Luanda -  O senhor almirante Mendes de Carvalho “Miau” explicou em quatro páginas compactas do jornal “Folha 8” por que razão pediu a passagem à reserva e se fez ao mar alteroso da política. Confesso que quando acabei de ler a explicação estava zonzo e com nós cegos nos miolos. Quando julgava que tinha apanhado a linha de pensamento do “número dois” de Abel Chivukuvuku, ele fintava-me e afirmava exactamente o contrário do que eu pensava que tinha percebido.


Fonte: Jornal de Angola


Uma coisa, percebi bem. Um homem que se formou à custa do Estado, que esteve dez anos no estrangeiro vivendo dos dinheiros do Estado, que lhe veio do erário público tudo o que tem e é, agora diz que “apoio incondicionalmente o presidente Chivukuvuku”.


Faço uma retrospectiva dos últimos 20 anos e do líder da CASA só me vem à memória aquela frase, proferida no Huambo, no rescaldo das eleições de 1992 e que reproduzo na íntegra: “se publicarem os resultados eleitorais nós reduzimos Angola a pó”. Nada mais recordo do antigo dirigente da UNITA e delfim de Savimbi.


Nesta altura o almirante Miau era militar das inauguradas FAA. O seu comandante em chefe era José Eduardo dos Santos. Tal como era o Presidente da República e o candidato presidencial do MPLA às eleições de 1992, partido ao qual presidia.


Proclamados os resultados, José Eduardo dos Santos registou uma vitória em toda a linha. Presumo que o almirante Miau exultou com estes resultados. Mas a ameaça de Chivukuvuku cumpriu-se. E além de ter reduzido grande parte de Angola a pó, ele ainda protagonizou uma tentativa de tomada de poder pela força, com Jeremias Chitunda, Salupeto Pena e outros altos dirigentes da UNITA que estavam em Luanda para cumprir essa parte do plano do guru de Savimbi, o sul-africano Sean Cldeary: “se ganharmos as eleições, tudo bem. Se perdermos, dizemos que houve fraude e tomamos o poder pela força.”


O almirante Miau deve saber do resto. O povo de Luanda resistiu heroicamente aos golpistas e estes, quando se sentiram perdidos, tentaram fugir a ferro e fogo, atravessando o Sambizanga pela estrada que liga ao Cacuaco. Chivukuvuku foi apanhado e salvo de um linchamento popular, mas ficou gravemente ferido. Os médicos do Hospital Militar salvaram-lhe a vida. Nunca foi capaz de agradecer aos seus salvadores nem sequer de pedir perdão aos angolanos pela aventura golpista em que se meteu.


Este homem é hoje o presidente do almirante Miau. E ao juntar-se ao seu projecto político, diz o jornal onde explica em quatro páginas a sua opção política, “rebentou as algemas e numa espécie de grito da liberdade, veio a terreiro partilhar o sabor do Ser Livre, e um dos dividendos de um Homem há anos descontente que transformou o descontentamento em revolta”.


Na Marinha de Guerra, sua excelência era um prisioneiro. Estava acorrentado ao MPLA. Só podia mesmo revoltar-se. Foi ter com Abel Chivukuvuku e disse-lhe que o dirigente da UNITA era presidenciável. Mas ele, timidamente, disse que não. O almirante Miau insistiu. E Chivukuvuku condescendeu: “então meu mano, se eu vou avançar, porque não avançamos já os dois? E eu disse, não sou militar”. É assim mesmo, nada de misturar um militar no activo, com política.


Mas o mesmo almirante Miau diz que apresentou, em nome individual, um projecto de Constituição da República para ser discutido com os projectos dos partidos. Isso é pura política! É um político a querer ser igual a um partido com muitos políticos. Mas se o senhor almirante não vê nenhuma contradição nisto, o defeito é meu e assumo que sou um grande burro.


Toda a sua intervenção está cheia de contradições insanáveis. Mas daí não vem mal ao mundo. Mas me parece que pode dar para o torto ao próprio e à casa. Um homem que precisou de quase 40 anos para perceber que era prisioneiro e estava acorrentado ao partido e ao regime que lhe deu tudo o que tem, é capaz de estar um pouco confuso para exercer um cargo político. Os eleitores podem dar por isso e os dois manos salvadores da pátria ainda ficam a ver navios.