Luanda  - O Deputado João Pinto em entrevista a TPA, transmitida no Telejornal do dia 15 de Outubro 2012,  declarou que « não houve violação da Constituição porque o direito constitucional é flexível», o facto do PR não dirigir a Mensagem a Nação. Na mesma reportagem o constitucionalista Adérito Correia também terá considerado que «não houve nenhuma inconstitucionalidade ou ilegalidade, uma vez que o Direito Constitucional é flexível».


Fonte: Club-k.net

Mais uma vez, a TPA manipulou os factos e a interpretação correta da Constituição da República de Angola.
 
O que significa flexibilidade constitucional? Porque a omissão de JES é considerada violação da CRA?

 
Primeiro, é importante esclarecer o que é flexibilidade constitucional (ou ainda flexibilidade do Direito Constitucional) e o que é abertura do Direito Constitucional.
 

Diz-se constituição flexível, em oposição a rígida, « aquela em que são idênticos o processo legislativo e o processo de revisão constitucional, aquela em que a forma é a mesma para a lei ordinária e para a lei de revisão constitucional», considera o Prof. Jorge Miranda. ((in Teoria do Estado e da Constituição, 3.ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 256).

 
Normalmente, a rigidez e a flexibilidade constitucionais são abordadas em contextos de revisão constitucional. E não era o caso. E a flexibilidade não significa que as normas constitucionais devem ou não ser observadas em função da boa ou má vontade dos titulares de cargos públicos.

 
Quanto a sua abertura, significa, segundo o Prof. Bacelar Gouveia, que o Direito Constitucional “é permeável aos influxos de outros ramos normativos, estando muito longe de ser um sistema normativo fechado.” (in Manual de Direito Constitucional, Volume I, Lisboa, Almedina, 2005: 39-45).

 
Significa que o Direito Constitucional está aberto para regular novos factos, novos fenómenos resultantes do dinamismo da vida política, social, económica ou cultural. E também não foi isto que aconteceu.
 

Aconteceu um facto político (Tomada de Posse) em que o Presidente da República fez um discurso cujo conteúdo, ou parte dele, poderia ser semelhante com o conteúdo da Mensagem sobre o Estado da Nação que ele está obrigado, nos termos da Constituição, a dirigir a Nação, na abertura do ano parlamentar na Assembleia Nacional.
 

Como seria resolvido este aparente conflito atendendo as circunstâncias políticas e sociais antecedentes a abertura do ano parlamentar?
 

Konrad Hesse explica: « A Constituição não está desvinculada da realidade histórica concreta do seu tempo. Todavia, ela não está condicionada, simplesmente, por essa realidade. Em caso de eventual conflito, a Constituição não deve ser considerada, necessariamente, a parte mais fraca. Ao contrário, existem pressupostos realizáveis (...) que, mesmo em caso de confronto, permitem assegurar a força normativa da Constituição». (in A Força Normativa da Constituição, tradução GFM, Porto Alegre, SAF Editor,1991, p.25).

 
No caso, em análise, a Constituição foi considerada a parte mais fraca e, por isso, violada. Por esta razão, consideramos no texto anterior que a atitude do Presidente JES é inconstitucional. Inconstitucional porque a Constituição no seu artigo 6.º n.º 2 diz que « o Estado subordina-se a Constituição e funda-se na legalidade, devendo respeitar e fazer respeitar as leis», e o n.º 2 do artigo 226.º prevê que « são inconstitucionais as leis e os actos que violem os princípios e normas consagradas na presente Constituição».
 

Segundo os constitucionalistas, uma inconstitucionalidade pode ser material, formal, orgânica e por omissão. Falaremos apenas da inconstitucionalidade por omissão.

 
O Prof. Fernando Macedo explica que a inconstitucionalidade por omissão pode ser considerada em sentido amplo ou restrito. A «Inconstitucionalidade por omissão é abstenção da prática de um acto jurídico-público ordenado pela Constituição ao órgão do Estado competente para o efeito (definição em sentido amplo). A Inconstitucionalidade por omissão é a abstenção da prática de um acto normativo ordenado pela Constituição ao órgão do Estado competente para o efeito (definição em sentido restrito)». (Guia de Aula Teórica, Luanda, ULA, 2011,p. 432 )
 

Ao decidir não dirigir ao País, na abertura do ano parlamentar, na Assembleia Nacional, uma mensagem sobre o Estado da Nação conforme previsto no artigo 118.º da CRA, o Presidente da República se omitiu de praticar um acto público que a Constituição lhe manda praticar (actitude de facere). Não se tratando da omissão da prática de um acto normativo, o PR incorreu na prática de uma inconstitucionalidade por omissão em sentido amplo (actitude de non facere).
 

A Constituição não diz que compete ao Presidente da República decidir discricionariamente, em função das circunstâncias políticas ou sociais, fazer (facere) ou não fazer (non facere) o discurso sobre o Estado da Nação. A Constituição diz que o « Presidente dirige ao País...» (facere).  Por esta razão, o seu comportamento omisso é inconstitucional.
 

Para concluir, ensina ainda o Professor Jorge Miranda que « a existência de omissões juridicamente relevantes é um fenómeno que se encontra em diversos setores do ordenamento, em particular, no Direito constitucional. Ela verifica-se sempre que, mandando a norma reguladora de certa relação ou situação praticar certo ato ou certa atividade nas condições que estabelece, o destinatário não o faça, não o faça nos termos exigidos, não o faça em tempo útil, e a esse comportamento se liguem consequências mais ou menos adequadas». (ob cit, p.409).
 

Parece-nos, certamente, que as interpretações do artigo 118.º da CRA que foram feitas para justificar a omissão do Presidente JES foram contra o espírito, sentido e a letra da própria Constituição da República de Angola.
 
Construamos cidadania!
 
António Ventura (Jurista e ativista cívico)