Todos que apostámos em mergulhar na aventura das eleições angolanas, pretendíamos, simplesmente, contribuir para a humanização do mundo político angolano. Assim, poderíamos ter, doutro lado, uma elite diferente, capaz de nos olhar com a dimensão do ser, ipso facto, homens e não coisas, que podem marginalizar, arrancar o pão da boca; encerrar em calabouços nauseabundos, torturar com interrogatórios prolongados, condenar a penas máximas e àquela capital nas profundezas da noite, proibir até de ir colher a sacafolha nas lavras; expor à irrisão nas fronteiras e, finalmente, com o eterno «wanted», procura-se.

Tudo está consumado. Podemos ir, por isso, serenamente, revisitar todo o processo e tirar as devidas ilações. Sei que a minha versão dos factos é, para muitos, não isenta de suspeitas. Quero, no entanto, correr este risco já que todos aqueles que nos vilipendiaram por que achávamos e achámos que devíamos participar naquelas eleições foram os primeiros a pronunciarem-se sobre as ditas eleições.

AS ELEIÇÕES

Quem esteve, de fora, política e psicologicamente, pretendeu, antes de tudo, no dia das eleições, ver o povo binda ausente das mesas de voto. Quem esteve também geograficamente de fora, lendo pelos sites, fez a sua leitura a partir do «dito», mas não teve alma nem capacidade para uma análise isenta. Falam de abstenção e de boicote em massa do povo de Cabinda. Estas duas atitudes são interdependentes, porque os primeiros «ausentes» alimentaram a parcialidade e o ridículo dos pronunciamentos dos «ausentes» territorialmente. Estes pretenderam, deste modo, caucionar a «atitude contra», aliás legítima, dos primeiros. Reflictamos, contudo, serenamente como decorreram as eleições. Paula Roque, analista e observadora no Huambo e Luanda, afirma: «As eleições legislativas angolanas de sexta-feira e sábado foram "viciadas" desde o início pelo partido no poder, razão pela qual se pode compreender a esmagadora vitória do MPLA» (cfr. in Lusa 09/09/2008) Explica, depois: «Os sobas (chefes do poder tradicional) estavam estruturados, os (agentes dos) serviços de informações espalharam-se pelo país para criar o medo, os apoiantes do MPLA foram muito agressivos em relação à oposição», (ibidem).

AS ELEIÇÕES EM CABINDA.

Elas, tendo em conta o visto por nós e o relatado pelos observadores, podem ser resumidas deste modo: busca vergonhosa de congoleses, transporte despudorado de militares; pressão descarada dos mesmos sobre os populares (p.e. nas zonas do interior como Lites e Katabuangas); invalidação pura e simples de mesas de voto (p.e. no Malongo); urnas de casa em casa (p.e. no Malembo) e decisão administrativa dos deputados: «O resultado final das eleições legislativas de Setembro em Cabinda também foi achado através de métodos considerados artificiais; p ex, a distribuição inicial de 3 eleitos para o MPLA, 2 para a UNITA, a qual já tinha sido apurada por meio de manipulação do escrutínio, foi alterada para 4-1 por imposição in-extremis″ (Cfr. in AM, Ano III, nº315, 30/Set/2008, p. única). Ana Gomes, deputada europeu do PS português, resume deste modo toda a questão: «Um processo transparente – eu concordo: transparente até nos comportamentos abusivos, desleais e desiguais observados na competição» (Cfr. In blog causa-nossa, 17/Set/2008, p.14).

Este é o testemunho dos que estavam connosco «presentes». Por isso, concluímos que a nossa aventura em desafiar «Golias» saldou-se numa retumbante vitória. Se não fosse assim, não continuariam a perseguir-nos nem a condenar inocentes, (Fernando Lelo), e os triunfantes não se envergonhariam de fazer festa pela vitória. Todos os «presentes» e até alguns «ausentes» sabiam que, para o Mpla, Cabinda era o grande desafio. Falava-se preferir perder em todo o lado do que em Cabinda. Estava, no entanto, sereno por saber que o cabinda não ia votar. Ao proclamar-se a necessidade de votar, o Mpla perdeu as estribeiras e com ele todo o aparelho. O Sinfo iniciou a sua cruzada de contra-informação. Quantas vezes, Chicaia e Danda foram abordados com ameaças ou com promessas de mil e uma noites?

POSSÍVEIS CONCLUSÕES.

Este cenário, pensava eu, devia dar azo a um consenso pós eleitoral entre os principais actores da resistência cabindesa. Isto não aconteceu. Se antes houve um tufão, depois, está a dar-se, infelizmente, um autêntico e incompreensível «tsunami babélico». Todos os pronunciamentos vão no sentido de condenar os que votaram e pensam ter a verdade e toda ela, sem nunca se interrogarem das atitudes agressivas a rondar o cooperar com as mentiras espalhadas pelo Sinfo e sem programa alternativo. Quem tem razão? Os que pediam o voto ou os contra? Este povo, que todos pensamos defender, e muitos dizem ser maduro, foi votar, em massa e com a esperança de gerar um outro panorama, passível de mitigar trinta e três anos de padecimento. Neste sentido, o povo não seguiu a mensagem do boicote e nem nós, talvez, fôssemos capazes de o deter tal era a confusão reinante. A posição, em consequência, mais lógica seria respeitar a vontade do povo, reconhecendo, com humildade intelectual e patriótica, a estratégia de votar, com os seus naturais quiproquós. Consequentemente, a tão propalada falta de unidade não é outra coisa que a secular incapacidade dos cabindas em aceitar que alguém, em determinado momento, tenha mais voz, presença e força que todos os outros. Isto por dois motivos: primeiro, a nossa pequenez geográfica leva-nos psiquicamente a um permanente mútuo acotovelar-se, procurando maior espaço, protagonismo, sem olhar a meios. Segundo, a nossa tradição histórica, fundada nos Tratados e numa filosofia da realeza, torna-nos mui propensos ao poder e ao mando, mas sem querermos sofrer. Daí a própria cultura chamar atenção: «mpákasa kafuîli ko, m’kotokóto u Mf’úmu buâla» (A pacaça ainda não foi morta e o pescoço é já para o chefe). Em conclusão, ninguém perdeu, mas todos, agora, podemos aproveitar a vitória ao potenciarmos este momento para relançarmos outras estratégias para resistir. Algo tenho fé ter alcançado: o nos termos imposto, cá no interior, como força política que o povo escuta e segue e, desta feita, aceitarmos o desafio de um «referendo», porque sei que o povo vencerá, sem dar a cabindanidade, de bandeja, a militares das FAA, congoleses e outros. A identidade não se transacciona.

IN MEMORIAM RERUM

Ana Gomes, enfim, lança-nos este repto: «Um acordo que parte substancial do povo cabinda compreendeu e apoiou, dando assim à UNITA um resultado que não teve em mais parte nenhuma, em troca da perspectiva de os cabindas passarem a ter no parlamento angolano os seus próprios porta-vozes. Um acordo que resulta, assinalo, da aposta dos cabindas mais críticos de Luanda no processo democrático. É por isso que estes resultados de Cabinda não são apenas uma oportunidade para os cabindas: espero que sejam uma oportunidade a não desperdiçar pelo MPLA. Para definitivamente afastar os cabindas da luta armada, corrigindo as políticas de negligência, repressão e discriminação que estão na base do ressentimento dos cabindas. O MPLA pode ter, até aqui, conseguido dividir os cabindas, incluindo a Igreja de Cabinda (com vaticana ajudinha, claro...), pode ter gasto milhões e milhões nas estradas, escolas, hospitais etc., lançadas no último ano, e mais milhões na compra de votos, e ainda mais milhões e milhões em soldados, polícias e seguranças enxameando Cabinda. Mas claramente nada disso serve para ganhar as cabeças e os corações dos cabindas. Só apostando realmente no diálogo democrático é que Angola – e o MPLA no poder – podem resolver de forma duradoura o problema de Cabinda.» (ibidem)

E, enquanto esperamos de um modo activo por estas boas vontades, acredito na também representatividade do nosso DANDA, sem tirar à Flec o seu lugar, como pretendem fazer transparecer os nossos detractores. A história será o nosso maior juiz. Veremos qual o meio preferível para chegarmos à autodeterminação: «melhor partir que vergar» ou a filosofia do rio, que chega ao mar, contornando as altas montanhas. Compreendo. O tempo já vai longe. Alguns já estão cansados e desesperam. Uma espécie de desorientação colectiva se vai impondo. Por isso, muitos dobram-se, vendem-se, traem, regressam e entregam-se. Outros, no entanto, só vão atrapalhando, porque há muito que falta ao Cabinda, algo visível que o congrega, orienta e anima no seu rumo em busca da sua total emancipação.

Jorge Casimiro Congo
 
Fonte:  PNN Portuguese News Network