DECLARAÇÃO DO GRUPO DE REFLEXÃO DA SOCIEDADE CIVIL PARA O PROCESSO ELEITORAL

Luanda - Esta é a 3ª experiência em que os angolanos vão votar para eleger os órgãos que os irão governar nos próximos 5 anos. Volvido o tempo preparatório, agora está-se há 15 dias do voto. Visando a eleição conjunta: um Parlamento e um Presidente da República. Será uma experiência ímpar e quase um ensaio em que num único voto elege-se dois órgãos de soberania que formal, material e organicamente são distintos: 1 PARLAMENTO  e 1 PRESIDENTE DA REPÚBLICA.

As eleições gerais de 31 de Agosto de 2012 serão mais uma vez a prova da democraticidade do acto eleitoral num Estado de Direito.

O voto irá provar a liberdade de escolha e de participação dos cidadãos, assim todos podem desfrutar das garantias e de direitos que fluem em todas as páginas da nossa Constituição.

Quando os angolanos forem às urnas para votar, deverão, igualmente, confirmar o nível de justiça do seu sistema político e medir a consistência das instituições democráticas, porque, não há governo justo que emerja de uma injustiça eleitoral, porque viola as leis do país e escamoteia os direitos inauferíveis dos cidadãos.

O voto vai, também, medir o nível de transparência das novas instituições, especialmente, a consistência do Tribunal Constitucional, da Comissão Nacional Eleitoral, dos Partidos Políticos Concorrentes e da  acutilância das Organizações do Sociedade Civil, que condensam todo o manancial eleitoral e permite a circulação  e participação das minorais políticas, étnicas e a mobilidade social numa relação de direitos e deveres.

Quando os Partidos Políticos concorrentes terminam a 2ª semana da campanha eleitoral, e inauguram a 3ª semana, habita-nos uma nuvem de incerteza, perspectivas e muitos receios, a começar pelo tipo de campanha eleitoral, passando pela complexidade funcional e estrutural da CNE terminando nos entraves psicológicos construídos contra o próprio cidadão, titular de direito de voto e dono da soberania, tornando-o num receptáculo passivo do processo eleitoral e instrumento de um voto inconsciente, senão vejamos:

1. Constatamos com grande preocupação que os materiais de propaganda dos partidos sobretudo da UNITA e do MPLA são vandalizados, pilhados e sabotados e que a reacção tem gerado agressões físicas e danos materiais. Por seu turno a Polícia Nacional que por definição estaria a manter a ordem e tranquilidade a favor do plural e da democracia concorrencial, apenas toma uma posição quando pretende salvaguardar algum interesse ou vantagem do Partido no Poder, colocando os partidos políticos da oposição numa permanente vulnerabilidade a agressões sem protecção, quanto menos para irem para cadeia. Estes são fortes indícios de conflitos pre-eleitorais que podem evoluir para convulsões pós-eleitorais. Portanto, eleições não-democráticas.

2. A intolerância política no interior do país sobretudo no Huambo, Bié, Benguela, Uige, Kwanza-Norte e Malanje são visíveis sobretudo entre os clássicos rivais MPLA e UNITA.  Associados às movimentações de militares e Polícia de Intervenção Rápida em Cabinda, Huambo, Huila, Lundas Norte e Sul, Bié, Kuanda-Kubango. Cenário marcial e bélico que entra em contradição com o slogan adoptado pela CNE segundo o qual: “VOTE NA PAZ E NA DEMOCRACIA”! Será que a própria paz e a tal democracia são propriedades singulares de quem possui as melhores armas como sua lei? Obviamente que  paz e democracia não coincidem, necessariamente, com as demonstrações bélicas das FAA e da PIR. As intolerâncias políticas associadas às movimentações de militares e equipamentos militares, de última geração, passam a mensagem de que  “o eleitor está a ser traído com beijo de Judas”: assim, as eleições estão desprovidas da verdadeira democraticidade, liberdade e direitos, gerando incerteza, imprevisibilidade, inquietude e servem para desenterrar o espectro de guerra que já não existe entre nós. Estes são fortes indícios de que essas eleições não são livres e conscientes. Portanto, são eleições não-democráticas.


3. Os desaparecimentos dos jovens manifestantes Alves Camulingue e Isaías Cassule, jovens contestatários pela mal governação, associados aos detidos  em diferentes partes de  Angola sobretudo em Luanda (antigos combatentes), nas Lundas norte e sul (contestatários da autonomia das Lundas)  bem como em Cabinda (activistas cívicos) mostra, claramente, que as eleições de legitimação sim; mas  a democracia que inclui liberdade de expressão, livre manifestação legal, fiscalização dos actos governativos, inclusão social, igualdade de direitos e responsabilidade colectiva do bem comum,  nem pensar! Interrogamo-nos: será que as mulheres e filhos deixados pelos desaparecidos, bem como os familiares dos detidos em processos totalmente estranhos, irão também, festejar a democracia eleitoral ou estarão, no dia 31 de Agosto a chorar pelos seus maridos, irmãos e pais desaparecidos e ou detidos em masmorras? Estes são fortes indícios de que essas eleições não coincidem com a democracia e justiça eleitoral orientada à boa Governação, prestação de conta e respeito pela soberania popular. Portanto, eleições não-democráticas.

4. A CNE embora órgão fiscalizador, não lhe compete julgar e censurar a essência dos conteúdos das linhas editoriais dos programas de rádios e Televisão dos partidos políticos, obrigando, sob fortes ameaças, a que a campanha eleitoral dos partidos políticos seja talhada a gosto e orientação fiel do Executido sustentado pelo Partido MPLA que igualmente é candidato em igualdade de concorrência. A CNE não sendo um órgão jurisdicional não fiscaliza a legalidade dos actos mas sim as questões administrativas eleitorais. Não sendo algum tribunal eleitoral não pode e não deve sentenciar sanções punitivas contra os partidos políticos em plena campanha eleitoral, numa genuína demonstração da coercibilidade própria de um tribunal,  só porque a oposição política em seus pobres minutos de radio e TV da comunicação social Pública, apostaram na verdade, na coragem, na honestidade em denunciar actos de corrupção eleitoral, incumprimentos de programas anteriores. A CNE não pode usurpar as funções jurisdicionais dos Tribunais nem esvaziar o papel do Tribunal Constitucional ou da Procuradoria Geral da República. Estes são fortes indícios de inconstitucionalidade orgânica e descredibiliza a CNE confirmando assim a sua já visível parcialidade, dependência, cumplicidade com o partido no Poder, e desentendimento ou desinteresse da CNE às regras do Direito, da Justiça, sobretudo da democracia. A Justiça tem dono: o Poder Judicial e o povo. Portanto, eleições não-democráticas.

5. Os partidos políticos da oposição, têm um espaço de antena e de rádio bastante reduzidos e apertados para divulgar sua diferença estrutural e funcional para o eleitor, escolher na base da novidade, na base da diferença, na base do contraditório democrático; mesmo assim, é censurado, esquartejado e ameaçado a fechar tais paupérrimos  espaços. Pelo contrário o MPLA para além dos seus espaços de antena, goza de uma cobertura totalitária em comunicação social e ao voluntariado de jornalistas da imprensa estatal através de programas de reconstrução, programa de serviços e programa de entretenimentos tudo está colorido de spots e slogans do MPLA. Estes são os fortes indícios de desigualdade concorrencial, favoritismo desproporcional quer em acesso a imprensa quer em uso de recursos financeiros paralelos aos financiamentos públicos e consequentemente antecipa o espectro de um MPLA vencedor dispensado de jogar.  Portanto, eleições não-democráticas.

6. Os dados do registo eleitoral estão arrecadados no celeiro eletrónico para serem aí confrontados com o voto material do eleitor. Pelos indícios de inferioridade moral das instituições públicas angolanas, inferiu-se que o Ficheiro Informático Central do Registo Eleitoral (FICRE) deveria ser submetido a uma auditoria externa, para se apurar sua idoneidade documental. Supostamente, realizou-se alguma auditoria de que nem os partidos políticos concorrentes, nem a sociedade eleitoral idónea, se apercebeu de que tenha, de facto, havido alguma auditoria credível. Assim, nem o relatório da auditoria, nem os testes e a certificação da integridade dos programas e dos sistemas de transmissão dos resultados, nada é conhecido pelo público e pelos partidos que são parte mais interessada do processo maduro. Só assim é que se explica que, os dados do FICRE faltando 15 dias para o voto são tão insondáveis como os planos de Deus. Ninguém sabe o que lá contém e ninguém sabe o que advirá dele. Assim, a CNE está a obrigar a que a Nação Angolana adivinhe o que está no FICRE e nós adivinhamos: o FICRE contém dados de pessoas vivas e mortas e ambos classificados como eleitores idóneos, até melhor opinião ou provas ao contrário. Estes são fortes indícios de dúvidas: se os votos que elegerão o Presidente da República, o seu Vice-Presidente e a Assembleia da República são votos dos angolanos idóneos ou votos decididos pelas máquinas eletrónicas, salvo a leitura pública do relatório de auditoria. Portanto, eleições não-democráticas.

7. Os Cadernos Eleitorais, conterão os nomes dos eleitores e serão provavelmente colocados sobre as mesas das Assembleias de Votos. Aqueles que sabem ler terão acesso e o universo de eleitores iletrados entre às apalpadelas serão-lhes induzidos a votar onde é possível. Para além dos cadernos eleitorais não terem  sido aprovados numa revisão com justeza, precisão, concisão, correcção e decisão públicas  e credíveis. Sem uma monitoria, fiscalização, observação atenta; os cadernos eleitorais, para os iletrados serão usados como factor de exclusão eleitoral, porque muitos eleitores irão para as Assembleias de Votos e se dirigirão à mesas cujos cadernos não constam seus nomes e serão excluídos de votar. Portanto, eleições não-democráticas.

8. Para as eleições credíveis, transparentes, democráticas, exige-se vários métodos de contagem e apuramento de resultados sintetizados em duas vias: 1 formal e 1 informal ou paralela. Portanto os delegados de listas, os fiscais de partidos políticos em suas agendas devem ter acesso a toda informação básica que ocorre nas Assembleias de Voto e devem constar das actas  e finalmente da ACTA SÍNTESE cujas copias, devem ser tiradas e fornecidas na primeira oportunidade, exactamente no local do voto que é a Assembleia de Voto. Implica que haja meios de transmissão de resultados de forma totalmente fiável. Os conflitos decorrentes da interpretação das acções nas Assembleias de Votos devem ser colocadas nas Actas, ao detalhe e os elementos dos partidos políticos da oposição devem ter acesso incondicional às suas cópias na primeira hora para lhes permitir fazer contagem paralela e recontagem. Porém, a CNE e outras entidades manifestamente implicados no processo (INDRA) não mostram qualquer interesse em criar as condições, quando faltam 15 dias e supõe-se que as Actas irão ser movimentadas de um lugar para outro. Para o mais atento observador, a falta da divulgação de uma auditoria ao Ficheiro Informativo Central do Registo Eleitoral (FICRE) liga-se à inexistência de garantias de concessão das (9) nove actas sínteses nas Assembleias de Voto aos fiscais dos partidos políticos concorrentes, liga-se a fraca transparência na gestão eleitoral, liga-se à falta de correcção dos enventuais erros nos cadernos eleitorais, com o manifesto propósito de abalar gravemente os pilares da transparência, justiça e verdade eleitoral; o que evidencia claros indícios de fraude e manipulação da informação e divulgar resultados por conveniência e vantagem de uns em detrimento doutros. Este factor gerará desconfiança e as actas são os únicos instrumentos viáveis de informação material das Assembleias onde o voto tem lugar. Quanto ao resto será considerado indirecto e por conseguinte desinteressante na justiça e transparência eleitoral. Portanto, eleições não-democráticas.

9. Não existe, pelo menos visível, harmonia e sinergia programática, prática e interactiva entre a Comissão Nacional Eleitoral e o Tribunal Constitucional. Este é o órgão, por definição indicado, competente para a materialização da justiça eleitoral. Aquele é o executor da administração eleitoral. A distância entre estas duas Instituições é estrada aberta para se sonegar a justiça eleitoral. Para o interesse da Justiça, democracia, direitos e uma eficaz resolução de possíveis conflitos eleitorais (contencioso eleitoral) a CNE deve incondicionalmente aceitar que no Estado de Direito é a Lei, corporizada nos Tribunais, que deve Governar e não a opinião de quem mais tem poder material coercivo ou balança de poder favorável.

10. Embora, institucionalmente, a CNE se apresente como um Órgão isento, imparcial e independente, montou um cenário burocrático de acreditação dos observadores eleitorais da sociedade civil e da mídia internacional e até nacional totalmente estranho à lei e à democracia. A continuar assim, temos sérias dúvidas, se este processo interessa à justiça eleitoral e consequentemente a democracia. Concretamente, registamos um processo de credenciamento dos observadores nacionais e internacionais, extremamente lento e limitado com clara tendência de excluir a sociedade civil e as instituições verdadeiramente democráticas como a mídia privada e internacional. O que fragiliza a capacidade de observação independente e credível do processo eleitoral, consequemente, impor-se à nação o acto e resultado eleitorais sem justiça e verdade eleitoral. Portanto, eleições não-democráticas.

11. É caso para lastimar que a muitos jornalistas estrangeiros é negado o visto de entrada em Angola. Aos jornalistas nacionais, o credenciamento é selectivo e com pré-indicação sobre o local de cobertura, fora do interesse editorial do seu orgão de informação. E que logisticamente inviabilizará muitos jornalistas ir ao lugar que a CNE exige que o jornalista, sem interesse profissional e conteúdo atraente de trabalho que se fixasse lá.

Por todos os pontos apresentados nesta síntese, que representa a vontade suprema de uma maioria de eleitores de todo o País, somos a reiterar que as eleições justas, transparentes, democráticas, com resultados verdadeiros e justos que representem realmente o que o eleitor consciente pensa, sente, vive  e quer para o seu futuro,  irão depender grandemente da vontade de cada Angolano em fiscalizar o outro Angolano e denunciar os actos dos maus cidadãos que querem com este processo não democrático, perpetuar no nosso País a cadeia eterna de injustiça e exclusão total na relação de poder governativo e no usufruto de direitos a uma vida decente para todos, absolutamente todos os filhos desta Pátria querida, por isso,  desde que angola é Angola, façamos uma coisa justa e séria pelo menos desta vez.

Luanda aos 14 de Agosto de 2012

A Coordenação do Grupo de Reflexão da Sociedade Civil sobre o Processo Eleitoral

Angelo Kapwatcha