Luanda - O Semanário Angolense deu a palavra a Dinho Chingunji para que ele mesmo explique as suas razões. Na entrevista ele aponta um ror de problemas que determinaram o fim da sua relação com o «Galo Negro» e chega mesmo a fazer uma profusão de elogios ao MPLA, mas em nenhum momento assume qualquer vínculo com o partido no poder.

 

Dinho Chingunji para uma «Nova UNITA»

 

ImageVamos começar pelo fim da sua relação com a UNITA. Resolveu abandonar o partido mesmo no dia anterior ao descalabro eleitoral para as legislativas de 2008. Soou estranha esta decisão.
A minha decisão decorre da forma como foi excluída a minha candidatura à presidência do partido no último congresso, o décimo. Em 2003, concorri e fui derrotado. Aceitei a derrota com espírito democrático, a democracia que está na base da minha forma de estar, da minha educação. Em 2007, para o X congresso, fui ter com o presidente Samakuva e anunciei-lhe a minha vontade de voltar a disputar o lugar de presidente do partido.
Achava que tinha ideias válidas para a vida do partido e para os angolanos que deveria submeter ao crivo dos delegados. Samakuva disse-me que entendia e não pôs qualquer objecção. No final do IX congresso havia prometido voltar a candidatar-me, queria também contribuir para o debate interno no partido.

Então, o que foi que correu mal?
Alguns dias depois da conversa partido, recebi um convite, para uma conversa, da parte do secretário geral Mário Vatuva em que, na presença de outros elementos da direcção, me pediu que retirasse a minha candidatura.  Estavam lá os mais velhos Chiwale, Chassanha e o próprio Samakuva.
Os argumentos eram os de que seria humilhado publicamente; que era jovem e que teria tempo de progressão; que a UNITA precisava de candidatos consequentes e que eu era jovem e era militante da TRD (Tendência de Reflexão Democrática).
Argumentei que tinha sido fundador do Fórum Democrático Angolano (FDA) e que, com outros camaradas, tínhamos fundado o Fórum para reclamar contra a violação dos direitos humanos na UNITA. Eu nem tinha levantado este assunto, mataram a minha família, mas eu tinha ultrapassado isso. Foram eles que levantaram o assunto.  Por ter sido vítima estava a s e r excluído terem utilizado esse episódio.
Antes tinham sido as manobras: ora não tinha pago as quotas, o que fiz de seguida, e paguei até Dezembro, ora não tinha cartão do partido, coisa de que estava à espera havia anos, ora Não tinha prova de militância activa.
Para fazer chegar o processo de candidatura, por exemplo, foi uma correria tão grande que, quando chegamos ao Dr. Justino Pinto de Andrade, descobrimos que nos tinham retirado a fotocópia do BI. Resolvemo-lo na hora. Até que, dias depois, começa a Correr a idéia de que no Tribunal Supremo eu estava inscrito como membro de um outro partido.
Isto numa altura em que o Fórum já nem existia. Mesmo assim garantiram-me por várias vezes que a minha candidatura não seria retirada, mas acabaram por retirá-la numa altura em que eu nem estava em Angola.  Naquele dia, antes de partir, telefonei à sede e disseram-me que estava tudo bem. Uma das pessoas com quem falei foi o próprio Alcides Sakala. Quando cheguei à África do Sul recebi a notícia da não-aceitação.

Fez me lembrar o tempo da Jamba: quando te dissessem que estava tudo bem era sinal de que a noite teiriam buscar.  Veja que em 2003 fui candidato à presidência do partido sem problemas, em 2007 deixei de estar conforme por causa de um assunto do passado a que tinha sido forçado quando estavam a matar toda a minha família e outras pessoas.
Para eles, o bom candidato era alguém que tivesse sido fiel à UNITA durante todo o Tempo, com as coisas boas e as coisas más que aconteceram e que tivesse concordado sempre com a direcção. Eu nunca poderia concordar com as coisas más.
Naquela altura tomei a decisão de me retirar da UNITA, o partido que não me queria. Quando voltei Só o não fiz porque se dizia que estragaria o congresso e porque membros do Governo aconselharam- me a não dar a idéia de instabilidade no Governo. Aconselharam-me a manter-me até ao fim do GURN (Governo de Unidade e Reconciliação nacional) para dar continuidade ao Trabalho que estava a fazer.

Está a romper com a UNITA ou com a direcção de Isaías Samakuva?
Foram eles que me bloquearam em nome do partido.  Foram pessoas que tomam decisões diárias da vida do partido. Ou sou bem vindo no partido, ou não sou. Em 2003, depois do congresso, apesar das promessas de reunificação e acomodação das alas, fiquei largo tempo sem qualquer cargo no partido. Sei que renunciei, mais à frente, à função ligada aos arquivos e história do partido.
Eu sou um jovem dinâmico, queria contribuir de outra forma. Fiquei largo tempo sem nada para fazer em termos partidários. Quando voltei à UNITA foi a convite de Manuvakola, pelo meu passado e pelo peso da Minha família. Quando acabou a guerra falei com o general Gato, também ele me acolheu e disse que o meu contributo era necessário, que teríamos de nos unir todos, com os passados e importância de cada um.

Mas a UNITA de Samakuva acomodou-o no Governo, deu-lhe uma função, acção...
Foi por minha iniciativa. Fui ter com o presidente e, sabendo que se estava a preparar propostas para o GURN, pedi-lhe que apontasse o meu nome. Ele pediu-me os documentos necessários e recomendou que lhos entregasse em mãos. Suponho que algumas pessoas na direcção não o souberam, ou teriam feito tudo para chumbar o meu nome.

Neste caso Samakuva não foi mau para si. Foi seu adversário no congresso, mas Mesmo assim pô-lo num bom cargo, no Governo, em nome da UNITA.
Foi por proposta minha. Se não tivesse falado com ele eu não teria sido nomeado. Obviamente que agradeço-lhe a coragem de ter aceite a minha iniciativa.  Foi quase um pacto secreto.

Então o problema não é com Samakuva, é com a UNITA.
O problema é com o aparelho do partido

 

A autofagia é uma prática que penaliza a UNITA
Dinho Chingunji viveu na carne os efeitos de um processo de «canibalização» que vitimou os membros da sua família, entre os quais Tito Chingunji, seu tio e antigo representante Da UNITA nos Estados Unidos, um prometedor dirigente que despontava na organização. Por isso, ele não tem dúvidas: a autofagia é uma prática que penaliza tremendamente a UNITA. Apesar das dores, nesta entrevista, Dinho Chingunji assegura que esse não foi o factor determinante na sua decisão de bater com a porta.  Sai para fazer muitas outras coisas, sem descurar a possibilidade de criar uma terceira via.

Uma questão se torna obrigatória nesse momento. O senhor, depois de tudo isso, depois de ter conhecido e sofrido a história da UNITA, depois de ter sido ministro pela UNITA no GURN, só agora se lembra destas dores?
 Ninguém me pode acusar de ter levantado essas dores. Em 2003 concorri sem problemas. Agora questionaram a minha pertença à UNITA. Eu concorri justamente para mostrar que na UNITA há gente boa e competente.
Mas, para eles, eu não sou um «bom UNITA» porque não pactuo com certas práticas. Quando comecei a saber das coisas não conheci nada que não fosse a UNITA. Lembro-me de certo dia em que o primo do meu pai, o tio Sabino Sandele, levava-me numa motorizada e um polícia colonial interpelou-nos.
O polícia fez perguntas a meu respeito, já que o meu tio era mestiço. Perguntou sobre o meu pai e eu respondi que ele estava nas matas a matar tugas. Criei um grande problema ao meu tio. Eu cresci na UNITA, assisti a reuniões dos mais velhos e ajudei a passar documentos.  Em 1979, o meu pai foi morto a paulada e aí começo use a estragar tudo.
Eu quis recuperar a inocência inicial da UNITA, quando era um partido de gente boa, comprometida apenas com Angola. Chegou-se a uma altura em que ser um general brilhante Ou ser um intelectual brilhante era crime na UNITA. Eu queria recuperar as coisas boas da UNITA, mas fui ostracizado. Como se admite que um partido que tinha bilhões de dólares seja derrotado?

Se ao encontrar resistências às suas idéias o senhor sai, se toda a gente agir assim não Se irá fragmentar o partido, ou mesmo extingui-lo? 
Há que discutir as coisas. Há que criar o ambiente necessário. Eu decidi sair quando me travaram no congresso, injustamente.

Há quem ache estranho o timing que escolheu para anunciar a sua adesão ao MPLA... 

O timing faço-o eu. Geri a data para acautelar conotações e especulações. Seja como for, estou habituado. Quando em Londres me levantei contra a direcção da UNITA, fui ameaçado e acusado de estar a ser manipulado pelo MPLA. Vou fazer outras coisas.  SA – Está mais próximo do MPLA ou de uma UNITA transfi - gurada?
Quero bater-me pelas minhas ideias. Quero ter uma maior intervenção social. Quero pisar os Caminhos do meu avô que dizia que a melhor arma é o livro. Há que criar sindicatos, fundações, etc., mas sempre com visão nacional e não partidária.

Para isso pode precisar de um partido.
Tenho quatro anos para pensar nisso.

Vai criar uma terceira via?
É por aí.
Estavam convencidos que as eleições só seriam em 2010

UNITA foi apanhada em contra-pé «A UNITA não se preparou convenientemente para as eleições, até porque havia gente que acreditava piamente que as eleições seriam realizadas apenas em 2010, para que o governo capitalizasse com a realização do CAN» garante Dinho Chingunji

O que provocou a derrota da UNITA foi a sua postura mais arcaica?
Eu escrevi, nos Estados Unidos, que se depois da derrota militar a UNITA não discutisse profundamente os seus problemas internos iria perder as eleições. Foi a UNITA quem projectou o MPLA. Ao longo da sua história, a UNITA fez-se sempre passar por vítima, ou dos americanos, ou dos Soviéticos, ou das Nações Unidas, etc. Falou tanto das maldades do MPLA que este aproveitou a projecção que a UNITA lhe dava e seduziu as pessoas.
Esta coisa de remexer o passado para travar as pessoas é que derrotou a UNITA, um partido que não está a conquistar a sociedade. A UNITA fechou-se nas suas próprias intrigas. Não seduziu a sociedade urbana. Para as gentes da UNITA, ser visto a conversar com alguém que não seja do partido é traição. A prática interna da UNITA não está a dar. São sempre os mais velhos a ter a última palavra. Como pode ganhar um partido que sofre tal sangria de quadros?
Saiu o Nzau Puna, o Tony Feranandes, saiu tanta gente e não se aprende. A UNITA, que não é um partido qualquer, perdeu agora as eleições porque muita gente que lhe é afecta nem votou nela. Desperdiçou quadros e ficou com gwente que em condições normais não teria a máquina do partido em mãos. Gente que se guia pela cartilha e não entende o mundo. Como perder eleições face a um partido que governa há 33 anos e que deveria estar mais que desgastado? O povo queria mudar, mas a UNITA não foi a alternativa.

No Zimbabwe, com toda a violência de Robert Mugabe e todas as manobras, o MDC (Movimento de Mudança Democracia) ganhou, porque o povo entendeu que aí estava a mudança efectiva, uma alternativa. Na UNITA julgou-se que ouvindo as conversas nos candongueiros, em que se mostrava a insatisfação com o Governo, estava tudo ganho. A UNITA não se preparou convenientemente para as eleições, até porque havia seriam realizadas apenas em 2010, para que o governo capitalizasse com a realização do CAN.

Mesmo depois do registo eleitoral e da convocação do Conselho da República, houve gente que insistia que o MPLA não queria ir a votos. A UNITA queria eleições mas não se preparou para elas. A UNITA é um partido histórico que deveria arrastar a sociedade civil e não estar a reboque desta.
Para ser alternativa a UNITA tem de aprender com o MPLA, o único partido comunista que se agüentou numa atmosfera democrática depois da queda do bloco soviético.
O MPLA está a muda com o tempo. Tem estado sempre à frente. A UNITA tem de estudar bem o MPLA, tem de se perguntar como consegue? A UNITA fala em democracia mas na realidade quem se tem renovado é o MPLA, com um gestor que garante os equilíbrios.

Quando a UNITA tiver entendido o MPLA aí encontrará o seu próprio equilíbrio e a sua força. Dou um exemplo: enquanto a UNITA sonhava com o voto garantido no Huambo e no Bié, o MPLA foi lá, falou com os sobas, com a população e construiu alguma coisa que lhe permitiu a vitória. Esta derrota mostrou a carência de quadros da UNITA, faltam quadros com dom de liderança. Hoje a UNITA compete com o PRS.
Não se conseguiu trazer de volta nomes como Nzau Puna, Tony Fernandes e ainda afastou-se figuras como Jorge Valentim. Estas figuras de grande intervenção e capacidade políticas passaram de bons a diabos em 24 horas. Quando o MPLA, o principal adversário, vai buscar quadros de valor acrescentado às universidades e à UNITA, a UNITA vai buscar gente frustrada de outros partidos.

A receita de Dinho Chingunji para uma «Nova UNITA»
Para Dinho Chingunji, antes de se preocupar com um programa político de governação, a prioridade da UNITA deveria ser a resolução dos problemas sociais das próprias pessoas que a organização controlava e que estão hoje na rua da amargura. O entrevistado do Semanário Angolense diz mesmo haver entre elas gente com graves perturbações sociais e de saúde. É por aí que a UNITA deveria atacar. Como fazer isso? Dinho Chingunji dá a receita.
E como faria isso?
 Eu tinha um programa que implicaria um apertar de cintos mas que traria frutos. Seria necessário apostar na criação de cooperativas, agrícolas para apoiar os milhares de membros do partido no campo. Seria necessário incentivar a criação de empresas para apoiar membros do partido e para financiar as suas estruturas, capacitando as para estar junto da sociedade. Os projectos sociais poderiam contar com apoios do Estado e da comunidade internacional. Quando expus estas ideias, disseram que eu era populista.
Mas há que lembrar que nesta sociedade há sítios em que não se abrem as portas a pessoas da UNITA. Ainda existe um certo estigma. Eu mesmo, depois de estar no Governo, ainda há gente, mesmo no governo, que é capaz de passar sem me cumprimentar só por ser da UNITA. Há que apoiar as gentes da UNITA a afirmarem se socialmente. O abandono está a levar gente a morrer de problemas do coração.

Estas são as minhas preocupações. Apesar de tudo, acho que a UNITA ainda t e m algum patrimônio que deveria ser bem utilizado.
Mas para fazer isso é necessário que a UNITA ultrapasse certas coisas para criar melhor ambiente na organização e abertura de espírito. Eu, por exemplo, ultrapassei o facto de a minha família ter sido morta. Não precisei de psicoterapia. Há gente nos Estados Unidos que ainda pergunta como sou capaz. Os meus sentidos são abertos.

Com estas idéias a favor de uma nova UNITA, como reagiria se os militantes o quisessem de volta? Se criar uma vaga de fundo?
O meu coração não está aí. Olhe que fiz um jogo perigoso: abracei a UNITA e afinal eles não me queriam lá.

E como vê o futuro imediato da UNITA? 
Deixe que diga que, por mim, com esta derrota eleitoral, se deveria criar, de imediato, uma comissão de gestão do partido até ao próximo congresso extraordinário. É necessário repensar a vida interna e não fazer caça às bruxas. UNITA só há uma. Não se pode fazer como se fez comigo, em que tive problemas por não participar nas actividades comemorativas do aniversário de Jonas Savimbi.
Eu nunca poderia fazêlo. Fui às actividades para as quais o partido me convidou. Não sou futurologista, mas esta foi a melhor oportunidade, na sua história, que a UNITA teve para governar o país. Estamos numa altura em que o povo está mais maduro, há um ambiente democrático favorável e um Governo bastante desgastado. Porém, a UNITA não conseguiu gerir esta oportunidade.

Não sei como será o futuro, mas que tem de entender melhor o povo e melhorar a comunicação com ele isso é crucial, para a UNITA ressurgir desta derrota.

E da sua participação no GURN, acha que a UNITA tirou proveito algum?
 Não. O GURN foi sempre visto pela UNITA como algo do MPLA e por isso deveria haver cuidado com os seus membros. Apenas a Dra. Clarisse e o general Chilingutila tinham boa aceitação na estrutura do partido. A determinada altura surgiu a idéia de se criar, no partido, uma comissão dos Membros do GURN. Só que a coordenação estaria a cargo do general Chilingutila.
Eu discordei porque não concordava que um vice-ministro fosse coordenar uma comissão que integrava ministros.  Por outro lado, a UNITA não reclamou os direitos de autoria das realizações dos seus membros no GURN.
Como desperdiçar as realizações no campo da saúde? O MPLA reivindicou-as sozinho quando o ministro era da UNITA. O MPLA foi mais inteligente.

O seu relacionamento com a direcção do seu partido não foi o melhor. E com a direcção do Governo como foi? 
O Presidente da República teve sempre uma grande postura de Estado. Julgo que cumpri o meu papel no ministério e sempre que foi necessário uma consulta ao Chefe de Estado submeti os meus assuntos e aguardei pela resposta. Admiro-o pelo que tem feito por Angola e pela forma como domina os dossiers. Não é nada da imagem que a UNITA tem de José Eduardo dos Santos. Veja-se o abraço à oposição militar depois da guerra. Foi um grande exemplo ao mundo. A nossa educação cristã ensinou-nos a amar toda a gente.

Sei que há no Governo quem me olhe com complexos, que nem me cumprimentam. Compreendo, pelo nosso passado de guerra. Mas o Presidente tem sabido ultrapassar tudo isso e unir as pessoas, tendo em vista o interesse nacional. Olhe que nem nos Estados Unidos e nem na Inglaterra vi alguma vez uma campanha como a nossa. Os postes tinham duas ou três bandeiras, os Cartazes intercalavam-se.
O povo entendeu a mensagem do Presidente. É o presidente que tem permitido a força e o equilíbrio do MPLA. Sem ele o MPLA já teria descambado há muito tempo, como todos os partidos comunistas do mundo que optaram pela democracia.


Fonte: Semanário Angolense