Luanda  - À cada comportamento ilegal corresponde uma sanção … ou será que não, ou pelo menos nem sempre assim o é para todos?


Fonte: AIU:

E se o cidadão angolano deixasse de pagar impostos, porque já os pagou o ano passado?
E se os juízes deixassem de julgar e condenar criminosos, porque já tinham realizado vários julgamentos no mês transacto?


E se o cliente de uma loja decidisse levar um determinado objecto sem pagar o valor correspondente, porque já pagou por um artigo semelhante no dia anterior?


E se os pais deixassem de prestar alimentos aos filhos menores, porque já tinham alimentado os filhos adultos?


À luz do nosso ordenamento jurídico, o dever de pagar impostos, o dever de julgar, o dever de respeitar a propriedade privada, assim como o dever ou a responsabilidade parental estão previstas na Constituição da República de Angola e em leis infraconstitucionais, por este motivo, a inobservância dos referidos, não só traduz-se num acto inconstitucional, como constitui, consoante o caso, fuga ao fisco, crime de furto, crime de denegação de justiça e crime de abandono de incapaz.


É curioso notar que para a ciência jurídica o comportamento ilícito tanto pode constituir numa acção como numa omissão, o que significa dizer que, deixar de praticar um determinado acto imposto por lei é tão reprovável (entenda-se passível de responsabilidade) como cometer um acto ilícito, sempre no pressuposto de que a norma jurídica que impõe um determinado comportamento ou proíbe uma determinada conduta visa proteger um bem jurídico individual ou colectivo. No nosso exemplo, os bens jurídicos tutelados são as receitas do estado, a propriedade privada, a justiça, e o bem vida.

Dada a importância dos bens que as normas jurídicas pretendem proteger – por via de imposições ou proibições – a sua observância ou o seu cumprimento não depende, sob hipótese alguma, da boa ou má disposição dos seus destinatários. Tanto assim é que, os impostos são pagos regularmente, a propriedade privada deve ser respeitada, a justiça deve ser aplicada e a vida deve ser preservada, independentemente das circunstâncias.

Costuma dizer-se que a Constituição da República é a norma das normas, a carta magna de onde são retirados os princípios basilares que norteiam um determinado Estado. Por isso, o cidadão comum e não só, estão sujeitos ao cumprimento estrito da constituição, incluindo o Presidente da República que é aliás submetido a juramento público da dita constituição, numa clara alusão ao princípio da igualdade entre cidadãos perante a Lei - Artigo 26.º.

Feitos estes esclarecimentos, pergunta-se: e se o Presidente da República decidisse não dirigir o discurso à Nação, a que está obrigado pelo Artigo 118.º, alegando que o já tinha feito no Acto de Tomada de Posse?

Analisando: Angola é um Estado Democrático, em que o Presidente da República, a Assembleia e os Tribunais são órgãos de soberania que, devem acima de tudo, respeitar a constituição – Artigo 105.º da Constituição.

Interessando-nos, para já, constatar que o Presidente da República tem o dever de respeitar e defender a constituição, assegurar o cumprimento das leis e dos acordos e tratados internacionais, assim como garantir o regular funcionamento dos órgãos do Estado – Artigo 108.º, n.º 5 da Constituição. E destes deveres não pode abdicar.

A prova de que o Presidente da República está vinculado à Constituição também resulta de outras normas, tais como o artigo 115.º, dizendo que no Acto de Posse, o Presidente da República eleito, com a mão direita aposta sobre a Constituição da República de Angola, presta o seguinte juramento: “Eu (nome completo), ao tomar posse no cargo de Presidente da República, juro por minha honra: Desempenhar com toda a dedicação as funções de que sou investido; Cumprir e fazer cumprir a Constituição da República de Angola e as leis do País; Defender a independência, a soberania, a unidade da Nação e a integridade territorial do País; Defender a paz e a democracia e promover a estabilidade, o bem-estar e o progresso social de todos os angolanos”.


Esta disposição legal obriga a que o Presidente da República no Acto de tomada de posse jure cumprir e fazer cumprir a constituição, sendo que, o juramento na tomada de posse não é meramente simbólico, está também carregado de imposições legais, permitindo que seja declarada a inconstitucionalidade de todos os actos ou omissões que violem a constituição.


O Presidente da República, enquanto “Titular do Poder Executivo” ao qual compete a tarefa de definir a orientação política do país, nos termos da Constituição e dirigir a política geral de governação do mesmo e da Administração Pública está obrigado a dirigir a Pátria, na abertura do Ano Parlamentar, na Assembleia Nacional, uma mensagem sobre o Estado da Nação e as políticas preconizadas para a resolução dos principais assuntos, promoção do bem-estar dos angolanos e desenvolvimento da Terra Angolana.


A norma citada é imperativa, ou seja, não é meramente indicativa, a semelhança do que acontece com a norma que obriga o cidadão a pagar impostos. Assim, a omissão do dever de dirigir a mensagem à nação na abertura do Ano Parlamentar, constitui uma violação à Constituição. A violação cometida atenta gravemente contra o estado democrático e de direito, por desrespeitar de forma ostensivamente o dever constitucional de prestar declarações aos cidadãos que elegeram o Presidente da República, e em nome e no interesse dos quais governa o país. Perante a violação de um dever constitucionalmente consagrado, o actual presidente pode vir a ser destituído com base na acusação - comprovada - de que atentou gravemente contra o estado democrático (Artigo 129.º, n.º 2, alínea a) da Constituição).

O incumprimento do dever de dirigir a mensagem sobre o “Estado da Nação” viola o “Princípio da Conformidade dos Actos do Presidente com a Constituição” – Artigo 226.º - que determina que a validade das leis e dos demais actos do Estado, da administração pública e do poder local depende da sua conformidade com a Constituição. Ao contrário, conclui-se que são inconstitucionais as leis e os actos que violem os princípios e normas consagrados no mesmo documento.


E qual seria o bem jurídico a tutelar com aquela imposição – a norma que obriga o Presidente a discursar sobre o estado da nação na abertura parlamentar protege as expectavas legítimas que os cidadãos depositaram no presidente eleito e o direito (judicialmente exigível) que estes mesmos cidadãos têm de exigir responsabilidade aos órgãos políticos.


Admitindo que no “Acto de Tomada de Posse” o Presidente tenha avançado temas que deveria abordar na abertura do ano legislativo, não há aqui uma espécie de diminuição ou redução do dever. O dever subsiste e é independente de outros circunstancialismos.


Voltemos as primeiras premissas – Se o cidadão comum não pagar impostos, se o juiz não julgar, se alguém furtar um artigo de uma loja ou se os pais abandonarem os filhos menores – todos cometem crimes com tais realizações, pois faltam aos seus deveres; Mas se o Presidente não discursar perante à nação, que ansiosamente aguarda pelo pronunciamento do cidadão democraticamente e atipicamente eleito, e do qual se espera que aborde temas cadentes como a escassez dos bens e serviços de primeira necessidade (pão, água canalizada, energia eléctrica, comunicações) desviando-se a semelhança dos atrás descritos dos seus deveres, ou seja, daquilo que obriga a Constituição… perante que situação estarão os angolanos?
Citando António Barreto (politólogo português), Bornito de Sousa, actual Ministro da Administração do Território dizia no seu Facebook que “toda a geração tem direito a aprovar a sua constituição”. O que não referiu é que a geração, a qual pertence, não só se demonstra incapaz de eleger democraticamente um presidente, como ainda de cumprir o código atípico, “atipicamente” aprovado pelos mesmos, restando-lhes “forçar” e “pedintar” por legitimidade, não reconhecida pela generalidade dos seus concidadãos e parceiros internacionais... perante que situação estão os angolanos?

AIU: Angolan Intelligence Unit