Luanda - Mais de dez professores do Colégio Misericórdia viram-se impedidos de continuar com as suas funções, terça-feira, 25 de Setembro, por terem reclamado o salário completo do mês de Agosto. Os afectados revelaram também existir na direcção da escola a intenção de os despedir. “Nós chegámos aqui na terça-feira e encontrámos um comunicado que dizia que os salários dos professores seriam reduzidos à metade, porque não trabalharam, estavam de férias.

Fonte: O País

Ficámos descontentes, queríamos, pura e simplesmente, fazer chegar um documento ao nosso Presidente do Conselho de Administração (PCA), mas, postos na secretária para o efeito, fomos barrados”, relatou Edson Carlos Ferreira da Costa, de 23 anos de idade, professor de Desenvolvimento Económico Social e Economia, tendo adiantado que logo a seguir, lhes foi ditada uma suspensão temporária que deverá evoluir para a expulsão.

Desde a última semana do mês de Julho até ao dia sete de Setembro as aulas foram interrompidas por causa da preparação e realização das eleições de 31 de Agosto de 2012. Com isso, as escolas abriram as portas aos alunos apenas a 10 de Setembro, o que perfez cerca de mês e meio de paralisação.

Apesar de em nenhum momento o órgão reitor do ensino ter vindo a público para obrigar os colégios a procederem ao pagamento dos referentes salários aos seus professores, também não os proibiu de cobrar as respectivas propinas, o que, por si só, responsabilizaria estas instituições do ensino particular a cumprirem com um dever tido como consequente. “Se os alunos e encarregados de educação pagaram as propinas na íntegra, qual é a solução que a nossa entidade patronal sustenta para reduzir o nosso salário?”, questionou Edson Ferreira.

Aliás, foi a gozar desse compromisso de dez meses que os colégios celebram com os alunos, pais e encarregados de educação que a direcção do Misericórdia afixou um aviso de carácter obrigatório, como se reforçou no mesmo, chamando a atenção dos alunos para pagarem as propinas do mês de Agosto, antes da realização das provas de professor do II trimestre, inicialmente agendadas para entre os dias seis e 10 do referido mês.

O documento, datado de 12 de Julho do ano em curso e assinado ao mesmo tempo pelos titulares da administração e finanças, secretaria e direcção pedagógica, respectivamente Michel Paulo, Fernando Eduardo e Nicolau Paulo, referia ainda que quem não pagasse a propina do mês em causa, não faria as provas.

Para espanto do professor Edson ferreira e de outros colegas, tidos como docentes não comparticipados, o documento emitido a 24 de Setembro de 2012 pelo Gabinete do Presidente do Conselho de Administração do grupo Misericórdia, associação empresarial a que pertence o colégio com o mesmo nome, o teor do ponto quatro aludia estarem salvaguardados os dias úteis anteriores à interrupção, os quais deveriam ser remunerados, tão logo se revissem as devidas condições.

“Face a tudo isto, a direcção do Grupo Misericórdia, considera salvaguardados os dias úteis que antecederam a paralisação do mês de Agosto e que deverão ser remunerados logo quanto se termine um trabalho técnico que está a ser levado a cabo” assegura o comunicado, que no seu ponto anterior sublinha o facto de o a instituição não ter conseguido reunir finanças devido a interrupção.

Nesse caso, aos docentes não comparticipados do Colégio Misericórdia seria paga apenas a primeira semana de Agosto, segundo calculou o interlocutor, uma situação pela qual não passariam os professores comparticipados por estes dependerem do Ministério da Educação (MED), no que aos vencimentos diz respeito.

Por isso, Edson Ferreira classificou de autêntica roubalheira a decisão da direcção da escola, ao ponto de considerar de infundados os argumentos citados no segundo ponto, em relação à categoria do docente não comparticipado. “Os professores não comparticipados gozam de um regime de trabalho por tempo útil de serviço, prestado. isto é, só existem entre as partes responsabilidades de trabalho efectivo, aonde a remuneração é igual a um (1) tempo lectivo multiplicado pelo  equivalente a cinco dólares norte-americanos, o que implica não haver nenhuma responsabilidade por qualquer paralisação fora da responsabilidade dessa direcção”, lê-se no documento.

Foi por causa disso que o Edson Ferreira e outros não comparticipados Acharam por bem formalizar uma reivindicação, a fim de evitarem receber um préstimo correspondente ao de uma semana de trabalho.

O queixoso reconhece o facto de a paralisação não ser da responsabilidade da direcção da escola, nem dos professores, porém lembrou que já haviam acertado com o subdiretor do colégio para não se marcar falta em Agosto, uma vez que haveria uma interrupção forçada.

Realçou ter ouvido pela rádio abordagens sobre a obrigatoriedade de alunos, pais e encarregados de educação pagarem as propinas do mês das eleições, o que, em seu entender, cobrava a obrigação aos dirigentes das instituições do ensino particular de assalariar os seus funcionários.

“Senão o Estado também teria descontado aos docentes das escolas públicas”, ironizou, questionando se as leis da educação, em vigor, já não têm peso. Questionado se ele e outros insatisfeitos com a situação tinham qualquer projecto de reclamação oficial, Edson informou que estava em curso um documento do género, tendo mostrado uma lista de assinaturas.

“Tentamos fazer a formalização, só que na Quarta-feira, 26, houve tolerância de ponto. No dia a seguir voltámos para trabalhar, mas recebemos a informação de estarmos suspensos”, contou, adiantando que exigiram uma suspensão por escrito, para se evitarem palavras contra palavras, de forma oral.


Silêncio da direcção

Até ao último dia de aula do mês de Setembro, não havia um documento a oficializar a suspensão dos funcionários não comparticipados, nem havia acontecido uma reunião de esclarecimento. Para agravar a situação, os professores lesados aperceberam-se de um processo de contratação de novos docentes.

Edson Ferreira deu a conhecer a este jornal que, embora suspensos, ele e os seus colegas estavam sempre a marcar presença na escola, tendo considerado de ilegal e irresponsável a contratação de outros quadros do ensino, uma vez que nenhum dos supostamente dispensados tinha acusado um acto de abandono, muito menos recebido qualquer rescisão de contrato.

Nesta altura, um membro da direcção do colégio, que seguia atentamente a entrevista com aquele que já se considerava como vítima privada do salário de Agosto, reagiu dizendo que” Se é dinheiro que eles querem, vão receber e a direcção não quer mais saber de vocês”.

Françony Frederico não acredita que uma nova contratação de docentes venha a beneficiar os alunos, numa altura em que se avizinha o final do ano lectivo, isto para além de também considerar a decisão da direcção como precipitada. “Ao pedir novas candidaturas à entrada do mês de Outubro, eles nem sequer estão a velar pelo lado dos alunos”, afirmou.

Sobre a resistência da direcção em pagar o salário referente ao mês de Agosto, Frederico disse que a sua instituição deveria seguir o exemplo de outras da cercania, que, a seu ver, fizeram a devida leitura dos seus compromissos com um público familiar. Como Edson Ferreira, Françony Frederico, gostaria de ver a sua suspensão por escrito para começar a pensar num recurso legal.

Por sua vez, o professor Ismael criticou também a posição da direcção em contratar novos docentes, pois, para ele, os alunos verão o seu desempenho bastante afectado. “Quando se muda de professor, os estudantes são os mais prejudicados, porque precisam sempre de um tempo para se habituarem a novas metodologias de ensino”, reparou Ismael, que se mostrou disponível a dar o seu lugar, caso as entidades directivas achem conveniente.

Já Ngola Gaspar NGongo, professor de Física e Matemática há três anos, não está na condição dos não comparticipados, mas apresentou-se solidário com os seus companheiros de trabalho. “São meus colegas, por isso devemos estar unidos para discutirmos essa realidade”, disse, fazendo fé de que a situação venha a encontrar uma solução que beneficie tanto a direcção, como os funcionários do colégio.

Desde que está nesse estabelecimento de ensino é a primeira vez que nota um caso desta natureza, por isso apela aos seus superiores hierárquicos que atendam imediatamente a reclamação dos direitos dos trabalhadores, aliás, é isso que defendeu Agostinho Paiva, outro professor lesado, que, valendo-se de seus conhecimentos de ciências jurídicas, recusou-se a falar, tendo adiantado apenas que “embora já haja muitas irregularidades no processo, estou a espera de uma formalização por parte da direcção, para eu reagir à luz da Lei Geral do trabalho e da Constituição da República.