Luanda - Em mais uma semana de declarações no tribunal, Augusto Viana Mateus, testemunha principal no caso Quim Ribeiro, reforçou as acusações, a maioria delas já públicas,  contra o seu antigo superior hierárquico. A diferença é que, desta vez, o antigo director do gabinete do Comissário Joaquim Vieira Ribeiro e também comandante de divisão de Viana da Polícia Nacional detalhou os momentos em que terá recebido a ordem para matar Domingos Francisco João, ou Joãozinho como também era conhecida uma das vítimas.

Fonte: A Capital

Foi numa quinta-feira qualquer do recuado ano de 2010, segundo contou Augusto Viana. A testemunha lembrou que, no dia em referência, foi chamado de emergência ao gabinete do comandante provincial da Polícia de Luanda. O comissário Joaquim Ribeiro, o então titular do cargo, olhou-o nos olhos e expressou-se, segundo relatou Viana, nos seguintes termos: Doutor Viana, neste fim de semana vai ter que linchar o Joãozinho, vamos ter que lhe retirar da jogada”.

Nas suas declarações em tribunal, ele referiu que ficou perplexo ao ouvir tal ordem do seu comandante. E ousou perguntar, conforme relatou: “mas comandante, o homem não sabe de nada, porquê vamos matá-lo?”.  Face a aquela que parecia, aos olhos de Viana, uma decisão incontornável, o seu interlocutor foi peremptório: “Doutor Viana, temos que lhe tirar da jogada, e mais nada”.

Ao contrário do burburinho habitual, no momento em que Viana prestava tal depoimento, a assistência ficou em profundo silêncio, enquanto os réus fitavam, seriamente, a testemunha que falava agora sem parar. Ele disse, ainda, que não queria acreditar no que ouvia do seu comandante. De si para consigo, ainda pensou “este senhor está a ficar maluco”.

Segundo relatou, depois de sair do gabinete do comandante provincial, Augusto Viana procurou o seu adjunto no comando provincial de Viana a quem contou sobre a conversa mantida com o chefe de ambos.  Do colega, ouviu o que ele esperava ouvir: “Viana, tu tens família, não deves fazer isso”. Viana, segundo o próprio, disse ao colega por sua vez: “nem precisas me dizer isso, porque esse é daqueles pedidos que não se cumprem. Também, não estou na Polícia para matar colegas”.

Desde então, encetou uma série de diligências para se precaver. A primeira de todas, foi localizar um agente da Polícia que residia próximo da casa de Joãozinho. Ao agente foi apresentado por um colega. Aflito, ele disse que contou, ao agente, sobre a ordem que recebeu do comandante. “Mas disse-lhe que a acontecer algo ao Joãozinho, a minha vida estaria tramada porque ele me fazia acusações”, quanto à orientação do comandante, Augusto Viana Mateus disse ao agente que não tencionava cumpri-la. “Mas tem outras pessoas que aceitariam fazê-lo”, insistiu ao agente a quem deixou ainda o recado: “qualquer coisa me avisa”.

Mas ele referiu ainda que não se ficou por aí. Reuniu toda a sua família, a quem explicou sobre a directiva superior então recebida. Dos seus familiares, ouviu o conselho para que a ordem jamais fosse cumprida.

E assim se passou o fim de semana, segundo Augusto Viana Mateus, durante o qual a ordem não foi cumprida. Nas primeiras horas da manhã da segunda-feira seguinte, disse ter ligado para o comandante Joaquim Vieira Ribeiro a quem mentiu, dizendo que o “servicinho” não foi feito Joãozinho tinha viajado para o Dondo. Minutos depois, “ligou-me o António João” que disse: “então comandante, o basalto viajou. Vamos estar em sintonia e qualquer coisa me avisa”.

Pressão a todo terreno

As acusações directas a Joaquim Vieira Ribeiro foram a parte mais importante do depoimento que Augusto Viana Mateus, enquanto testemunha, prestou no passado dia 08 de Outubro no Supremo Tribunal Militar. Antes de chegar à “ordem para matar” Viana contou sobre dinheiro que recebeu, do seu colega António João, então director provincial de investigação criminal, como tendo sido enviado pelo comandante Joaquim Ribeiro. Foram “75 mil dólares”, disse ele.

Ele revelou que, num certo dia, recebeu uma chamada do seu colega António João a dar-lhe conta de que, em sua posse, tinha um estímulo de  “100 paus” para lhe ser entregue a pedido do comandante Quim Ribeiro, jamais pensou que fossem 100 mil dólares. Mas quando, na verdade, encontrou-se com António João, este revelou-lhe que, do montante anunciado, apenas poderia entregar 75 mil dólares.

Segundo relatou Viana, ele disse que “o comandante teve um imprevisto e retirou 25 mil”. E mais terá dito António João, conforme contado por Augusto Viana, que “se quisesse comprar um carro, o comandante disse para lhe solicitar” não fosse, na altura, o comandante Joaquim Vieira Ribeiro possuidor de um negócio de venda de automóveis.

Em tribunal, Viana disse o que fez com o dinheiro. Comprou um terreno por 50 mil dólares e, o que restou, arrendou uma residência. Lembrou-se, ainda, que dois colegas, Palma e Couceiro, hoje réus presos, também adquiriram terrenos no mesmo local e ainda o criticaram por ter comprado o seu mais caro. Disse ainda recordar-se que, por altura de 2010, quando terminou o campeonato africano de futebol, recebeu uma chamada de Joaquim Ribeiro, a orientá-lo para destruir todas as cópias do auto de apreensão do dinheiro da casa dos Pintinho. “Disse-me para as destruir, pois se um dia fosse surpreendido pela inspecção, ele não teria como me defender, uma vez que, como comandante de divisão, não tinha autoridade para ter, em minha posse, tal documento”. Por esse motivo, referiu Viana, “os destruí”.

Mas ele não foi o único a “queimar provas”. Segundo disse, fê-lo também o réu Sebastião Palma, orientando, como se supõe, por Quim Ribeiro para alterar o auto de apreensão dos bens em casa dos Pintinho. Por exemplo, dos 1 milhão e 80 mil dólares, mandou-se escrever 1 milhão de kwanzas.  Viana Disse que, face a isso, questionou ao Palma sobre o que se estava a passar, ao que aquele respondeu: “são ordens do comandante provincial”. Chateado, Viana contou que “disse-lhe um palavrão por ele não me ter informado”.

Mas aquele episódio serviu, afinal, para que Viana se apercebesse do que realmente se estava a passar. Compreendeu, por exemplo, que os 75 mil dólares recebidos faziam parte do dinheiro retirado na residência dos Pintinho, e não tardou a ter a certeza de que estava, afinal, metido em grandes sarilhos. Foi notificado para comparecer junto da Inspecção Geral do Ministério do Interior. Momentos depois de saber da convocatória, recebeu um telefonema de Quim Ribeiro nos seguintes termos: “então doutor Viana, os teus amigos da inspecção não o deixam em paz? Tens de dizer que são um milhão de kwanzas”, citou. E mais disse Viana que “foi por este motivo que menti na Inspecção e fi-lo também na primeira vez que fui ouvido na Procuradoria Geral da República”.

Augusto Viana Mateus confessou, em pleno tribunal, que mentiu na inspecção do Ministério do Interior e nas primeiras declarações prestadas aos instrutores da Procuradoria Geral da República por ter sido orientado a fazê-lo. Disse, por outro lado, que entregou a esses órgãos documentos “adulterados” que, por sua vez, lhe forem entregues pelo seu chefe para sustentar as suas alegações que faria junto da inspecção. “Entregou-me documentos totalmente adulterados, e eu os entreguei à PGR e à Inspecção do MININT, assim como fiquei com algumas cópias que tenho aqui, em minha posse”.

Mas o cerco apertava-se cada vez mais. As denúncias nas cartas de Joãozinho acusavam-nos do desvio de valores elevados, entre 300 mil dólares, ou de 100 mil dólares e de um alegado sumiço dado a dois cidadãos estrangeiros, mas não dizia nada da operação ilegal realizada em casa dos Pintinho. Numa conversa com Quim Ribeiro, segundo Viana, informou-o sobre a identidade dos denunciantes. Além de Joãozinho havia um colega, identificado apenas como Castro, que o apoiava. Quim Ribeiro, por sua vez, reconheceu de imediato quando lhe foram ditadas as características físicas de Joãozinho que, antes, tinha solicitado transferência para o comando provincial. Quim Ribeiro, segundo Viana, prometeu ter uma conversa com Castro, então visto como aliado de Joãozinho. Foi este encontro que antecedeu a reunião, referida no princípio do texto, na qual Joaquim Vieira Ribeiro, conforme referido pela testemunha, orientou o seu subordinado Augusto Viana Mateus para matar o denunciante Domingos Francisco Joãozinho.

“Foram eles”

Augusto Viana, em tribunal, não teve medo e revelou, na sessão de quarta-feira, 10, os possíveis executores de Joãozino e de Mizalaque. Três meses depois, a ordem de executar Domingos Francisco João ainda estava por ser cumprida. Segundo Augusto Viana Mateus, este facto foi o mote para mais uma reunião com o seu chefe, Joaquim Vieira Ribeiro. Os factos foram assim narrados pela testemunha chave do caso Quim Ribeiro. E assim foi ao longo de toda a semana.

Na quarta-feira, 10, Augusto Viana Mateus contou a sua versão sobre as circunstâncias em que Joãozinho foi morto acompanhado do seu amigo Domingos Francisco Mizalaque. Ao ser questionado pelo Procurador sobre as circunstâncias da morte de ambos os oficiais da Polícia, Viana referiu que uma nova reunião decorreu no dia 23 de Agosto de 2010, por volta das 17 horas. Quando chegou ao gabinete de Quim Ribeiro, já lá se encontrava António João, antigo director provincial de investigação criminal.

Foi neste encontro que, segundo Viana, Quim Ribeiro pô-lo ao corrente das suas ambições pessoais que passavam, necessariamente, pelo posto de comandante geral da Policia Nacional. “O Presidente da República nomeia a partir do mês de Outubro. E eu vou ser nomeado Comandante Geral, mas não posso, para isso, voltar a ser chamado na PGR. Uma das procuradoras me disse que podemos ser novamente chamados em Outubro. E isso não vai ser bom para a minha imagem”, referiu Viana, citando aquele que apresentou como discurso de Quim Ribeiro.

Viana referiu que o seu chefe fazia tais declarações sempre com ares de poucos amigos e foi neste mesmo tom que o então comandante Provincial de Luanda reforçou a ordem anterior. Segundo Augusto Viana, estas foram as suas palavras a propósito: “tão logo o Joãozinho sai da cadeia vocês vão ter que lhe matar, vão ter que lhe tirar fora de circulação”. A resposta imediata veio de António João, conforme citadas por Viana: “não se preocupe comandante, pois temos tudo sob controlo”.

Ao abandonar o gabinete, Viana disse ter comentado com o colega António João. Deixou claro que ele não iria fazer aquilo. Afinal, não era Polícia para eliminar fisicamente qualquer colega que fosse. Aproveitar-se do facto de ter um filho doente pediu uma licença de 30 dias. Foi autorizado por Quim Ribeiro e Viana mais não fez senão rumar para a República de Cuba.

Em Outubro, ainda em Cuba, ligou para um dos seus colaboradores directos para inteirar-se da situação operativa na sua área de jurisdição. Só então foi informado de que Joãozinho, e mais um outro colega dos serviços prisionais, tinham sido assassinados na zona do Zango.

De regresso ao país, recebeu na sua residência  Manuel Inácio e António Galiano Miguel, este último réu preso. Sobre quem matou as duas vítimas contou que eram efectivos da própria polícia, fazendo fé no que lhe foi dito por um dos colegas que o visitaram em casa. “O Galiano me confessou que foram o Paulo Rodrigues, Caricoco e a sua equipa que mataram os malogrados Joãozinho e Mizalaque”, disse e ainda reforçou: “foram vistos concentrados no local”.

Já Manuel Inácio, o primeiro polícia  a chegar à cena do crime, contou a Viana, segundo o próprio, que ao dirigir-se ao local, deparou-se com Paulo Rodrigues, Caricoco com toda a sua equipa reunidos no cemitério municipal. Mas, segundo disse o próprio Inácio, eles fizeram um mau trabalho porque o carro que estava atrás ao deles era do senhor Julinho, efectivo dos serviços de inteligência.

De acordo com Viana, Galiano também lhe disse que, com efeito, mandou recolher os cadáveres para a esquadra 46 sob orientação de Paulo Rodrigues. Este, depois de realizar o servicinho, ainda regressou ao local do crime.

Mas Viana não se ficou por essas consultas. Ouviu ainda o também réu Manuel Couceiro que lhe terá confessado que o mesmo Paulo Rodrigues foi também quem mandou colocar as armas no interior da viatura em que seguiam as vítimas para alterar o cenário do crime. “O Couceiro disse-me que ainda falou ao Paulo Rodrigues para ter cuidado porque tinha muita gente a ver e entre os quais elementos dos serviços da segurança”.

Aquela importante testemunha disse também que o réu Sebastião Palma, dias depois também o procurou com um auto de culpa da Inspecção. Bastante triste, Palma, segundo Viana, dizia que “o Caricoco e o Paulo desgraçaram a minha vida porque mataram o Joãozinho. O caso ficaria em nada se não matassem, apenas ficariam suspensos”.

Augusto Viana Mateus disse também que a equipa estava bem organizada. José Agostinho Matias, agente de 1ª Classe da Polícia Nacional, ficou com as comunicações, isto é a monitorar os passos de Joãozinho. Foi passando as informações para os colegas que estavam no terreno.  Questionado, pelo Procurador, sobre se tinha informações das características da viatura usada pelos assassinos de Joãozinho e Mizalaque, respondeu que sim: “era de marca Hilux, cabine dupla, cor branca”.

Pelo menos seis dos 21 réus do caso Quim Ribeiro recorreram aos serviços de um quimbanda para evitar que o caso, agora em julgamento, não se tornasse do conhecimento público. Quem revelou tal facto foi a testemunha Augusto Viana Mateus que identificou os clientes do “quimbandeiro” como tendo sido o próprio Quim Ribeiro, além de Da Mata, Mito, Lutero, Couceiro e Palma que desembolsaram, para o efeito, um valor global de 20 mil dólares.

O quimbanda disse que, primeiro, o mandante da missão é que tinha de tomar o banho. Como contou Viana, Quim Ribeiro estava acompanhado do filho identificado como Reginaldo Ribeiro, vulgo China. Foi, segundo Viana, o antigo comandante provincial  o primeiro a tomar o tal banho, naquilo que, para a testemunha, equivaleu a uma aceitação de culpa.

Viana disse que a Curandeira passou-lhe com algumas plantas nas pernas e mãos.Numa primeira fase, Quim Ribeiro terá pago 10 mil e os outros nos restantes dias. Mas ao que tudo indica,  de nada valeu, pois o que se pretendia evitar era o momento que os mesmos hoje vivem.

Viana disse estar inocente de  todas acusações que lhe foram feitas ao longo do julgamento, desde a agressão e perseguição ao Joãozinho. Só realizou o referido tratamento porque o seu colega identificado por Grego disse-lhe que, pelo facto de Joãozinho ser natural da provincia de Moxico, o seu espírito “era muito forte” e caso não se tratassem “os que mataram e os que se beneficiaram do dinheiro iriam morrer”, desta feita, por clamor da sua esposa, fez o tratamento.

Minutos depois e pela terceira vez, Viana teve que parar com a sua intervenção para reclamar ao tribunal que estava novamente a ser alvo de agressões verbais por parte dos arguidos e mais uma vez o Juiz Presidente, Cristo Alberto, teve que intervir colocando ordem.