ter que adiar as eleições, porque há muito tempo que estamos a ser aldrabados. Todos os dias eles dizem amanhã, amanhã, amanhã. Estamos saturados”, reforçou um outro desmobilizado enfurecido, que aparenta estar na casa de 57 anos. “MPLA está a nos maltratar. Nós estamos a reivindicar os nossos direitos e eles (a polícia) estão a nos apontar armas. Isto são direitos humanos? Isto é crime!”, acrescentou.


Para chegarem até ao famoso largo da “Maianga”, por voltas das 11 horas e poucos minutos, os ex-militares começaram a marchar da rua “Dos quartéis” (onde agrediram alguns elementos das FAA, recebendo-os as armas do tipo AKM), até a avenida “Ho Chi Min”, perfurando para o bairro de (Alvalade) até a rua “Marien Ngouabi”, mais conhecida por Martal (devido o supermercado), em direcção a rua “Amilcar Cabral” onde foram travados por um forte aparato policial composta por (PM e PIR, a par das Brigadas Caninas, Montada, Auto e Moto).


Os confrontos com os efectivos da corporação na Maianga perduraram cerca de 20 minutos. No entanto, a polícia recorreu ao uso de armas de fogo (disparou-se por duas vezes), além do uso de gás lacrimogêneo e os manifestantes a remessaram algumas pedras que atingiram dois efectivos da PIR. Na altura, era visível o encerramento de vários estabelecimentos comerciais, localizados nas imediações, além de trafego.     


De seguida, os mesmos avançaram em direcção a rua direita que dá acesso à igreja católica “Sagrada Família” – sempre acompanhado pela polícia fortemente armada – passando pelo bairro do “Maculuso”, até as ruas “Frederico..., Comandante Kwueno e Cônego Manuel das Neves” até ao cemitério “Alto das Cruzes”, onde se dividiram em dois grupos. O primeiro dirigiu-se até a porta da embaixada norte-americana, e o segundo para a rotunda (na parte lateral da mesma embaixada) que dá acesso a rua direita que passa pela maternidade “Ngangula” até ao ex-mercado “Roque Santeiro”, onde se concentraram mais de 53 minutos.  


Os efectivos da Polícia de Intervenção Rápida voltaram, mais uma vez, a utilizar os gases lacrimogêneos para dispersar a multidão que exprimia, claramente, as suas intenções defronte as entidades norte-americanas. No local morreram – de formas inexplicáveis – dois manifestantes (informação confirma pelos manifestantes e advogado David Mendes que testemunho). Os restos mortais dos perecidos encontram-se, neste exacto momento, na morgue do hospital “Josina Machel”, vulgarmente conhecido por “Maria Pia”.


Os ex-militares simplesmente exigem o pagamento dos subsídios a que consideram ter direito e a integração na Caixa de Previdência e Segurança Social do Ministério da Defesa, em vez de continuarem inscritos nos serviços de segurança social dos Antigos Combatentes ou do regime geral, tutelado pelo ministério da Administração Pública, Emprego e Segurança Social.


COMUNICADO DO GPL

Por sua vez, o Governo da Província de Luanda (GPL), em nota distribuída à imprensa, no mesmo dia, dava a conhecer que, de acordo com o Estado Maior General das FAA, “foi retomado o processo de liquidação dos subsídios de desmobilização de ex-militares, que decorre normalmente desde o passado dia 15 no Regimento da Polícia Militar, localizado no campo militar do Grafanil”. Informação desmentida pelos ex-militares.


Na mesma nota, o GPL tentou tapar o sol com a peneira dizendo que “os desmobilizados concentrou-se nas proximidades do terminal doméstico do Aeroporto 4 de Fevereiro, do Largo da Maianga e do Cemitério do Alto das Cruzes, onde promoveram uma série de desacatos em flagrante violação à lei e à ordem, sob pretexto de uma suposta reivindicação de pensão de reforma”. De acordo ainda com a nota, as forças de seguranças fez recurso a adopção de medidas de sensibilização ao civismo e outras medidas coercivas lícitas, “tendo-se verificado algumas detenções”.


ESTADO MAIOR DIZ QUE HOUVE INFILTRADOS

No sentido de salvaguarda a imagem da sua visível “incompetência”, o Estado Maior General das FAA, na pessoa do tenente-general Artur de Oliveira, assegura que houve – durante a marcha – alguns infiltradores (ou serão fantasmas?). "Temos quase a certeza de que neste grupo que se manifestou hoje não estão só ex-militares. Houve mais gente metida nisto, porque aquilo que é legítimo reivindicar, está a ser resolvido".


Enquanto que alguns dos ex-militares queixam-se da burocracia injustificada, por não possuírem documentos necessários para poderem receber as suas pensões de reforma, enquanto os que têm esses documentos e mesmo conta bancária não recebem os pagamentos devidos.


Ex-militares angolanos repetiram, a manifestação realizada há cerca de duas semanas para reivindicar o pagamento de subsídios alegadamente em falta, alguns desde 1992. A manifestação chegou a escassas dezenas de metros do Ministério da Defesa, na Cidade Alta, onde se localizam outros ministérios e a Presidência angolana.


Artur de Oliveira reconheceu que a manifestação do passado dia 07 "ajudou a acelerar" o processo de reposição de pagamento dos subsídios, que estava suspenso. "A manifestação de há duas semanas não foi tão agressiva como foi esta e o EMGFAA reconhece alguma legitimidade àquela manifestação, porque os subsídios ainda não tinham sido pagos. Logo a seguir acelerou-se o processo. Houve decisões superiores que ajudaram a acelerar o processo e a partir do dia 15 começaram a ser pagos", acrescentou. Informações negadas por todos os desmobilizados.


Instado a comentar a violência registada no decorrer da marcha, em que a polícia respondeu com tiros para o ar ao arremesso de pedras pelos manifestantes, aquele responsável militar caracterizou a resposta como tendo sido uma "intervenção firme". "Não houve feridos. Houve uma intervenção firme das forças policiais, complementada por forças da Polícia Militar", considerou.


Entretanto, o mesmo reconheceu que episódios como estes poderão voltar a repetir em Luanda. "Pode voltar a acontecer. Mas estamos convencidos que há condições de controlar essa situação. Houve disparos para o ar, para contenção da evolução que eles queriam fazer, mas não passou disso", frisou.