Luanda - Quanto às formas do exercício do poder, Angola é tirania ou democracia? É nosso objectivo, analisar o modo de estruturação e de exercício do poder político, de molde a determinar quem é considerado titular dele e quais os órgãos estabelecidos para o seu exercício tendo como ponto de partida, as características gerais e específicas da actual constituição e, as relações que se estabelecem entre governantes e governados.

Fonte: Club-k.net

A nossa hipótese de trabalho, é de que Angola é tirania, diferente de regime de democracia representativa e participativa.


A presente análise da situação sociopolítica, económica, cultural e diplomática do estado angolano, é resumida neste artigo de opinião com base em diversas perspectivas: a filosófica, a da ciência política, a da sociologia, a jurídica, a das ciências administrativas. Obviamente, também a visão antropológica, histórica e a Psicológica como alternativas metodológicas.


O tema em discussão tem interesse sobretudo por permitir a determinação de categorias do exercício do poder e ser relevante para clarificar o sistema de governo no nosso país se autocrático ou democrático.


A motivação para a presente reflexão, parte das constantes e sistemáticas violações à lei, consubstanciadas na onda de repressão, torturas, raptos, desaparecimentos de cidadãos, desgovernação do país, desvios do erário público, corrupção institucional enfim, as constantes violações dos direitos humanos.

O que caracteriza uma tirania?


Segundo Aristóteles e Platão, "a marca da tirania é a ilegalidade", ou seja, "a violação das leis e regras pré-estipuladas pela quebra da legitimidade do poder" por si já determina a tirania. Uma vez no comando, "… o tirano revoga a legislação em vigor, sobrepondo-a com regras estabelecidas de acordo com as conveniências para a sua perpetuação deste poder.

Segundo o Dicionário WIKPÉDIA, “a tirania é caracterizada pelas ameaças às liberdades individuais e colectivas”. A moderna tirania é representada por políticos que não tendo mais o poder de matar ou mesmo prender o opositor, preferem usar métodos substituindo como processos judiciais por calúnia e difamação, compra da imprensa e dos órgãos de informação.

Outrossim, o comportamento tirânico de um político muitas vezes pode ser visto pelas altas verbas gastas em publicidade governamental, tanto nos níveis municipais, provinciais quanto nacional.

Quais são os princípios estruturantes da Constituição de Angola?
Relativamente aos princípios fundamentais consagrados na Constituição da República de Angola, vulgo C.R.A, e só para citar alguns, eis o teor dos artigos, 1º,2º e 3º.

Artigo 1º


“Angola é uma República soberana e independente, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade do povo angolano, que tem como objectivo fundamental a construção de uma sociedade livre, justa, democrática, solidária, de paz, igualdade e progresso social.

Artigo 2º

Estado democrático de direito

1. A República de Angola é um Estado democrático de direito que tem como fundamentos a soberania popular, o primado da Constituição e da lei, a separação de poderes e interdependência de funções, a unidade nacional, o pluralismo de expressão e de organização política e a democracia representativa e participativa.


2. A República de Angola, promove e defende os direitos e liberdades fundamentais do homem, quer como indivíduo quer como membro de grupos sociais organizados, e assegura o respeito e a garantia da sua efectivação pelos poderes legislativos, executivos e judicial, seus órgãos e instituições, bem como por todas as pessoas singulares e colectivas.
Ora, à luz da ciência política o regime da democracia participativa ou democracia representativa é um regime onde se pretende que existam efectivos mecanismos de controlo da sociedade civil sob a administração pública; a democracia não se reduz apenas ao papel de voto, mas estende-se também para a esfera social.


A democracia participativa é considerada um modelo ou ideal de justificação do exercício do poder político pautado no debate público entre cidadãos livres e em condições iguais de participação. Advoga que a legitimidade das decisões políticas advém de processos de discussão que, orientados pelos princípios da inclusão, do pluralismo, da igualdade participativa, da autonomia e da justiça social, conferem um reordenamento na lógica de poder político tradicional.

A democracia tem regras?

Na teoria política contemporânea prevalecente nos países de tradição democrático-liberal as regras do jogo democrático são:


1) O órgão político máximo, a quem é conferida a função de legislar deve ser composto de membros directa ou indirectamente eleitos pelo povo, em eleições de primeiro ou segundo grau;


2) Junto do supremo órgão legislativo deverá haver outras instituições com dirigentes eleitos, como os órgãos da administração local ou o chefe de Estado (tal como acontece nas repúblicas);


3)Todos os cidadãos que tenham atingido a maioridade, sem distinção de raça, de religião, de censo, sexo etc. devem ser eleitores;


4) Todos os eleitores devem ter voto igual;


5) Todos os eleitores devem ser livres em votar segundo a sua própria opinião formada o mais livremente possível, isto é, numa disputa livre de partidos políticos que lutam pela formação de uma representação nacional;


6) Devem ser livres também no sentido em que devem ser postos em condição de ter reais alternativas (o que exclui como democrática qualquer eleição de lista única ou bloqueada);


7) Tanto para as eleições dos representantes como para as decisões do órgão político supremo vale o princípio da maioria numérica, se bem que podem ser estabelecidas várias formas de maioria segundo critérios de oportunidade não definidos de uma vez para sempre;


8) Nenhuma decisão tomada por maioria deve limitar os dirigentes da minoria, de modo especial o direito de tornar-se maioria, em paridade de condições;


9) O órgão Governo, deve gozar de confiança do Parlamento ou do chefe do poder executivo, por sua vez, também eleito pelo povo.

Entretanto, SCHUMPTER, Joseph (1984), “Capitalismo, Socialismo e Democracia), aponta algumas condições para favorecer o êxito do método democrático nas grandes nações industriais. A primeira condição consiste no de alta qualidade. Isto implica a disponibilidade de um bom e qualificado número de dirigentes partidários, pessoas eleitas para o parlamento e chefe do executivo. O autor afirma que a única garantia efectiva de obter políticos de qualidade está na existência de estrato social já ligado a política como actividade por vocação (p.361-362). A segunda condição para o sucesso da democracia é limitar o alcance efectivo da decisão política, pois caso o governo tenha o direito de tratar de todas as questões concernentes à sociedade, corre-se o sério risco de produzir “aberrações legislativas” (p.363). A terceira condição mencionada por SCHUMPTER é dispor dos serviços de uma burocracia bem treinada, de boa posição social, de tradição e dotada de forte senso de dever (p.365). A quarta condição é o “autocontrolo democrático”: o método democrático só pode funcionar adequadamente se todos os  grupos importantes da sociedade estiverem dispostos a aceitar as medidas governamentais pautadas nas leis. Eleitores e parlamentares não devem tomar uma postura intransigente de oposição a toda e qualquer medida vinda do governo. Por fim, é apontado a necessidade de uma “dose de tolerância” por parte dos protagonistas políticos (p.366-367).


Em síntese, SCHUMPTER compreende a democracia como um regime no qual o povo tem a oportunidade de aceitar ou recusar as pessoas designadas para governar – estes devem ser escolhidos mediante o maior apoio junto do eleitorado.


Para LUCHMANN (2012) “A democracia participativa constitui-se como um modelo ou processo de deliberação política caracterizado por um conjunto de pressupostos teórico-normativos que incorporam a participação da sociedade civil na regulação da vida colectiva. Trata-se de um conceito que está fundamentalmente ancorado na ideia de que a legitimidade das decisões e acções políticas deriva da deliberação pública de colectividades de cidadãos livres e iguais. Constitui-se, portanto, em uma alternativa crítica às teorias "realistas" da democracia que, a exemplo do "elitismo democrático", enfatizam o carácter privado e instrumental da política.”


Em Angola, o poder político assente na tirania é a todos os títulos contrário ao regime da democracia.


Segundo CAETANO, Marcelo (2003, p.350) “Manual de Ciência Política Constitucional”, Poder político é “a faculdade possuída por um povo de, por autoridade própria (não recebida de outro poder), instituir órgãos que exerçam o senhorio de um território e nele criem e imponham normas jurídicas, dispondo dos necessários meios de coacção”.
Na prática como essa faculdade se assume?


É pelo exercício dessa faculdade, reveladora de uma autoridade, que o Poder político toma forma política numa organização tendente a certos fins. Forma política será, pois, o modo como em cada sociedade política se estrutura e se exerce o poder político (CAETANO, Op. Cit).


Ante tamanhã e sistemática violação a lei, podemos afirmar que em Angola o autoritarismo e o método da tirania são consequências da anarquia organizada e não da democracia?


J. C. Thoening, citado por BAUDOUIM, Jean (200, p.298) “Introdução a Sociologia Política” sobre o conceito de «anarquia organizada» afirma o seguinte: “As decisões são tomadas sem que ninguém verdadeiramente dê conta. (…) Existe um número apreciável de situações em que as «escolhas» parecem ser efectuadas e as políticas produzidas sem que seja possível imputá-las claramente a decisões-fonte (…) no processo de fabricação de uma política pública.”


O Professor MOREIRA, Adriano (2009) “ Ciência Política” sobre o assunto da democracia afirma o seguinte: “ O ponto em questão seria a fonte de divergências doutrinais e pragmáticas (…). “ Com efeito, num trabalho intitulado Democracy, Ideology and Objectivity (Oslo University Press, 1956) são apresentadas centenas de definições de democracia, tecendo grandes variações sobre o significado do binómio demo-kratia e de cada um dos seus termos. Que homens são admitidos à dignidade de povo e que a faculdades integram o poder, são questões em aberto. Se é apenas uma forma de governo ou também uma maneira de viver, é uma interrogação à qual procuram dar respostas uma série de construções ideológicas, todas em competição viva, e alternando os métodos da dialéctica socrática com a resistência passiva e a violência efectiva para se afirmarem.


Péricles no seu discurso O PODER DA MAIORIA FLUTUANTE, afirma que só o regime da democracia, assegura a alternativa de governar e ser governado.


Em regime de democracia representativa e participativa, o princípio da Isonomia – a lei igual é para todos- assegura instrumentalmente o respeito por esse valor fundamental da obediência pelo consentimento.


Em Angola, porque o detentor do poder executivo não tem o menor temor de infringir as leis da república que asseguram a igualdade nos negócios privados, e o acesso pelo mérito aos cargos do Estado sem dependência da condição social ou da fortuna?


Porque em Angola, se restringem o exercício dos direitos e liberdades, fazendo valer os interesses gerais com forte acento de autoridade?


Em nossa opinião, são consequências das fórmulas autoritárias de acentuado intervencionismo estadual geradoras de grandes preocupações sociais.


O Professor CAETANO, Marcelo (op. cit), relativamente ao regime autoritário afirma o seguinte: “O regime totalitário pode vir desde o extremo despotismo em que tudo, pessoas e coisas, está ao serviço do Todo, não se admitindo nem a iniciativa individual nem a propriedade privada de bens de produção ou de consumo (socialismo revolucionário ou comunismo), até fórmulas que transijam com o exercício de alguns direitos individuais e a posse de alguma liberdade civil e económica: são estas as fórmulas de totalitarismo atenuado ou quase-totalitário.”


Como se vê todas estas regras estabelecem como se deve chegar à decisão política e não o que decidir. Do ponto de vista do que decidir, o conjunto de regras do jogo democrático não estabelece nada, salvo a exclusão das decisões que de qualquer modo contribuam para tornar vãs as regras de jogo democrático. Além disso, como para todas as regras do jogo democrático se deve ter em conta a possível diferença entre a enunciação do conteúdo e o modo como são aplicadas.

Durante os 37 anos de poder totalitário e autoritário, Angola não conheceu nem a liberdade de autonomia nem igualdade de direitos, deveres, nem respeito a lei.

Do acima exposto, pode afirmar-se que somente que um regime que não observa nenhuma regra democrática, não é certamente um regime democrático.

Em Angola, desde final do século XX até aos nossos dias, que os cidadãos são violentandos, dominados, oprimidos e negados os seus direitos fundamentais, e até, desrespeitada a lei, discriminando os cidadãos e hierarquizando populações (os sulanos, os do leste, os bailundos, os do mato etc.).

Por tudo que é prática governativa, Angola e os angolanos estão efectivamente sob regime totalitário, assente no método autoritário, e de tirania, que urge imediatamente mudar no dia 31 de Agosto de 2012.


*Docente universitário 
Presidente do Instituo de desenvolvimento e democracia I.D.D - Angola