Luanda  - A liberdade de expressão tem várias finalidades, como sejam por exemplo, “a procura da verdade, a garantia de um mercado livre das ideias (free marketplace of ideas), a participação no processo de autodeterminação democrática, a protecção da diversidade de opiniões, a estabilidade social e a transformação pacífica da sociedade e a expressão da personalidade individual.” (Iolanda A. S. Rodrigues de Brito, Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas, Coimbra Editora, 2010, p. 26 e Jónatas E. M. Machado, Liberdade de Expressão – Dimensões Constitucionais da Esfera Pública no Sistema Social, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2002, p. 237). Entre as funções da liberdade de expressão, Jónatas inclui “o controlo da actividade governativa e do exercício do poder, a protecção da esfera de discurso público e da opinião” (op., cit., p. 1130).


Fonte: Club-k.net


No quadro das liberdades, “[a] liberdade de expressão em sentido amplo (…) compreende vários direitos globalmente designados por liberdades da comunicação, onde se integram, nomeadamente, a liberdade de expressão em sentido estrito (denominada, por vezes, por liberdade de opinião), a liberdade de informação, a liberdade de imprensa, os direitos dos jornalistas, a liberdade de radiodifusão (incluindo os subdireitos que os preenchem) o direito de resposta, os direitos de antena, de resposta e réplica política, a liberdade de criação cultural e a liberdade de aprender e ensinar.” (Iolanda A. S. Rodrigues de Brito, Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas, Coimbra Editora, 2010, pp. 27-28).


Segundo Jónatas Machado, “[a] liberdade de expressão é um elemento estruturante da ordem democrática constitucional (…) Todas as formas de participação política democrática perdem o seu sentido útil se não existir liberdade de expressão” (pp. 259-261). E note-se que “[o] âmbito da liberdade de expressão deve ser interpretado de forma a proteger o maior número de condutas expressivas possível: ideias, opiniões pensamentos, convicções, críticas, juízos de valor sobre quaisquer questões (v.g. políticas, desportivas, económicas), independentemente do escopo (v.g. fins eleitorais, comerciais ou mesmo fúteis) e até do padrão valorativo (v.g. verdade, justiça, beleza, critério de racionalidade, emocional, cognitivo). Por outro lado, protege-se igualmente o meio utilizado para manifestar (v.g. palavra escrita ou falada, real ou virtual, imagem, gesto, caricatura, sátira, ironia), o que garante uma ampla tutela dos novos meios de expressão, nomeadamente dos «blogs» ou «protestos electrónicos».” (Iolanda A. S. Rodrigues de Brito, Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas, Coimbra Editora, 2010, pp. 32-33).


A Constituição de Angola acolhe a liberdade de expressão, no que à variedade de formas de expressão diz respeito, nos seguintes termos: “Todos têm o direito de exprimir, divulgar e compartilhar livremente os seus pensamentos, as suas ideias e opiniões, pela palavra, imagem ou qualquer outro meio […].” (art. 40.º/1 da CRA). E também a diversidade de expressão no que concerne ao seu conteúdo, na medida em que assegura o “pluralismo de expressão e organização política”(art. 2.º/1 da CRA). Mas a CRA também limita a liberdade de expressão nos seguintes termos: “A liberdade de expressão e de informação têm como limites os direitos de todos ao bom-nome, à honra e à reputação, à imagem e à reserva da intimidade da vida privada e familiar, a protecção da infância e da juventude, o segredo de Estado, o segredo de justiça, o segredo profissional e demais garantias daqueles direitos, nos termos regulados pela lei.” (art.40-º/3). Contudo, «[n]uma sociedade democrática, é imperiosa a garantia de uma “esfera de discurso público aberta e pluralista”, que assegure que os intervenientes nos debates de interesse público possam expressar livremente as suas ideias e opiniões, nomeadamente imputando factos verdadeiros e de interesse público ofensivos da honra de figuras públicas» (Iolanda A. S. Rodrigues de Brito, Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas, Coimbra Editora, 2010, pp. 151-152).


Atente-se, ainda, que, existe “[…] uma substancial redução da zona de incidência da difamação e da injúria de titulares de cargos políticos, pelo que a agravação só ocorrerá em situações de excepcional gravidade, que não quando da crítica legítima, mesmo que duríssima, da actuação dos titulares de cargos públicos, quando aquela é feita em nome de interesses legítimos […]”. Situação diferente ocorrerá“[…] nos casos em que as linhas amplas e generosas de demarcação da livre discussão e crítica tenham sido ultrapassadas de forma manifestamente abusiva e desproporcional, designadamente quando se esteja perante imputações difamatórias, injuriosas e caluniosas à margem de qualquer discussão séria de assuntos de interesse público” (Jónatas Machado, op., cit., p. 816). A este propósito é cristalino o entendimento que o legislador ordinário acolhe: “[h]avendo participação ou denúncia que se verifique ter sido feita com o conhecimento da falsidade dos factos participados com a intenção de comprometer ou de lesar a consideração e o bom-nome do denunciado ou, com negligência, o denunciante é punido com prisão de três a 18 meses e suspensão dos direitos políticos, sem prejuízo de indemnizar o denunciado pelos danos materiais, morais ou à imagem que haja provocado.” (art. 40.º da Lei da Probidade Pública/Lei n.º 3/10 de 29 de Março). Ficam assim excluídas da denúncia caluniosa as denúncias de factos verdadeiros ou factos sustentados em fortes indícios da prática de crimes por agentes públicos (titulares de cargos públicos, agentes e funcionários do Estado).

A democracia a que a CRA dá abrigo é, concomitantemente, a democracia representativa e a democracia participativa (art. 2.º/1 da CRA). E esta vai mais longe e impõe ao Estado a tarefa de “defender a democracia, assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos e da sociedade civil na resolução dos problemas nacionais” (art. 21.º/l da CRA). “A democracia define-se como um governo de opinião (government of opinion) ou um governo através da discussão (government by discussion), constituindo a liberdade de expressão uma conditio sine qua non do seu correcto funcionamento, sendo a medida da sua tutela jurídica efectiva um barómetro para aferir da sua saúde política e institucional.” (Jónatas, p. 261). “A Democracia é um sistema competitivo no qual líderes e organizações definem as políticas públicas alternativas de tal maneira que o público pode participar no processo de decisão.” (Adamany 1975:xvii). E nesse sistema político, o debate público assume, muitas vezes, orientação demolidora no que diz respeito à honra, ao bom-nome e à consideração dos agentes políticos e às instituições que estes representam sejam elas privadas ou públicas. Numa democracia “[…] a dignidade das instituições não pode assentar na sua subtracção à discussão e ao debate crítico, devendo a mesma surgir como uma grandeza discursivamente estruturada.” (Jónatas, p. 816). A ser ao contrário não seria possível, por exemplo, responsabilizar civilmente o Estado, na sua qualidade de pessoa colectiva de direito público, conforme o estabelece o n.º 1 do artigo 75.º da CRA, “por acções ou omissões praticadas pelos seus órgãos, respectivos titulares, agentes e funcionários, no exercício das funções legislativas, jurisdicional e administrativa, ou por causa delas, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para o titular destes ou para terceiros” (art. 75.º/1 da CRA).

Entre outros objectivos, a liberdade de expressão “tem como objectivo a detecção e a denúncia das patologias do exercício do poder, como sejam a prepotência, o arbítrio, a corrupção, o nepotismo, a ineptidão e a incompetência dos titulares de cargos públicos, actuais ou prospectivos, e de todos os actos por eles praticados que infrinjam normas jurídicas vigentes ou que lancem dúvidas importantes sobre o seu carácter ou a sua idoneidade moral […] A responsabilização pública dos titulares do poder político passa por uma ampla garantia do direito à liberdade de expressão, sendo certo que esta transcende largamente a esfera política, repercutindo-se noutros domínios da vida social.” (Jónatas, pp. 266-267). E preste-se bem atenção:“[…] o jornalista, que no exercício da liberdade de imprensa, em cumprimento do dever de informação e das leges artis, imputa factos convictamente verdadeiros ainda que desonrosos, mas de interesse público a uma figura pública, não pode ser equiparado ao detractor ou ao caluniador. O jornalista exerce uma profissão de enorme relevância pública, devendo realçar-se o papel primordial da liberdade de imprensa numa democracia.” (Iolanda A. S. Rodrigues de Brito, Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas, Coimbra Editora, 2010, pp. 330-331).

Um dos problemas com os quais a nação angolana se confronta é a má governação e a corrupção gangrenosa por parte de titulares de cargos públicos, agentes e funcionários do Estado, no quadro de vários direitos e bens igualmente protegidos pela Constituição. Não existe uma hierarquia entre os direitos, liberdades e garantias constitucionais ou, se quisermos, de maneira mais ampla, não existe uma hierarquia entre normas constitucionais (Ver, Jorge Bacelar Gouveia, Manual de Direito Constitucional, Almedina, Volume II, 2005, pp. 1086 e 1089; Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 2003, p. 1232). A Constituição protege de igual modo vários bens públicos, alguns dos quais tomam a forma de direitos, liberdades e garantias. A liberdade de expressão e o direito à honra, à reputação, ao bom-nome, à imagem e à reserva da vida privada são bens igualmente protegidos pela Constituição da República de Angola, no art. 40.º, e não existe uma hierarquia entre eles. Todavia, ao serem exercidos, os direitos liberdades e garantias podem conflituar, colidir uns com os outros; ou podem os direitos, liberdades e garantias colidir com outros bens igualmente protegidos pela Constituição (que não sejam direitos). Por exemplo, existe uma tensão entre a liberdade de expressão e o direito à honra e podem mesmo até acontecer colisões entre estes dois bens constitucionalmente protegidos; existe igualmente uma tensão podendo mesmo vir a acontecer uma colisão entre o direito de denúncia (art.73.º/ da CRA) e o direito à honra, ao bom-nome, à reputação, à imagem e à intimidade da vida privada; a responsabilidade civil e criminal dos titulares de cargos públicos, agentes e funcionários do Estado, a destituição do Presidente da República, perda do mandato de deputado, a demissão dos magistrados judiciais e do Ministério Público (arts. 75.º, 129.º,152.º/2-d/2.-e, 184.º/1-a, 179.º/2, 187.º/3 da CRA) estão em tensão ou podem vir a colidir com o direito ao bom-nome, à honra, à reputação, à imagem e à intimidade da vida privada daqueles servidores do Estado.

Nenhum direito ou liberdade constitucional é absoluto. (Ver Cristina M. M. Queiroz, Direitos Fundamentais (Teoria Geral), Coimbra Editora, Porto, 2002, p. 199; André Ramos Tavares, Curso de Direito Constitucional, 6.ª edição, São Paulo, Editora Saraiva, 2008, p.585; Kildare Gonçalves Carvalho, Direito Constitucional, 15.ª edição, Belo Horizonte, Del Rey Editora, 2009, p.717). É lapidar e feliz a afirmação de Jorge Miranda (2000) segundo a qual “nenhum direito e também nenhuma restrição podem ser encarados isoladamente, à margem dos restantes direitos e dos princípios institucionais que lhes subjazem” (Manual de Direito Constitucional Tomo IV, Direitos Fundamentais, Coimbra Editora, 3.ª edição, pp. 336-337). E num plano teórico inovador – do qual a obra recomendo aos estudiosos e operadores do direito – Virgílio Afonso da Silva (2010) afirma que “Todo o direito fundamental é […], restringível.” (Direito Fundamentais –conteúdo essencial, restrições e eficácia – São Paulo, Malheiros Editores, 2.ª edição, 2.º tiragem , p.253).

No quadro do entendimento de que os direitos não são absolutos, individualiza-se o conceito de colisão de direitos. Para José Melo Alexandrino (2011) “[c]onfigura-se uma situação de «colisão de direitos» quando, num caso concreto, a protecção jurídica emergente do direito fundamental de alguém colida com a de um direito fundamental de terceiro ou com a necessidade de proteger outros bens ou interesses constitucionais […] a resolução da colisão de direitos no caso concreto não cabe ao legislador, mas sim aos titulares dos direitos em presença, às entidades eventualmente chamadas a intervir e, em última instância, aos tribunais (não dispensando uma descida ao Mundo extra-jurídico.” (Direitos Fundamentais, Principia, Cascais[Lisboa] 2.ª edição, p. 126). Para essa tarefa os tribunais angolanos podem (devem) usar os critérios constitucionalmente positivados no artigo 57.º da CRA. Mas, atenção, no Estado democrático de direito (art. 2.º da CRA), nunca com as fórmulas usadas pelos esquadrões da morte que têm sido denunciados como fazendo parte da polícia nacional de Angola e de agentes dessa corporação que, também segundo denúncias públicas, se fazem passar por membros de milícias ao serviço de poderes privados, que se assumem como juízes e executantes de sentenças em processos de colisão do direito à honra com a liberdade de expressão política e o direito de denúncia fundada em factos verdadeiros!

Tanto a liberdade de expressão quanto o direito à honra podem sofrer restrições por decisão judicial, quando os juízes estiverem perante situações de colisão de direitos e bens igualmente protegidos pela Constituição (doutrinalmente ver o conceito de restrição usado por Virgílio Afonso da Silva no contexto de decisões judiciais). As tensões, conflitos colisões, entre bens constitucionalmente protegidos (por exemplo o bem liberdade de expressão e o bem honra) não se resolve de maneira abstracta ou apodíctica (Ver Jónatas Machado 2002, p. 745), quer dizer fora de casos particulares nos quais a colisão tem lugar.

Apresenta-se, em face do acima exposto, a questão de saber, no quadro do Estado democrático de direito, se a honra das figuras públicas, um direito constitucionalmente protegido pela ordem constitucional angolana, pode ser restringido pelos tribunais com base noutros direitos e interesses igualmente protegidos constitucionalmente. A resposta é que o direito à honra pode ser restringido pelos tribunais, tal como outros direitos, dependendo da situação concreta na qual entra em relação com outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, e da perfeita sintonia dessa restrição com os critérios estabelecidos pelo artigo 57.º/1 da CRA.

Doutrinalmente, defende-se que “[s]e há domínio em que a liberdade de expressão precisa de ser garantida é precisamente quando está em causa a divulgação informada de factos verdadeiros e de interesse público relacionados com figuras públicas. Pense-se no cidadão comum que denuncia publicamente a corrupção na política ou no fenómeno desportivo, o tráfico de influências, a gestão ruinosa, que assentando em factos verdadeiros, não deve consubstanciar uma conduta típica. Se os factos referidos a figuras públicas são verdadeiros e a sua divulgação é informada e de interesse público, então o tipo legal do bem jurídico honra (v.g. difamação) não pode deixar de sacudir do seu colo a conduta, até porque também não faz sentido colocar o cidadão em geral, no exercício da sua liberdade de expressão, permanentemente sob o espectro da pena de multa ou de prisão.” (Iolanda A. S. Rodrigues de Brito, Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas, Coimbra Editora, 2010, pp. 332-333). Esta doutrina é acolhida plenamente pela interpretação sistemática da Constituição da República de Angola de 2010. Como a seguir se tentará demonstrar.

Primeiro, todos os titulares de cargos públicos, agentes e funcionários do Estado, quando praticam actos em nome do Estado prosseguindo o interesse público, estão sujeitos à responsabilidade política pelo tribunal da opinião pública pelo qual as suas práticas são avaliadas. A democracia pressupõe a responsabilidade política dos poderes públicos perante os cidadãos. A democracia representativa significa que o soberano, o povo, os cidadãos, escolhem através de eleições os seus representantes e que estes são avaliados continuamente (nº 1 do art. 2.º; nº 1 do art. 3.º, n.º 1 do art. 4.º e 21.º/l da CRA), podendo perder o direito de continuar a exercer funções públicas. A democracia pode ser definida como um método de selecção, substituição e destituição pacífica dos governantes (Ver Gomes Canotilho 2003), existindo para o efeito várias meios constitucional e legalmente previstos, como sejam a eleição, os processos de destituição, de suspensão e exoneração de titulares de cargos públicos, agentes e funcionários do Estado.


Segundo, a construção da “sociedade livre, justa, democrática, solidária, de paz, igualdade e de progresso social.” (art. 1.º da CRA) é tarefa de todos os cidadãos, salvaguardadas as competências dos titulares de cargos públicos, agentes e funcionários do Estado. Essa participação é diversa quanto às matérias (conteúdos) e às formas de o fazer. Tanto assim é que os cidadãos têm mesmo o direito de fazer e apresentar “petições, denúncias, reclamações ou queixas, para a defesa dos seus direitos, da Constituição, das leis ou do interesse geral” (art. 73.º da CRA), que conduzam mesmo à responsabilização criminal dos titulares de cargos públicos, agentes e funcionários do Estado, “no exercício das funções legislativa, jurisdicional e administrativa” (art. 75.º da CRA), podendo mesmo o Presidente da República ser julgado pelo Tribunal Supremo pelos crimes de traição à pátria e espionagem, de suborno, peculato e corrupção, por crimes hediondos e violentos, e por crime de violação da Constituição (art. 129.º/1/2/3 da CRA). Os Deputados podem ser substituídos definitivamente, se forem condenados por crime doloso com pena de prisão superior a dois anos (art. 153.º/1-d da CRA). Os juízes e Magistrados do Ministério Público podem ser suspensos, reformados ou demitidos; e podem ser presos depois de culpa formada quando a infracção seja punível com pena de prisão superior a dois anos, excepto em caso de flagrante delito por crime doloso punível com a mesma pena (arts. 179.º/2/4 e 187.º/3 da CRA). É, pois, de interesse público e necessária a vigilância, a exposição e a crítica das acções dos titulares de cargos públicos, agentes e funcionários do Estado numa sociedade livre e democrática (artigo 57.º/1 da CRA) Note-se que o Estado enquanto pessoa jurídica distingue-se dos titulares de cargos públicos, agentes e funcionários públicos: no Estado constitucional democrático de direito não há lugar à sacralização nem à idolatria das instituições estatais nem tão pouco à sacralização nem à idolatria dos titulares de cargos públicos, agentes e funcionários do Estado. Nesta perspectiva, Jónatas Machado (2002), na esteira de Kevin William, afirma que “[…] para a defesa dos titulares dos cargos públicos não pode ser avançada uma qualquer concepção de honra pessoal de precedência quase medieval ou pré-moderna, assente numa compreensão hierarquizada e estamental da sociedade e na distinção qualitativa entre governantes (nobreza e clero) e governados, a partir da qual se pretenda colocar os primeiros num plano de relativa impermeabilidade à discussão pública […]” (op., cit., p816).

Terceiro, os cidadãos têm o direito de fazer denúncias “para a defesa dos seus direitos, da Constituição, das leis ou do interesse geral” (art. 73.º da CRA). A Constituição protege a probidade pública (honestidade pública) contra actos que a violem e que sejam da autoria de titulares de cargos públicos, agentes e funcionários do Estado, na medida em que o seu contrário, a corrupção, é punível criminalmente (art. 129.º/1-b e 75.º/2 da CRA). Note-se que em leis ordinárias, como sejam o Código Penal e a Lei da Probidade Pública, por exemplo, a corrupção está definida como crime.

A corrupção constitui matéria de interesse público porque desde logo a sua prática é reprovada pela Constituição, dando lugar, se provada em tribunal, à destituição do Presidente da República (art. 129.º/1-b e 75.º/2 da CRA). E concretizando a Constituição, uma lei ordinária, a Lei de Imprensa, diz que:“1. […] entende-se como sendo de interesse público a informação que tem os seguintes fins gerais: […] f) promover a boa governação e a administração correcta da coisa pública; […] 2. Entende-se igualmente como sendo de interesse público, de entre outras, as notícias e informações: a) relativas a crimes, contravenções penais e outras condutas anti-sociais” (art. 11.º). Como se pode constatar, a corrupção à luz do ordenamento jurídico angolano é matéria de interesse público: deve ser publicamente discutida e combatida, reprimida, a diversos níveis.

Quando se denunciam práticas ou imputam factos verdadeiros ou se fazem juízos de valor baseados em factos verdadeiros a figuras públicas, que são de interesse geral e público, necessários, proporcionais e razoáveis numa sociedade livre e democrática (art. 57.º/1 da CRA), a honra delas é atingida, mas a liberdade de expressão deve prevalecer. Por exemplo, fazer uma denúncia (art. 73.º da CRA) de uma prática (acto) do Presidente da República que está definida (tipificada) como crime, que seja verdadeira, atinge a sua honra, mas deve vingar a liberdade de expressão, porque esta, nesse caso concreto, concorre para a realização do Estado de direito (art. 2.º da CRA), que proíbe o abuso do poder (crime definido pelo art. 39.º da Lei da Probidade Pública/Lei n.º 3/10 de 29 de Março), o arbítrio do poder, a prepotência do poder e a desobediência ou desrespeito pela Constituição e pelas leis (art. 6.º da CRA). A corrupção praticada pelos titulares de cargos públicos constitui um desrespeito pela Constituição e pela lei. Numa sociedade na qual os titulares de cargos públicos, abusando das funções ou cargo, promovem o interesse próprio praticando a corrupção, deve haver lugar à denúncia (art. 73.º da CRA), através das várias formas de expressão (art.40.º/1 da CRA), por via da liberdade de imprensa, e seu respectivo combate pelos sistemas político e judiciário (art. 129.º/3/4/5 da CRA).

Parece, pois, defensável, respeitados os princípios enunciados no artigo 57.º/1 da CRA, que a compressão do direito à honra de figuras públicas, quando lhes sejam imputados factos verdadeiros ou a seu respeito emitidos juízos de valor fundados na verdade, se justifica perante vários bens e interesses constitucionalmente protegidos, como sejam, por exemplo: a defesa da probidade pública, bem contrário à corrupção, arts. 129.º e 75.º da CRA; a construção de uma sociedade justa (art. 1.º da CRA) e de igualdade (art. 23.º da CRA), contrária à promoção da distribuição de oportunidades e bens com base no nepotismo, filiação partidária, laços familiares, com violação do princípio da igualdade, art. 23.º da CRA; direito de participação na solução dos problemas nacionais, art. 21.º/l e 52.º da CRA; direito de denúncia, art. 73.º da CRA, para protecção do Estado democrático e do Estado de direito (art. 2.º da CRA); liberdade de expressão, art. 40.º da CRA.

Para a resolução do problema das colisões entre direitos ou restrições de direitos, em sede dos tribunais, devem ser usados os critérios constitucionalmente positivados. Segundo o ordenamento jurídico-constitucional angolano devem ser usados o princípio da necessidade, o princípio da proporcionalidade, o princípio da razoabilidade, o princípio da salvaguarda de outros direitos e o princípio da salvaguarda de interesses constitucionalmente protegidos (art. 57.º/1 da CRA). Esses princípios devem ser usados, nos casos concretos a resolver pelos tribunais, através da técnica da ponderação dos bens em causa, para ver qual deles nessa situação concreta deve prevalecer, se não for de todo possível preservar o máximo possível de cada um desses bens ao mesmo tempo, em função daqueles critérios constitucionalmente estabelecidos.

Em conclusão, a denúncia de factos verdadeiros e de interesse público sobrepõem-se ao direito à honra dos agentes públicos.