Entre os dados em que se baseiam as conclusões de falta de consonância entre a situação militar e a realidade política avultam os seguintes, relacionados com as recentes eleições legislativas no país:
- A população demonstrou notório alheamento em relação ao processo eleitoral, em todas as suas fases.
- O grosso dos votantes foi constituído por funcionários públicos, polícias e militares estacionados no território; referenciadas acções organizadas de transportes de eleitores oriundos de Ponta Negra.

Os principais chefes militares angolanos têm uma visão aproximada da situação. Consideram concluída, nos seus objectivos operacionais imediatos, a missão de pacificação do território – a seguir à qual se passou a uma fase de “consolidação do sucesso” (quadrícula territorial/controlo fronteiriço/dispositivo de patrulha).
O seu balanço da situação geral no território também considera que a “consolidação do sucesso” depende igualmente do lançamento de medidas de política interna, embora na sua visão das coisas a ausência de tais medidas ou lentidão na sua concretização não sejam considerada tão críticas como nas avaliações externas.

2 . Esporadicamente continuam a ocorrer no território, em especial a N, acções armadas reivindicadas pela FLEC. O parecer dos comandantes militares em Cabinda (AM 283) é o de que tais acções, de natureza furtiva, são de prevenção impossível enquanto a população mantiver uma atitude cooperante ou dúplice em relação à FLEC.
O distanciamento e/ou a aversão que a população autóctone do território cultiva em relação às autoridades, é alimentado por factores como os seguintes:

- Ambiente de tensão permanente; as autoridades são em geral arrogantes/propotentes no tratamento dado aos autóctones; aparentemente, resguardam-se assim de pretensas ameaças ou desconfianças representadas pelos nativos; estes sentem-se desconsiderados e ofendidos.

- Políticas/práticas de opressão; a Polícia, o Sinfo e mesmo os militares empregam métodos considerados violentos na forma como lidam com casos de suspeita de lealdade da população; a explicação oficial de que se trata casos isolados é esvaziada por constatações segundo as quais é seguida uma linha de sistemática intimidação, da qual fazem parte episódios como a recente prisão/julgamento do jornalista Fernando Lelo.

- Marginalização social; entre os principais empresários estabelecidos localmente não há nenhum originário de Cabinda – são de Luanda ou estrangeiros; o fenómeno é visto como manifestação da desconfiança das autoridades em relação aos autóctones (calculada para obstar a que empresários locais criem riqueza e venham a usar a mesma para apoiar a FLEC ou a causa separatista); idem em relação a altos funcionários da administração ou instituições do Estado.

É voz corrente na população que as autoridades não se aplicam na construção do porto de Cabinda (projecto em vias de execução no fim da época colonial) nem no melhoramento do aeroporto (rumores de que foi recusada uma oferta de financiamento da Chevron), tudo com o fito de impedir que o território tenha vida própria.

3 . O Memorando de Entendimento não só não representou uma solução política para a questão de Cabinda como, por efeito das suas contradições, agravou a situação – objecto de indiferença internacional; a principal debilidade do acordo é a atitude de desconfiança do Governo em relação aos cabindas que está presente no seu conteúdo.
Os subscritores do Memorando de Entendimento, incluindo Bento Bembe, foram coagidos e/ou aliciados e muitos deles não são cabindas genuínos; a “manobra”, como o Memorando de Entendimento é conhecido, não mereceu por isso a aceitação da população nem da elite – incluindo a comprometida com o regime.

O sentimento considerado “colectivo” de que as autoridades têm uma atitude de permanente desconfiança em relação à população de Cabinda é agravado pela ideia, também generalizada, da existência de políticas de desidentificação/desaculturação da população originária, através de medidas como a fixação no território de outras etnias, de modo a alterar a sua demografia.

4 . Os scripts da campanha eleitoral do MPLA para Cabinda excluíam qualquer referência a promessas de futura autonomia do território (ao contrário da FpD e da UNITA); o facto é visto como reflexo de uma antiga posição do regime de rejeitar qualquer solução autonómica para o territórios (por alegados riscos de secessão).
O resultado final das eleições legislativas de Set em Cabinda também foi achado através de métodos considerados artificiais; p ex, a distribuição inicial de 3 eleitos para o MPLA, 2 para a UNITA, a qual já tinha sido apurada por meio de manipulação do escrutínio, foi alterada para 4-1 por imposição in-extremis.

Em lugar de uma autonomia, vista como início de uma espiral capaz de tornar Cabinda independente, o regime do MPLA, legitimado pelo resultado eleitoral, prefere um “reajustamento” do Memorando de Entendimento que não o altere em substância, mas que lhe transmita mais credibilidade e por essa via melhore a sua aceitação.

O que se prevê venha a acontecer a breve prazo (AM 300) é o apagamento e/ou secundarização dos subscritores cabindas do Memorando de Entendimento, paralelo a um envolvimento no mesmo de personalidades cabindas mais prestigiadas e ao o lançamento de convincentes planos de desenvolvimento do território.

Fonte: Africa Monitor