Luanda - Praticamente está terminado o período de campanha eleitoral com vista à realização das eleições em Angola no próximo dia 31 de Agosto.


Fonte: Club-k.net

Em países onde a democracia e as eleições são processos levados com seriedade e responsabilidade políticas, o período de campanha é marcado fundamentalmente com apresentação, divulgação e discussão dos Programas dos partidos políticos candidatos. Neste período, o papel da imprensa é fundamental na promoção do pluralismo de opinião, na cobertura das atividades dos candidatos e na promoção do debate contraditório. Infelizmente, e mais uma vez, em Angola foi diferente!


A mídia pública tornou-se mais um meio de insulto, difamação e ultraje dos líderes da oposição e membros da sociedade civil, que pensam diferente as políticas do atual partido governante. O papel desempenhado pela TPA, Jornal de Angola e RNA foi contra a própria noção de serviço público dos MCS prevista na Lei de Imprensa, e lamentável para o amadurecimento do nosso processo político que se pretende democrático.


Mas, será tão importante a divulgação, discussão e debate dos programas eleitorais durante o período de campanha? Será que os cidadãos vão votar mesmo com base nos programas apresentados pelos partidos políticos?


Alguns analistas políticos, disseram que em 1992, a maioria dos cidadãos não votou com base nos programas eleitorais, mas sim olhando para experiência que viveram no período de guerra e na filiação partidária. Naquele período, tornou-se popular o dito: « Entre votar no gatuno e no assassino, quem escolherias?».


Era mesmo uma visão ingénua e inocente! Só quem não conhecia a nossa história desde 1974 até 1992, se deixou levar por aquela análise maniqueísta.

Em 2008, apesar terem sido apresentando os programas, voltou-se a apresentar o qualificativo do voto nas análises dualistas: guerra e paz, bom e mau, capaz e incapaz, santo e pecador (até nas igrejas). E os resultados saídos das urnas, nem sequer foram produto da persuasão dos cidadãos com base nos programas eleitorais.

Em 2012, na minha modesta opinião, a experiência não será diferente! Os partidos apresentaram os seus programas, mas os discursos foram quase os mesmos. Até os comentaristas e articulistas políticos escalados na RNA, no Jornal de Angola e na TPA não mudaram de análises, perspectivas e mentalidades.

Na verdade, os qualificativos do voto em 2012, serão o clientelismo, o populismo, o siglismo e por último o voto-cidadão (consciente e livre).

Para Milton Santos, «Entenda-se por clientelismo, o movimento que confunde o ato de votar com a afinidade pessoal, diretamente criada, por herança, por motivo de gratidão ou interesse, sobretudo, mas também por outras razões menos íntimas, como as afinidades éticas, estéticas, gremiais. (...) O Populismo tem por base agradar o eleitor pelas mais diversas maneiras, com promessas de mudanças, setoriais ou localizadas, exercendo, dessa forma, um aliciamento dirigido a grandes grupos de pessoas, às vezes parcelas consideráveis de massas. Uma promessa aqui e outra ali, segundo peculiaridades do lugar ou dos seus habitantes, podem comover multidões, sem, todavia, obrigar os candidatos e partidos a oferecer um programa coerente (...).  O Siglismo  é mais disciplinador, mais exigente de centralismo ou coerência. Um sistema de idéias ou princípios pode substituir um esforço programático sistêmico. Às vezes até, este é menos propício ao levantamento de uma bandeira. E esta é indispensável como palavra de ordem, como elemento de imantação, como garantia de coesão e sobrevivência do grupo». (MILTON SANTOS. O Espaço do Cidadão. 7.ª ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007, p. 93-96).

No nosso caso, o clientelismo tem se manifestado no voto baseado na afinidade pessoal, familiar e étnica, no compadrio, no agradecimento por quem nos deu roupa, catana, enxada, bicicleta, carro, casa e outros bens de consumo ou de trabalho, na esperança de uma promoção no ministério ou na direção da escola, e na compensação financeira. Por exemplo, as informações que circularam na imprensa segundo as quais alguns membros do MPLA terão exigido compensações para aceitarem a candidatura da Manuel Vicente na segunda posição da lista do partido; e as facilidades que alguns comentaristas políticos destacados e professores estão a obter no acesso ao crédito são sintomas desta realidade.

No caso do populismo, todos nós sabemos que muitas promessas feitas nos programas de alguns partidos não passam mesmo de meras promessas e só estão a ser feitas para comover e enganar os cidadãos.  Por exemplo, dizer que haverá melhor distribuição (...), sem haver um programa coerente e pragmático de combate ao enriquecimento ilícito e ao nepotismo, é enganador. Do mesmo modo, dizer que se vai aumentar o salário mínimo nacional a USD 500, no atual contexto da economia angolana, também é enganador.

No caso do siglismo, é visível a aceitação cega de lideres, tidos como insubstituíveis e omniscientes, como sendo os únicos capazes de levar o país para o cominho certo. Com esta tática e estratégia, encobertas na excessiva obediência partidária, são levados também muitos intelectuais e professores universitários. 

Por último, o voto-cidadão é baseado no exercício livre e consciente do direito de voto, antecedido de estudos e debates dos programas, sem intimidações nem manipulações, olhando para o futuro e não para o passado. Nesta perspectiva, a sociedade angolana está geograficamente dividida: Luanda, Benguela, Huíla, Cabinda e um pouco Huambo possuem votos mais esclarecidos; as restantes províncias são paraísos eleitorais, do ʺvoto de cabrestoʺ, com eleitores seguindo cegamente o político ou os simples cabos eleitorais (Milton Santos). Embora não existam estatísticas e sondagens profissionais, é um dado certo que o voto-cidadão, o voto esclarecido ainda  não terá peso na percentagem de voto no próximo pleito eleitoral,  prevalecerá ainda o ʺvoto de cabrestoʺ.

Construamos cidadania!    

António Ventura (Jurista)