Luanda - “ Ora, o que faz um soberano brilhante e um sábio general conquistarem sempre o inimigo, e suas realizações superarem as dos homens comuns, é a presciência da situação do inimigo. Essa presciência não vem dos espíritos, nem dos deuses, nem de uma analogia com acontecimentos passados, nem de cálculos astrológicos. Deve ser obtida de homens que conhecem a situação do inimigo – dos espiões ”. Sun Tzu, A Arte da Guerra, século IV a.C.

Fonte: Club-k.net

O Estado moderno, do ponto de vista cronológico, remonta do século XVIII, e no epicentro do mesmo está as duas grandes revoluções liberais (americana de 1776 e francesa de 1789). Ora, estas duas grandes rupturas sociais trariam à tona a tríade que constituiria os alicerces do futuro Estado, nomeadamente a liberté, egalité e a fraternité, parece-nos a priori que a organização política (releva-se politica tendo em conta que a organização politica é inclusiva, ou seja, implica a organização social, económica e cultural) do Estado estava já condicionada a um regime liberal, ou seja, a instituição de um regime que permitisse aos cidadãos (já não súbditos do poder real) o exercício de tais prerrogativas do novo Estado.

 
Entendemos que é a partir deste momento cronológico que se começa a falar da institucionalização dos regimes democráticos (Democracias Representativas) em Estado com uma vasta extensão territorial (aqui importa esclarecer que a democracia enquanto forma de organização politica remonta do século V a.c. pese embora uma discussão ténue ainda subsiste em volta da sua origem).

Mas o que entendemos por Estado, e Democracia?

Uma discussão entorno do conceito de Estado sobressai, e se procurarmos perceber que tipo de realidade é o Estado mais rios de tinta havemos de discorrer, ou seja, é o Estado realidade factual ou normativa? Esta pergunta fará, em nosso entender, reacender o eterno debate entre politólogos e juristas sobre o Estado.


Teoricamente o entendimento do Estado é polissémico e mais de vinte definições podíamos apresentar, mas que do ponto de vista semântico poucas diferenças trariam, dai que lato sensu Estado implica povo, território e poder político, e stritu sensu refere-se aos seus órgãos. Assim, Estado é o conjunto de indivíduos assentes num território organizados politicamente (esta organização politica implica a soberania, ou o exercício do poder politico sem igual a nível interno e sem superior a nível externo, vide JEAN BODIN in Six Livres Dela Republique).


A democracia pressupõe um regime político que procura satisfazer as preferências dos cidadãos sem distinção dos mesmos, ou seja, é um regime político que consagra e conserva a liberdade em todas dimensões, igualdade em todas dimensões e a fraternidade.


A democracia conforme, a sua origem etimológica demos (povo) +kratos (governo), implica um governo do povo, mas o elemento povo (conceito sociológico) também é polissémico, daí que, normalmente, autores há, que reduzem a democracia a regras fundamentais aprovados pela maioria (vide BOBBIO in O Futuro da Democracia).


Parece-nos que do ponto de vista conceitual Estado e Democracia estão aflorados e cumpre-nos, desta feita abordar o tema proposto Democracia e Serviços Secretos.


 A democracia conforme entendida pelos teóricos pressupõe um regime político aberto, assente na gestão da coisa pública (res publica) de forma transparente, na existência de regras fundamentais aprovadas pela maioria, no tratamento igual dos cidadãos, na existência de fontes alternativas de informação, bem como na eleição dos gestores da coisa pública pelo povo mediante o sufrágio universal (vide DAHL, Sobre a Democracia, BOBBIO Futuro da Democracia, SCHUMPETER Socialismo, Capitalismo e Democracia).


Se nos apegarmos ao entendimento da democracia conforme realçado pelos autores, facilmente poderemos subsumir que os serviços secretos, serviços de inteligência, serviços de informação estratégicas constituem um dos paradoxos da democracia, ou seja, como compreender a existência destes serviços no Estado democrático?


“ Governantes enxergam através de espiões, as vacas através do cheiro, os brâmanes através das escrituras, e o resto do povo vê com os seus olhos normais. “
Kautilya, filosofo indiano, século 3 a.C.

Entende-se por serviços secretos, serviços de inteligência, serviços de informações estratégicas o organismo do Estado encarregue de produzir, analisar e adoptar medidas de inteligência e de segurança necessárias à preservação dos interesses de cada Estado.
 Mas uma discussão normalmente é levada a cabo para compreensão dos interesses nacionais de cada Estado, e mais uma vez parece-nos reacender o debate entre juristas e politólogos, mas que haverá concordância entre os mesmos, que os limites materiais de revisão constitucional constituem os interesses nacionais de cada Estado (vide Wei Dan in Globalização e Interesses Nacionais da China).


Voltando a questão de fundo como compreender os serviços secretos nos Estados Democráticos? Ou de outro prisma se a democracia é o governo do poder visível, entenda-se poder público, como compreender a existência do poder invisível, soft power ou serviços secretos?
Não há nada de secreto no Governo Democrático? Todas as operações dos governantes devem ser conhecidas pelo Povo Soberano, excepto algumas medidas de segurança pública, que ele deve conhecer apenas quando cessar o perigo.


Os teóricos que procuraram dar uma resposta a esta questão realçam como fundamento destes serviços a razão do Estado, que se consubstancia na preservação dos interesses nacionais. Ainda assim, a questão não foi suficientemente esclarecida, e neste prisma, sobre a importância da publicidade do poder, entende-se visibilidade do poder, Kant afirma que o iluminismo exige a mais inofensiva de todas liberdades, qual seja, a de fazer uso público da própria razão em todos os campos (Kant, Risposta alla domanda: che cosa é l’illminismo, in Scritti politici e di filosofia della storia e del diritto).


Independentemente do que ficou dito sobre a publicidade do poder, dito de outra forma, sobre o poder visível como corolário do regime Democrático, torna-se importante que quem detém o poder político deve continuamente resguardar-se de inimigos externos e internos tem o direito de mentir, mais precisamente de simular (razão de Estado), isto é, de não fazer aparecer aquilo existe.


Pensamos que os serviços secretos quando colocados ao serviço do Estado (não dos titulares do poder público) revestem-se de grande significado, bem como ajudam na instauração e manutenção dos regimes democráticos, hoje é inegável a importância destes serviços se entendermos a contínua ameaça dos interesses nacionais resultante do terrorismo contra o Estado (existe ou não terrorismo do Estado?).


Os serviços secretos podem ainda contribuir, conforme já realçado, para preservação da integridade territorial, preservação da ordem jurídico-constitucional instaurada, execução célere das políticas públicas e gestão transparente da coisa pública, estudos das potencialidades e vulnerabilidades do Estado, estudo estatístico do Estado, localização e expansão de espaços de influência a nível regional, bem como elevar a afirmação do Estado a nível internacional, através da potencialização dos serviços diplomáticos.


*Edmiro Francisco A. D., Politólogo