Luanda – Durante cerca de uma hora, conversamos sobre muita coisa relacionadas com a ciência de governação, dentre outras, os males que enfermam a cultura actual “retrógrada” de governar; a importância da alternância do poder para o crescimento e desenvolvimento do país e dos povos; o papel de um Estado verdadeiramente republicano; a necessidade de revisão da constituição; as relações internacionais; os engajamentos de contratos comerciais lícitos ou ilícitos e o comportamento a ter em conta pelo futuro governo, assim como as potencialidades da CASA-CE e a prontidão de Chivukuvuku a governar Angola, tudo no objectivo de aclarar possíveis zonas escuras achadas pelos cidadãos e observadores no quadro dos princípios estruturantes de governo da CASA-CE.

Fonte: Folha8
Félix Miranda*

Folha 8 - Abel Chivukuvuku, três meses depois do surgimento oficial da CASA, naquilo que vamos considerar grande entrevista, gostaria que nos descortinasse alguns pontos do projecto de sociedade proposto, naquilo que denominam “Princípios Estruturantes de Governo da CASA”. Mas antes, a questão: está satisfeito com os resultados alcançados até aqui? A sua equipa está funcionar como esperado, ou ainda pensa que se podia fazer muito mais? Tem os meios que gostaria de ter em mãos para, digamos realizar o princípio de um sonho que poderá ser uma realidade?
Chivukuvuku –
Muito obrigado e com muito prazer me dirijo aos angolanos através do vosso jornal. Primeiro é preciso clarificar que nós construímos a CASA em função do diagnóstico negativo que fazíamos do país. Tínhamos chegado a conclusão de que o país estava politicamente bloqueado e refém do Partido maioritário MPLA, refém do hoje candidato José Eduardo dos Santos que são incapazes e sem vontade política, de fazer as mudanças e as transformações que o país precisa. Chegamos a conclusão de que em termos sociais o país estava numa situação de estrutura social de alto risco o que potenciava que o país a médio prazo iria sofrer grandes convulsões e outros problemas. Tudo isso fez com que tivéssemos decidido apresentar ao país uma nova opção, a terceira via, para que os cidadãos pudessem fazer renascer a esperança de que é possível construirmos em Angola uma verdadeira Democracia, um verdadeiro Estado de Direito e o Crescimento económico servir para corrigir as assimetrias sociais, criar justeza na distribuição da riqueza. Portanto, foram esses os factores que nos levaram a concluir que o país estava num rumo errado e era preciso o surgimento de um novo fenómeno político, daí a CASA.

F8 - Já aí chegaremos. Entretanto, depois de tudo quanto viu e ouviu, sente-se realmente presidenciável? Que atributos realmente pensa ter mais do que os outros concorrentes?
CVK -
Volto a primeira questão. Três meses depois, consideramos que a CASA conseguiu atingir o primeiro objectivo: trazer uma lufada de ar fresco a política nacional. As coisas não podiam ficar como antes e sem modéstia, há que reconhecer, com o fenómeno CASA, a política em Angola já não será igual. A CASA vai continuar a guindar-se para de facto assumir-se como verdadeira alternativa à governação. Durante estes três meses, nós fizemos o Convénio Constitutivo; legalizamos no Tribunal Constitucional a nossa Coligação; conseguimos forçar, não diria, mas conseguimos encontrar um modelo que preservasse a sigla CASA, porque houve tendência do Tribunal Constitucional não aceitar; fizemos a 1ª Reunião Ordinária do nosso Conselho Deliberativo Nacional, com todos os delegados vindos das Províncias, onde definimos os critérios e os princípios para estruturação das candidaturas; introduzimos a nossa candidatura com toda competência técnica e política; trouxemos ao país uma nova aposta na figura do 2º Cabeça de Lista, o Almirante Mendes de Carvalho que trouxe um contributo inestimável para o projecto CASA; também conseguimos que o Presidente de facto cumprisse a Lei, passasse o Almirante à reforma; à nossa candidatura foi a primeira a ser validada no Tribunal Constitucional e neste momento entramos praticamente em plena campanha, obviamente como uma nova organização. Temos algumas debilidades que procuramos superar, primeiro factor tempo: somos uma organização somente com quatro meses, e estamos a fazer face a organizações políticas com 50, 40 e tal anos de idade. Por isso, precisamos fazer do tempo não um travão, mas um aliado, para num curto espaço de tempo fazer com que o cidadão no mais profundo onde estiver tenha conhecimento da CASA e saiba o que é a CASA. Em termos de finanças, temos trabalhado com recursos próprios, vindos dos próprios membros da CASA, mas também de cidadãos anónimos. É verdade, ultimamente a contribuição dos cidadãos tem sido de facto uma coisa admirável, todos os dias temos cidadãos que se predispõem a dar ajuda, a financiar as nossas sedes etc., etc. Esses fazem com que a CASA seja um fenómeno do cidadão, é verdade, somos uma Convergência com figuras políticas a virem de diversos horizontes, estamos a construir uma cultura política com personalidades que vêm de culturas políticas diversas, é verdade que tudo isso traz alguns factores de desajustamento, no andamento, etc. etc., mas temos feito um esforço para que consigamos rapidamente encontrar a eficiência funcional, e construir uma cultura política positiva que faça da CASA verdadeiramente aquilo que vai transformar este país.

F8 - Insisto em termos financeiros e logísticos. Há garantias de que até 31 de Agosto, a CASA estará suficientemente capaz de rivalizar com outras organizações?
CVK -
Como eu disse, nós temos vivido com recursos próprios e dos cidadãos, por isso são escassos, mas felizmente temos um modelo e capacidade de gestão que tem feito com que estes recursos sejam aplicados de forma judiciosa e seleccionado criteriosamente as prioridades. Por outro lado, há a lamentar de facto o recuo na prestação de verbas para campanha do lado do Estado. Em 2008, quando houve mais concorrentes, deram mais recursos para os partidos. Desta vez há menos concorrentes e há menos recursos, é intencional, pensamos por causa do factor CASA. Portanto, há uma espécie de psicose. Como é que a CASA está a desenvolver tanta actividade, como é que a CASA consegue protagonizar tantos factos? Por isso o MPLA procurou reduzir os recursos na intenção de reduzir a capacidade de desenvolvimento das acções da CASA. Não será factor, nós vamos levar a cabo a nossa campanha eleitoral o melhor possível, obviamente teremos algumas lacunas por causa do problema recursos e tempo, mas faremos um esforço e chegaremos em força, tal como iniciamos.

F8 - Desde quando pensou efectivamente passar a acção e porquê que não protagonizou esta revolução no seio da própria UNITA?
CVK –
Sempre estive disponível para servir Angola e servir Angola, serve-se por via dos partidos políticos. Eu estive na UNITA, servi na medida das minhas capacidades e em função daquilo que os meus colegas também entenderam que era o ângulo que eu devia ter. Como sabe, procurei uma vez ser líder da UNITA, não foi possível. Mantive-me como tal até que entendi poderia continuar a servir Angola numa outra plataforma não necessariamente na UNITA, só foi isso.

F8 - Como havia perguntado, sente-se presidenciável? Depois das visitas pelo interior a apalpar a realidade de vida dos angolanos, como tem sido recebido?
CVK -
A convicção que nos anima é por um lado a de servir, de podermos dar uma contribuição qualitativa para as transformações e a mudança que o país precisa. O que temos sentido é que de facto a receptividade é enorme. A vontade do cidadão é de garantir que desta vez haverá mudança com toda a certeza e por isso cabe tudo a nós corresponder a essas expectativas.

F8 – Fugindo um pouco, uma vez Chivukuvuku Presidente da República, qual será o seu juramento?
CVK -
Primeiro, nós estamos aqui para servir. Construímos a CASA para trazer um novo modelo de governação para o país, não é verdade? Portanto, para nós da CASA, os governantes têm de ser meros gestores temporários dos recursos de todos os cidadãos, porque não há longevidade em política, não pode haver “vitalicidade” em política. Os governantes têm de ser temporários em função dos mandatos, e que esses mandatos também têm de ser limitados, porque, a riqueza de Angola é de todos os cidadãos para benefício dos cidadãos, não pode ser como está agora em que os governantes sentem-se gestores vitalícios dos recursos que pensam que são deles para benefício único dos governantes e não para benefício dos cidadãos. O que nós queremos trazer em governação, é uma nova cultura, uma nova visão e sobretudo termos um sonho do projecto de Angola. Queremos construir valores que vão servir de alicerces da Angola que queremos, porque hoje, infelizmente somos a concluir, como angolanos, nunca chegamos em grandes consensos sobre que Angola queremos! Os valores e os princípios que deveriam servir de alicerce para a construção dessa Angola e em função destes valores, assentar os programas condizentes. É isso que a CASA vai protagonizar primeiro, que tipo de Angola queremos? Como realizar o cidadão e em função disso definir os valores.

F8 – Que valores devem ser redefinidos?
CVK -
Nós temos hoje uma dicotomia muito grande entre serviço público e serviço como governante. Pergunto: as pessoas quando estão no governo, é para servirem-se ou para servirem o público? ´´É preciso rever esses valores e tantos outros domínios onde estamos bastante mal. Portanto, há que refazer o sonho duma Angola justa, uma Angola onde todos os cidadãos se realizam, este sonho tem que se transformar em projecto e depois executado com patriotismo, com honestidade.

F8 - Já que estamos a falar de quadros nacionais para implementar um projecto também nacional. A função pública, como sabemos, absolve uma grande massa considerável de quadros, esses temem pela incerteza quanto a mudança de regime. Que garantias Chivukuvuku pode dar, uma vez a CASA governo?
CVK -
Infelizmente ao longo dos anos o regime criou a percepção de que é dono de tudo, é dono dos cidadãos, é dono das riquezas, é dono dos quadros técnicos, é dono dos funcionários. Não está correcto. Os funcionários são do Estado angolano, não são de nenhum Partido. Como cidadãos podem ter filiação partidária diferente, mas como funcionários públicos, devem estar ao serviço do Estado angolano, que em democracia pode ser governado alternadamente por vários partidos, outros dirigentes, quiçá mais capazes, não apenas por um, toda a vida. Governa um Partido, depois outro, em função das eleições. Mas os funcionários são os mesmos, porque são do Estado, não dos partidos. Ou seja, quando a CASA ganhar vai funcionar com os funcionários do Estado, os funcionários actuais. Não virão outros, o que pode acontecer é enriquecer o quadro, nunca substituir. Portanto, independentemente das tendências partidárias dos cidadãos, eles têm é que servir como funcionários o cidadão. Portanto, a CASA vai trabalhar com os funcionários do Estado. Tudo o que vai acontecer é que a CASA vai implementar uma nova filosofia de trabalho, nova postura, nova atitude. Com a CASA, primeiro vai se fazer a reavaliação salarial para que os funcionários ganhem bem, vai se criar melhores condições de trabalho, para que tenham condições adequadas para desenvolverem o seu trabalho e consequentemente acabar-se com a corrupção e com a gasosa, mas são os mesmos funcionários. E no dia que a CASA sair do governo, se vier outro partido também a governar, serão os mesmos funcionários…

F8 - Não há razões desta política de intimidação e da consequente cultura do medo que se impôs que faz a força do MPLA?
CVK
- Não há razão e infelizmente o próprio regime é que está a criar essa percepção nos cidadãos, a assustá-los, ameaçá-los, metê-los medo. Portanto, os cidadãos não têm nada a temer porque são funcionários do Estado, não são funcionários de nenhum partido. Como disse, tudo que vai haver é uma nova filosofia salarial, uma nova postura de trabalho, banirmos a gasosa da nossa sociedade.

F8 - Essa mensagem é extensiva para outro quadro, digamos da defesa da soberania e do cidadão ou seja as FAA, Ministério do Interior, os Bombeiros, a Segurança do Estado? Podem estar tranquilos, com a CASA não haverá, digamos, algumas retaliações?
CVK -
Só se constrói um país garantindo estabilidade, funcionalidade e continuidade das instituições públicas. As Forças Armadas, os órgãos de Ordem e Segurança públicas, os Serviços de Segurança do Estado, tudo isso são órgãos do Estado, com função claramente definida na Constituição, proteger a integridade territorial. A legalidade constitucional, são esses os pressupostos e por isso são órgãos que devem servir o Estado e os cidadãos em todos os tempos, em todas as circunstâncias e esses órgãos são compostos por pessoas e é com essas mesmas pessoas que esses órgãos vão continuar. Portanto, nós temos que começar a pensar no nosso país como Estado que tem de ser mesmo moderno, que garante a tranquilidade, a seriedade e os processos também de alternância, pacíficos e ordeiros. Para serem ordeiros, é preciso que haja a continuidade das instituições do Estado. E, todos esses órgãos, seja a função pública, seja administração das Forças Armadas, as Forças da Segurança e Ordem pública, os Serviços de Segurança, os Serviços Judiciais, todos esses são o sustentáculo da estabilidade do Estado. E é com esses que se tem mesmo de trabalhar…

F8 - Não haverá interferência partidária?
CVK
– Os partidos devem inspirar, não interferir. Tenho hoje muita fé de que apesar de nunca termos vivido uma transição, há suficiente amadurecimento e suficiente consciencialização dos vários actores no sentido de cada um saber o seu papel. Temos Forças Armadas maduras e pelo nível também de literacia sabem e têm a experiência do papel que devem desempenhar, mesmo se nunca tivemos alternância, o importante são os actores desta alternância. Nós CASA é que temos de corresponder a esse sentido de Estado essencialmente republicano, com alto nível de continuidade e estabilidade.

F8 - Já que estamos a falar de Segurança, houve a tempos algumas escaramuças com base a manifestações dos antigos combatentes e dos ex - militares. Tem alguma mensagem especial para esta franja da sociedade que não deixa de ser também enorme?
CVK -
Nós somos um país potencialmente rico, mas é habitado por cidadãos pobres; nós somos um país que tem um histórico em que houve uma camada de cidadãos que se sacrificaram ao longo de vários anos e defendendo as várias causas angolanas, hoje atirados ao esquecimento. É preciso que este país tenha a visão de que só poderemos crescer se o cidadão angolano de todas as tendências for a razão de ser da governação. De um lado temos a responsabilidade de olhar para o cidadão na generalidade e fazer com que este cidadão se realize, política, social, culturalmente, mas também temos a responsabilidade de olhar para os sacrifícios do passado e dizer que não podemos deixar para trás aqueles que já cumpriram o seu papel e o Estado tem responsabilidades de olhar para esses ex-militares que se sacrificaram, muitos deles mutilados, não puderam estudar porque estiveram nas frentes. Vamos estruturar mecanismos que possam não só permitir que tenham uma vida digna, mas uma vida gratificante; por outro lado, ajudá-los também a se superarem para que continuem a dar contributo ao crescimento do país em outras dimensões. Encontrar modelos de formação técnica - profissional, encontrar modelos de enquadramento de cooperativas, vários outros modelos que permitam ao mesmo tempo que o Estado ajuda no sentido de ter uma vida digna, o Estado precisa de torná-los cidadãos activos, participes da própria construção da Nação.

F8 - Este é um problema dos mais velhos. Há um outro, não menos grave da nova geração, desesperada, não encontra saída e pensa que a vida deve ser vivida apenas no presente. Vai Abel Chivukuvuku provocar milagres para salvar esta geração de angolanos?
CVK –
Como disse: não podemos continuar a ser um país potencialmente rico, com cidadãos pobres ao mesmo tempo, uns poucos cuja riqueza em termos de proveniência é duvidosa, torna-se cada vez mais visível. Essas disfunções, esses desequilíbrios, as assimetrias sociais, são propiciadoras de instabilidades e tumultos. Portanto, os recursos do país têm de ser utilizados para fazer a correcção destas assimetrias sociais, é preciso olhar para as camadas jovens que têm expectativas na vida, sonham com um ideal para atingir e fazer com que esse ideal seja possível de ser atingido no seu tempo de vida e é por isso que eu encorajo os jovens para serem actores participativos nas transformações que o país deve desenvolver porque, há um ditado que diz: “A qualidade dos processos políticos de cada país é directamente proporcional a qualidade e profundidade da participação dos seus cidadãos nestes processos”. Portanto, a juventude tem que participar activamente. Senão participam, os processos não evoluem, não mudam, se mudam, não mudam qualitativamente. É preciso participar, engajarem-se com todas as energias, não sejam passivos, não sejam fatalistas. As transformações têm que vir de nós próprios, ninguém fará em nosso nome. Encorajo, todos têm de participar para que de facto tenhamos qualitativamente uma vida melhor, começando mesmo pela juventude que tem de continuar a ter o seu sonho, tem que ter ambição de ser alguma coisa na vida e o Estado tem de montar os mecanismos para que os jovens possam de facto realizar as suas vidas positivamente. Eles foram valorosos no passado, não podem ficar de parte agora.

F8 - Sondagens efectuadas, a maioria da juventude de todos os substractos aposta muito em si, não teme decepcioná-los?
CVK -
Eu penso que temos todos juntos a responsabilidade de fazer com que a Angola dos nossos sonhos se transforma numa realidade e para que isso aconteça é preciso nestas eleições fazermos todos acontecer a mudança positiva ordeira pacífica e responsável. Responsável no sentido de garantir a estabilidade no nosso país, de garantir que de tanto sofrimento que o nosso país já teve no passado, não podemos aceitar qualquer tipo de revanchismos, qualquer tipo de caças às bruxas. Temos de realizar um país sério, com governantes sérios, no sentido de garantir ordem, tranquilidade e sobretudo previsibilidade. As pessoas têm de ter o horizonte de pensar, sim senhor, pode haver mudança, mas o futuro está garantido. Criarmos esta confiança, é a base essencial, para que depois possamos fazer as mudanças qualitativas que também são necessárias. Dum lado uma viragem no sentido da abordagem da pessoa humana, o angolano como a razão de ser da governação em todos os domínios, temos de ter serviços adequados, a saúde tem que ser mesmo saúde que providencia não só tratamento, como medicamentos, temos que ter um esforço de saúde pública que faz a prevenção para os cidadãos não adoecerem muito. Não podemos permitir que aqui em Luanda, em Cazenga onde quando há chuva por falta de saneamento básico, há lagos. Essas lagoas são o viveiro dos mosquitos, os mosquitos depois trazem paludismo. O que significa: é preciso a combinação dos factores da saúde pública, depois o sistema nacional de saúde, a educação universal; educação universal significa o quê? Significa, não podemos em pleno século XXI termos crianças fora do sistema do ensino, não podemos porque, essas crianças têm o destino condenado e nós dizemos, do ponto de vista legal, os cidadãos são iguais perante a lei. É evidente, entre o que foi a escola e o que não foi, porque não conseguiu ter sala, não vão ser iguais na vida. Temos de ter o ensino universal; todas as crianças, para o ensino gratuito; temos que velar com bastante atenção pela qualidade do ensino básico. E velar pela qualidade do ensino básico, implica também ter em consideração a qualidade da classe docente, as condições de trabalho da classe docente, as condições salariais da classe docente, todos esses factores para que esses providenciem um ensino básico de qualidade.

F8 – Em termos de ensino superior?
CVK
- O país precisa fazer uma viragem, a fase actual de reconstrução nacional exige uma ênfase maior nas áreas técnico-científicas. O historial do passado indica que de facto tem havido tendência maioritária nas áreas das ciências humanas, não digo que as áreas humanas não são necessárias: psicologia, sociologia, a história, isto tudo é necessário, mas devemos dar ênfase nas áreas das engenharias, medicinas, matemáticas. Portanto, todos esses níveis de facto são as necessidades do mercado de trabalho actual na fase da reconstrução. É preciso termos o desafio de que pudemos a curto prazo ter pelo menos uma universidade pública em cada província. É inevitável se queremos que de facto tenhamos crescimento sustentável e equilibrado, porque senão os jovens do Moxico estão condenados. Ou os pais conseguem mandá-los para Luanda, Benguela, Lubango etc., onde há universidades públicas. Por hora, esses jovens não têm acesso e, nesta altura ficam amputados. Portanto, é preciso considerar isso, é preciso ver o problema do emprego, o Estado tem de criar mecanismos para o fomento do emprego para que os jovens assim que saem das universidades desemboquem em empregos qualificados. Não é xenofobia, mas é preciso dar prioridade aos angolanos, não faz sentido que em áreas onde do ponto de vista do saber temos recursos humanos qualificados se dê prioridade a estrangeiros. Não! Precisamos dos estrangeiros somente lá onde não há recursos humanos qualificados angolanos em número suficiente. Portanto, é nestes termos que é preciso fazer abordagem do mercado de emprego, para que os jovens tenham emprego com salários justos, com condições de trabalho. Também se exige uma nova ética de trabalho porque hoje está haver a tendência sobretudo do regime, de considerar que os angolanos não trabalham, não são eficientes, etc. etc., não é verdade isso.

F8 – Inclusive, encomendam e importam babás estrangeiras, para cuidar dos bebés de mães angolanas afortunadas.
CVK
- Portanto, como nunca houve a intenção para se criar condições de trabalho ao cidadão, como não houve salário adequado, obviamente os angolanos perderam a motivação, agora o que é preciso é remotivar as pessoas, com qualidade de trabalho, com condições de trabalho, com salário adequado e depois as pessoas terão um nível de produtividade como sempre foi no passado.

F8 - Numa única palavra, a juventude pode estar tranquila, tem Chivukuvuku, também seu servidor?
CVK –
Significa, temos visão e entendemos que se queremos construir o país é apostar na juventude.

F8 – Um outro grupo também maioritário em Angola, as senhoras, também nota-se um afecto, aclamam Chivukuvuku por todo lado, com vários adjectivos atribuídos. Uma mensagem para essas senhoras, as meninas, vou incluir as mulheres zungueiras, as desempregadas, as divorciadas, as mães solteiras ou mesmo as mães adolescentes., qual é a mensagem que tem para essa classe toda?
CVK –
Portanto, é preciso ter em consideração, na maioria das sociedades em termos demográficos, o sexo feminino constitui-se sempre em maioria, ora também do ponto de vista etário, esse sexo feminino está repartido nos diversos segmentos crianças, jovens, mulheres adultas. É preciso ter uma filosofia própria para cada um desses segmentos. Para as crianças, garantir o ensino e a saúde para que as meninas tenham o mesmo acesso que os rapazes na formação e nos cuidados de saúde, na juventude na mesma maneira para os rapazes também para as meninas, as mesmas filosofias, as mesmas políticas, agora quando se chega a fase mais adulta, é lá onde preciso no nosso contexto fazer mais a vez a discriminação positiva, no sentido de criar os incentivos e mecanismos para que as mulheres tenham o mesmo acesso tanto do ponto de vista do emprego como do ponto de vista da ascensão a níveis de direcção e de responsabilidade como a todos outros domínios, como as nossas sociedades do ponto de vista tradicional, vêm de um contexto de discriminação negativa para o sexo feminino. É preciso agora aplicar a discriminação positiva para que se possam corrigir as lacunas provenientes do histórico e da tradição. É nestes domínios aonde é preciso agir, também é verdade que é preciso no nosso caso concreto ter uma atenção especial a mulher rural porque, no espaço rural recai sobre a mulher uma grande dimensão das actividades rurais, tanto no cultivo, na manutenção da família, todos os domínios. Portanto, é preciso uma dimensão em termos de programas de desenvolvimento rural que comecem a transformar este quadro mental e essa estrutura de trabalho na sociedade. Para que haja melhores equilíbrios. Mas isso tudo passa pela filosofia de estabelecermos a mobilidade social crescente. O quê que isso quer dizer? Não podemos permitir que no contexto social as famílias vivem, os filhos vão ser os mesmos que os netos e bisnetos. Tem que haver mobilidade social. Quem era simplesmente camponês, o seu filho tem que ser já um camponês qualificado, tem já um tractorzinho ou que tem pelo menos uma junta de bois, uma fazendazinha, tem que haver uma evolução, não pode haver de geração em geração a cultivarem o mesmo espaço do terreno, com as mesmas práticas, com a mesma vivência. A sociedade estará na estagnação completa, portanto, tem que haver esse esforço de criar a mobilidade social para que de facto possamos transformar o próprio nosso espaço rural para que seja o espaço rural com qualidade de vida aceitável, na medida de outros espaços.

F8 - Em poucas palavras, vai acabar com as zungueiras?
CVK -
É preciso transformar este contexto. Transformar significa o quê? O fenómeno zungueira surgiu na necessidade prática da vida, das desempregadas, mulheres ou mesmo homens sem qualificações, tiveram que encontrar formas da vida. O próprio fluxo migratório fez com que as cidades de hoje tenham um número exponencial de habitantes. Tudo isso, portanto, é preciso encontrar mecanismos que dum lado melhorem o modelo de trabalho destas nossas senhoras, dedicadas. Encontrar formas como, por exemplo, em vez de terem que andar com as coisas nas cabeças de um lado para o outro, numa primeira fase, é verdade que precisamos em termos de objectivo maior, é trazê-las para a economia formal, eventualmente melhorando os espaços e diversificando para que não tenham que andar muito, sabem que cada ponto há um sítio aonde podem ficar, bem estruturado com as mesas onde depois fecha-se no fim do dia etc. etc. Mas numa primeira fase, em vez de levar as coisas na cabeça pode se encontrar mecanismos onde elas possam levar carrinhos em condições de salubridade e que proteja também a saúde das próprias senhoras porque aquelas bacias nas cabeças, semanas por semanas, é um problema de saúde pública. Portanto, pode se encontrar um mecanismo que melhorem a dimensão em que prestam seus trabalhos a curto prazo, mas a médio prazo, é preciso trazê-las para o sistema formal, criando mecanismo para que possam na mesma ganhar um sustento da vida, mas em condições diferentes ao mesmo tempo que a própria evolução social das mulheres, faça com que haja cada vez menos mulheres que precisam desta prática para puderem fazer o sustento da vida, quer dizer haja outras opções para vida das senhoras e nesta altura puderem dedicarem-se a outras coisas.

F8 - Entremos agora para o campo político. Uma vez Presidente da República, que estatuto reservará ao Presidente Eduardo dos Santos? É também uma grande polémica.
CVK -
Eu penso que, do ponto de vista jurídico-legal até ganhar as eleições não cabe definir. Nós temos mesmo que ter um quadro normativo que se aplica para quem quer que seja Presidente da República. Temos que ser um país moderno, um país sério, as nossas leis a nossa Constituição tem que determinar mesmo o estatuto para os ex-presidentes da República, um estatuto digno, um estatuto de garantia de segurança que lhes proteja de quaisquer mal intenções de quem quer que seja.

F8 – Vai fazer constar da Constituição?
CVK -
Isto tem de ser normativo, tem de estar nas leis para que quem quer que seja Presidente da República, sinta-se tranquilo em relação ao futuro. Porque há um ditado que diz: “Nós não podemos condenar o futuro por causa do passado, o passado por mais que tenha sido bom ou mau ninguém consegue mudar”, nunca vi alguém que conseguiu mudar o passado, mas o futuro pode ser por nós determinado, por isso nós temos que meter mesmo regras, normas, leis que garantam o futuro. Para garantir o futuro, é preciso fazer com que quem quer que seja, tenha uma prestação de serviço público aos níveis mais altos sabe que tem as garantias do Estado, sabe que tem as garantias legais, tem tranquilidade, tem tratamento digno, pode mesmo continuar a dar préstimo, não mais na figura de Presidente da República, mas tal como noutros países desenvolvidos, todos os ex-presidentes da República são pessoas de facto membros do Conselho da Presidência da República, Conselho da República esse que deve ser também dignificado, não pode ser uma coisa só chamada assim de vez em quando etc., etc. Mas mais do que isso, quem quer que seja Presidente tem que ter em consideração que o Presidente da República o foi por vários anos e por isso, carrega com ele alguma experiência, factores positivos e negativos, que não custa nada quem quer que seja Chefe de Estado de vez em quando ouvi-lo, saber o quê que acha disso e daquilo. Significa, eu sou fundamentalmente daqueles que o país tem que ter processos previsíveis sérios e garantes da estabilidade do futuro e é isso que tem que ser em relação ao actual Presidente da República, que tem de estar tranquilo no sentido de, deixar de ser Presidente da República não significa um fim, não significa um drama, significa apenas ter um outro estatuto, estatuto de mais velho, de cidadão, estatuto de quem deu o seu contributo em situações difíceis e boas, contributo positivos, mas também alguns aspectos negativos, mas que do ponto de vista humano, é assim, e depois o país vai poder continuar tranquilo, serenamente.

F8 - Mas isso não vai encorajar comportamentos um tanto ou quanto inadequados? Com esta medida, passa-se uma esponja a tudo do passado?
CVK -
Eu sou dos que consideram, primeiro “Não podemos condenar o futuro por causa do passado, mas ao mesmo tempo precisamos de corrigir tudo aquilo que de negativo tem havido na vida, mas não se corrige para trás, corrige-se para frente”. O que significa: o Governo da CASA esqueça o que aconteceu lá trás, não é verdade? Passamos uma esponja, isso são outros problemas. Com o Governo da CASA a nossa prioridade vai ser em termos de valores, estruturar uma governação onde não haja nem corrupção, nem desvios, nem má governação; olhar para frente, construir um novo país uma nova visão, uma nova filosofia uma nova forma de ser e assim garantimos que de facto fazemos a mudança e as transformações. Eu tinha lido uma entrevista feita ao Alves da Rocha, o conhecido economista num jornal brasileiro em que ele dizia que nas condições presentes, se se aplica a tolerância zero, como o Presidente tinha dito, deixaríamos de ter governantes, não haveria mais ninguém para ministro, todos os ministros tinham de ir para cadeia. Portanto, não é isso que se precisa. Precisamos de fazer com que os novos governantes pautem de facto pela lisura, transparência e seriedade. Deve ser assim.

F8 - Então todo enriquecimento ilícito não será questionado? Não será impugnado? A justiça não vai passar em revista? Não vai rever todos esses elementos, que fazem hoje o debate nacional?
CVK -
O nosso país já teve muitos problemas, desde o conflito, a pobreza os roubos. Se nós nos preocuparmos muito com isso, não vamos parar, não vamos conseguir estabilidade, não vamos concentrar as nossas energias, vamos então passar a vida a remover o passado. Não vale a pena perder tempo, construamos o país, olhemos para frente. O que é preciso é fazermos a mudança, protagonizarmos a alternância, que é essencial para a tranquilidade, equidade e bem-estar, e de facto depois qualitativamente o país muda, as vidas das pessoas mudam porque, não tem valor nenhum estarmos a escavar o passado. Passado é passado, futuro é futuro.

F8 - Outro elemento que constitui também debate, os símbolos da República que tem o esteio do 4 de Fevereiro, que realmente faz crer que Angola é do MPLA. Não vai mudar, qual será a sua filosofia?
CVK –
De um lado, o país tem história, por outro lado, o país tem os problemas da excessiva partidarização da vida nacional. Então, é preciso fazer face a esses dois fenómenos. Não se pode também apagar a história. Houve o 4 de Fevereiro, vamos dizer que não houve? Houve o 13 de Março, também houve o 15 de Março. Há que aceitar, isso é que é a nossa realidade. Também sou dos que entende, não podemos a cada momento refazer tudo. O carro já foi fabricado, você vai inventar mais o carro? Não. Não faz sentido, não podemos refazer tudo a cada momento, porque senão vamos criar a percepção de que cada momento que alguém surge o país recomeça. O país não recomeça! O país continua com as coisas boas do passado, corrigindo as coisas negativas, mas é preciso ter sempre uma dose dessa continuidade, não vale a pena alguém pretender se ganha, e o MPLA mesmo se ficar um partido minoritário, imaginar que o MPLA não deu a sua contribuição ao país. É ilusório. Há que reconhecer que ao longo destes 37 anos de Independência, foi o MPLA o partido governante em alguns aspectos teve opções negativas, como foi em 75 a opção pelo partido único de carácter Marxista-leninista, como foi a opção negativa pela economia de Planificação Centralizada, mas há que aceitar que foram eles os governantes, tiveram várias práticas negativas, também pode se inferir que houve coisas positivas que também foram fazendo ao longo destes anos. Agora, há que dar continuidade das coisas boas, corrigir as negativas, mas o país não pode a cada momento recomeçar completamente, isso não, não é Patriótico e não é sério, isso aplica-se também ao nível dos símbolos. Há que ter um sentido de continuidade da história, mesmo se tivermos que entender também que há que modernizar, retirar os factores negativos, como a excessiva partidarização da vida nacional. Hoje a vida do cidadão está excessivamente prisioneira ao MPLA, a José Eduardo dos Santos. É preciso libertar o cidadão.

F8 - Tornar o Estado verdadeiramente civil e verdadeiramente republicano?
CVK -
O estado civil e garantir ao cidadão os direitos inalienáveis de cidadania. Os cidadãos sejam livres desta pressão que a partidarização exerce sobre as pessoas. A realização do cidadão não pode estar dependente da sua filiação partidária como é hoje, este aspecto é que é preciso corrigir.

F8 – Insisto. Por exemplo, na nota do Kwanza a face de José Eduardo dos Santos vai continuar como esfinge?
CVK
- A minha filosofia é, em tudo que são questões de documentos legais do país, moedas, documentos oficiais, não deve haver imagens de qualquer cidadão vivo, seja qual for o seu contributo ao país, temos figuras históricas do passado e que não estão vivas e que deram o seu contributo, essas sim devem, mas em nenhum documento legal, papéis administrativos ou dinheiro, em nenhum destes documentos deve constar figuras vivas. Isto faz parte dos vinte compromissos da própria CASA, é um princípio estabelecido.

F8 - A questão da classe empresarial mais propriamente a nacional queixa-se muito, mas também não gosta de manifestar abertamente essa sua insatisfação. O problema da política creditícia em que por exemplo hoje diz-se, para obter um crédito do mais baixo que seja, tem que passar pelo Partido, pelas comissões de especialidade, agora pelos CAPs. Há por exemplo este projecto “BUE” que diziam destinado a tornar os jovens empresários empreendedores. Qual será a política da CASA nestes aspectos?
CVK -
Vou ser um bocado extenso. O MPLA partido hoje no poder, foi um partido Marxista-leninista e de filosofias que retiravam ao cidadão a liberdade de decidir da sua própria vida. Durante muitos anos foi assim. Do meu ponto de vista, as grandes figuras que ainda hoje dominam o MPLA do ponto de vista de convicções, de ponto de vista mental, não mudaram. Metamorfosearam-se, ajustaram-se ao novo contexto utilizando uma nova linguagem, mas na mesma aplicando os métodos do passado. Significa, há uma tendência excessiva do regime de não garantir liberdade ao cidadão e encontrar mecanismos condicionantes e eu vou mais longe. Neste momento, na própria estrutura da Direcção do MPLA, só há um cidadão livre, chama-se José Eduardo dos Santos. Todos outros dirigentes do MPLA, também não são politicamente livres, são prisioneiros de consciência. Nas reuniões deles não podem falar, não podem dizer o que vai no coração por causa dos riscos de serem demitidos e outras consequências. Mesmo a mudança que a CASA vai fazer, é também para libertar os cidadãos dirigentes do MPLA e outros membros. Portanto, passamos por aí, isso também se aplica na classe empresarial. Há que separar o trigo do joio.

F8 – Nesta óptica, o quê que é a classe empresarial angolana?
CVK -
Dum lado temos os “governantes empresários” e eu não considero isso classe empresarial, pelo contrário, fazem concorrência desleal àqueles que fazem esforço de serem verdadeiros empresários. Temos os governantes empresários, ministros, governadores. Tinha uma vez desafiado se há um ministro ou governante que não é empresário. Portanto, temos este problema. Contudo, a história está a demonstrar, esses empresários assim que deixam de ser governantes, também as empresas caem. É o sustentáculo do Estado, é a máquina da governação que sustenta aquelas empresas, sem isso, essas empresas desmoronam-se. Depois há os verdadeiros empresários que também estão condicionados politicamente por causa dessa cultura de excessiva partidarização da vida dos cidadãos, a ausência de liberdade das pessoas. Portanto, os empresários estão condicionados ou são do sistema, ou não conseguem, ou cooperam e colaboram com o partido no poder ou as empresas não avançam; dependem do poder, ou não conseguem contratos, não conseguem vencer concursos públicos, não conseguem empréstimos, infelizmente é isto. Também o regime não está a perceber que é um dos factores que trava o progresso, trava o crescimento porque as pessoas estão condicionadas.

F8 -Talvez se apercebam, mas fazem-no mesmo como uma política para subordinar e condicionar o cidadão!?
CVK
– Significa o sistema infelizmente dá primazia ao exercício do poder e não primazia a construção do país, são coisas diferentes. Portanto o sistema considera o exercício do poder como um fim próprio. Por exemplo: nós mandamos. Do ponto de vista patriótico o que se devia conceber, o exercício do poder politico é uma plataforma para se fazer uma obra e esta obra deve ser para a construção de uma nova nação, a construção de uma nação não é mais senão a realização dos cidadãos. A realização de um país é o somatório da realização dos seus cidadãos. A riqueza de um país tem de ser o resultado do estado social de cada cidadão, não pode ser uma coisa abstracta, petróleo, diamante, ninguém bebe petróleo, ninguém come diamante. Tem que ser as pessoas, é por isso que, infelizmente o sistema condiciona a vida de todos, particularmente os empresários, o que diminui a sua capacidade de criatividade e de realização e ipso facto isto também reduz a capacidade de crescimento e o nível de realização do próprio país.

F8 – A questão de privatização dos recursos do Estado foi feita praticamente de uma forma que está a ser muito questionada. Dizem foi feita na cozinha, entregues de bandeja as pessoas, para a constituição de consórcios, não houve concurso algum. Qual será a filosofia da CASA?
CVK –
Angola do ponto de vista histórico, nunca tivemos privatização. Sempre tivemos distribuição entre pares, onde esta distribuição entre pares teve a primazia o circulo presidencial. Toda a gente sabe, não é tabu. E mesmo agora, assistimos e soube isso agora quando estivemos na Lunda Nort, na Vila do Lucapa, nos arredores da vila do Lucapa, havia uma imensidão de projectos diamantíferos, e muitas destas empresas, algumas com participação estrangeira, durante a fase mais aguda da crise financeira internacional, suspenderam os trabalhos. Tendo suspenso os trabalhos, o aliviamento da crise fez com que, quando tentaram retomar a sua participação, já não foram aceites e está a ver outra vez nova distribuição para o círculo presidencial. É um vício e infelizmente, quanto mais riqueza ilícita adquirem, mais insaciáveis se tornam. Mas tudo isso são vícios que temos de corrigir para que no futuro possamos ter um contexto diferente. O que quero dizer é que a CASA vai primar para estabelecer verdadeiramente uma economia de mercado, mas que tenha como sustentáculo um empresariado angolano verdadeiramente livre e empreendedor, sem constrangimentos. Não será preciso ser amigo de ministros ou quê. Tem capacidade, tem criatividade, o projecto tem sustentabilidade, avança. Nos projectos, nas licitações, etc. prioridade aos empresários angolanos e o Estado tem de ser o sustentáculo para empurrar. Há que reconhecer algumas debilidades óbvias da classe empresarial que o Estado tem de suprir, criando mecanismos de garantias, mas controlados e bem verificados, com sanções lá onde não há cumprimento de normas para que isto sirva de empurrão a própria classe empresarial. Nos sectores onde se chegar a conclusão a necessidade do desengajamento das instituições do Estado, também tem de se fazer com lisura, com transparência. Não concordo que a Sonangol, empresa do Estado, vocacionada para um determinado sector, esteja envolvida em tudo. É a Sonangol que está a fazer as fábricas disso e daquilo, e num contexto onde não há contabilidade, não há auditorias, nem verificação se está a dar lucros ou não. É só para mostrar que se está a fazer alguma coisa. Está errado. Cada um de cada sector fica lá onde sua vocação está direccionada e determinada e que se deixe os espaços para os empresários normais poderem cobrir esses espaços. E o exemplo é esta centralidade de Luanda, hoje está envolta de névoas de incertezas. É investimento do Estado ou não, é investimento da linha de crédito chinesa ou não? É investimento dos recursos da Sonangol ou não? E tudo isso faz com que, o Kilamba se tornasse um teatro, porque parece mais um negócio dos auto-dignitários do regime do que um serviço social porque foi custeado com os dinheiros públicos. Pelo que se diz é da linha de crédito da China que vai ser paga com petróleo e não está a servir o objecto social que é o cidadão. Portanto, há que rever todo este quadro em volta da nossa classe empresarial, como já disse no princípio, claramente definir o que é afinal a tal classe empresarial porque hoje confunde-se classe empresarial e governação.

F8 – Volto outra vez a questão social. Angola é extensa, 1.246.700 kms², somos apenas 17 a 18 milhões, muitos metros quadrados para cada pessoa. Nas suas intervenções encoraja a natalidade, entretanto apercebemo-nos que somos pobres. Queria saber que políticas vai seguir para apoiar esta política da natalidade, enquanto outros pugnam pelo planeamento familiar ou limitação do número de filhos?
CVK –
Quero bem clarificar isso. Eu encorajo o crescimento populacional. Angola para ser viável precisa de mais população. Hoje não sabemos exactamente quantos somos, há dados que indicam que somos 15 milhões, outros 20 milhões, mas do meu ponto de vista Angola precisaria de ter pelo menos 50 a 60 milhões de habitantes e assim de facto estaríamos a ser um país forte e viável e para isso, há vários elementos que entram. O 1º a ter em consideração é a necessidade de se reduzir a taxa de mortalidade. 2º A criação de melhores condições de vida e 3º Encorajamento da natalidade. Estes três factores têm de ir em conjunto e ser aplicados de forma estruturada e consentânea, para que possamos atingir níveis populacionais mais elevados e é por isso que eu sou proponente de uma filosofia que encoraje estes três factores: lutar para reduzir a mortalidade particularmente a mortalidade infantil e materno-infantil, 2º melhorar a qualidade de vida porque essa vai jogar também com o factor de redução da mortalidade e 3º encorajar a natalidade. Não tenho problema nenhum em assumir que encorajo a natalidade.

F8 – No seu programa de política sustentável fala da necessidade de impor a meritocracia e não facultar a via dos favores na procura de emprego. Junto a isso a política que diz, é preciso invadir o campo com quadros. Como se vai proceder?
CVK –
São dois níveis. Todos eles concorrentes, mas diferentes. Temos de acabar com a cultura do clientelismo que perdura hoje e em certa medida que também fica associada a uma tendência de nepotismo. Se os angolanos perante a lei são iguais, o que é preciso é que em todo o quadro de oportunidades, este conceito de igualdade se processe. As pessoas sejam promovidas, ascendam as funções em função da sua competência e capacidade, não em função do nome ou das suas conexões familiares. É preciso encontrar mecanismos em que os concursos públicos, a participação, acaba-se com a gasosa, porque há pessoas que pagam para vencerem os concursos públicos. Que os concursos sejam transparentes, abertos e os competentes passem. Assim, faremos com que a qualidade dos serviços públicos também evolui, porque estarão os melhores e que também fará com que os mais fracos façam esforço de superação para serem também bons. Isto é um factor.
Outro factor que defendemos, é também fundamentalmente estabelecer filosofias de discriminação geográfica positiva. Neste momento temos desequilíbrios na distribuição dos recursos humanos de qualidade. Vamos encontrar num bairro de Luanda mais médicos, alguns deles subaproveitados, do que numa província do interior, porque as condições de vida no interior são mais ásperas, mais difíceis e a tendência é ficar lá onde há mais condições e para que haja melhor distribuição dos recursos humanos tem que haver uma filosofia de discriminação geográfica positiva. O país precisa de criar zonas salariais diferenciadas em função dos níveis de desenvolvimento dessas zonas, onde as zonas mais avançadas têm níveis salariais mais baixos do que as zonas mais atrasadas. Por exemplo, podíamos ter uma zona salarial “A”. As cidades ao longo da Costa, onde teriam um nível salarial “B”, que poderíamos chamar de interior médio que poderia ir mais ou menos ao nível do Uíge, Kwanza Norte, Malange, Huambo, Lubango, onde para além do salário base, poderia haver acréscimo de subsídio de distância, subsídio de isolamento, subsídio de risco, porque em algumas zonas ainda existem minas, etc. e o mesmo salário base seria acrescido de 50% nesta zona. A zona salarial “C” que neste caso seria Dundo, Saurimo, Moxico, Kuando Kubango, esse mesmo salário ficaria a duplicar. Ou seja: um enfermeiro que quisesse ficar em Luanda, Cabinda ou Benguela, se ganha 100 mil Kwanzas, o mesmo enfermeiro com a mesma categoria, mesma formação, na zona “B”, ganharia 150 mil kwanzas, o mesmo enfermeiro se fosse para Lucapa, ou Dundo, já estaria a ganhar 200 mil kwanzas isto serviria de incentivo aos recursos humanos para irem para o interior. Professores, enfermeiros, todos, teriam incentivo para irem para o interior e a medida que esses recursos humanos vão, vai igualmente a qualidade de vida e os empresários, o carpinteiro, o padeiro, todos também iriam. Iria-se melhorar a distribuição de recursos humanos pelo país. É esta a ideia que temos e que precisamos de aprofundar. Aliás, não é nada novo. Mesmo no tempo colonial já se fazia assim, só esta nova governação não tem consideração porque não estão apostados em corrigir as assimetrias. Estão interessados na Costa, não querem saber do resto do país. É preciso pensar no país todo inteiro. Quando estive recentemente nas lundas, constatei que há um desequilíbrio vergonhoso entre a Costa e o Interior. Não está correcto. Constatei que, zonas como a Lunda Norte que produz e contribui do ponto de vista de participação no Orçamento Geral do Estado, e no PIB, com um número razoável de participação, não há esforço nenhum de recuperar aquelas áreas para melhor qualidade de vida. Em face disso, lancei, não diria, um desafio, mas um convite ao Presidente da República. Esta coisa de viajar sempre de avião, de um lado para outro, nunca dormir numa Província, não permite ao Presidente da República ter a noção verdadeira como está o nosso país. Quando se vive de relatórios, nem todos os relatórios são verídicos. Os governadores, muitos deles com receio de serem considerados incompetentes, fazem relatórios para agradar. É preciso constatação. E, eu convidei o Presidente, ande de carro, que saia daqui até Malange de carro visitar as nossas bualas, ver como estão, pois é uma miséria. Para que de facto haja uma atenção e um esforço direccionado, se não as pessoas vão pensar, entulhar na marginal biliões de dólares, quando as nossas vilas, as aldeias, não têm água, não têm energia, as choupanas que lá estão não dão. É preciso a que os governantes tenham a noção verdadeira de como é que o nosso país está.

F8 – Desde já, aproveito questionar: 1 - Qual será o papel dos deputados na Assembleia já que durante todos esses anos, praticamente decepcionaram? 2- Qual será o sistema de governo: presidencialista, semi-presidencialista, parlamentarista, ou como este agora atípico em que o Presidente confiscou praticamente todos os poderes?
CVK –
Realmente são questões várias. 1º - Quando a CASA assumir o poder, vai encontrar uma constituição que é a actual. Não estamos de acordo, mas teremos de a respeitar. Veremos qual será a posição dos cidadãos em termos de correlação de forças entre os vários partidos, para termos a noção dessa correlação. Por outro lado, faremos a avaliação da vontade política das forças políticas, se permitirá ou não imediatamente fazermos uma reforma constitucional. Tendo também em consideração que a própria Constituição estabelece os prazos dentro dos quais se pode iniciar uma reforma constitucional. Por isso nos 20 compromissos estabelecemos como uma das prioridades, fazermos a reforma constitucional que desobedece de um lado as normas estabelecidas na actual constituição, por outro lado, a avaliação do contexto que resultará das próximas eleições.

F8 – Vai também chamar a si o bastão de super-homem?
CVK
- Infelizmente o que eu já expliquei, a tendência condicionante do actual regime que concentrou na actual constituição todos os poderes na figura do Presidente da República e neutralizou o papel de outros órgãos do Estado, tem de ser também revisto. A Assembleia Nacional tem que reganhar o seu papel verdadeiro como representante dos cidadãos. Não pode ser um órgão apenas para carimbar as vontades do Presidente da República! Não. Tem que representar mesmo os cidadãos e para tal vai ser necessário a reavaliação do ponto de vista legal quando se fizer a reforma constitucional para que a Assembleia ganhe verdadeiramente seu protagonismo e que reduza a excessiva sobrevalência do PR. É verdade que teremos de ter um debate nacional sobre um modelo de eleição para o Parlamento. Vamos continuar com modelo de representação proporcional de listas partidárias em círculos mistos, nacional e provinciais, ou podemos ensaiar outros modelos que permitam representação uninominal por círculos eleitorais específicos!? São coisas diferentes. O modelo actual faz com que os deputados tenham tendência de estarem mais preocupados de ficarem bem com os partidos, do que ficar bem com o eleitorado. Porque em primeiro lugar, quem põe os deputados nas listas, são os partidos, não são os cidadãos. Por isso para haver reciprocidade de legitimidade, e os deputados devotarem mais atenção ao povo eleitor, com a revisão constitucional, os deputados terão doravante de ser escolhidos pela via dos círculos eleitorais específicos.

*Com a colaboração de Toni Neto e Antunes Zongo