Luanda -  Já é a lista mais famosa que circula pela cidade, enquanto se aguarda pela próxima, pois ao que consta ainda sobrou pano para se fazerem muitas mais mangas, quer dizer, muitas mais listas.

Fonte: Morro da Maianga

Já é a lista mais procurada/mais comentada/mais sublinhada. Já é a lista mais amada por muitos e detestada por outros tantos, que continuam a não ter os seus sonhos realizados, onde se destaca um sonho muito especial.

É o sonho da casa própria que é actualmente o grande pesadelo da juventude, mas não só, a ter em conta o grande défice existente neste segmento do mercado.

Há muito que uma lista não chamava/mobilizava tanto a atenção da opinião pública e publicada.

Estamos a falar da “Lista de Distribuição de Casas da Nova Centralidade do Kilamba” que o JA publicou sábado último, tendo ao que parece, como resultado desta “ escaldante matéria”, esgotado completamente a referida edição.

Não nos foi possível, entretanto, confirmar esta “proeza” do oficioso matutino, mas sabemos que o JA já não esgota uma edição com tanta facilidade, restando saber qual tem sido nos últimos tempos a média das suas sobras, isto é, dos jornais que voltam à procedência. De uma forma geral os jornais não gostam muito de falar do número de exemplares que têm de amontoar nos seus armazéns.

Mas deixemos as vendas do JA para outra altura e para outras conjecturas, porque hoje o que nos interessa mesmo é falar aqui um bocado desta lista e do seu relacionamento com a política habitacional do Governo.

Como todos sabemos, as casas do Kilamba são um bem público, tão público como são as estradas, as pontes, os hospitais e os cemitérios, por isso foram fixadas algumas regras por quem de direito, tendo em vista o acesso dos cidadãos às mesmas, com base em critérios aceitáveis e mais ou menos universais.

Antes de mais a questão que coloco ao ler os nomes constantes da famosa lista, tem a ver com o respeito por um dos critérios fixados por quem de direito.

Este critério, cito de memória, diz-nos que só poderão ter acesso ao novo património habitacional que está a ser edificado pelo Estado, as pessoas que nunca compraram casas ao mesmo Estado, que é tão nosso, quanto dos outros.

O Estado não tem dono.

Os cidadãos, independentemente da sua filiação partidária ou religiosa ou da sua origem social/étnica também fazem parte do Estado, sendo para mim, entre os outros dois (território e instituições), o seu pilar fundamental e mais abrangente.

Por isso, entendo perfeitamente que em teoria, o Estado seja considerado uma pessoa de bem. Na prática, sobretudo em Angola, as coisas são, contudo, bem diferentes, porque há sempre uns cidadãos especiais que querem (e têm conseguido), a bem ou a mal, ser mais iguais do que todos os outros juntos.

O resultado desta determinação inquebrantável é visível nas respectivas montras de vaidades, que espelham o que está nos armazéns.Daí até chegarmos ao elevado nível de injustiça social com que o país tem vindo a ser governado, foi só mesmo um pequeno passo, que todos hoje reconhecem, como sendo uma das características mais preocupantes do Estado da Nação, que este ano ficou adiado para o próximo.

Como se sabe, o Estado angolano já vendeu muitas casas, sobretudo as que nacionalizou/confiscou, herdadas do tempo colonial e as muito poucas que construiu nos primeiros anos da independência e que foram basicamente os famosos “prédios dos cubanos”.  Em matéria de justiça social, percebe-se perfeitamente a bondade e o alcance do critério adoptado, pois pretende-se evitar a acumulação nas mãos das mesmas pessoas de bens públicos a que todos devem ter acesso em condições de igualdade e transparência.

Se é assim mesmo que está definido, ao olhar para a lista devo confessar que as minhas dúvidas são mais do que muitas em relação ao cumprimento da norma, mas para já vou ficar por aqui sem nomear ninguém.

Queriam, não?

Fico com a sensação de que há pessoas, passe o exagero, que dentro de pouco tempo poderão criar pequenas agências imobiliárias só com as casas do estado que têm vindo a transferir para o seu património pessoal/familiar, numa altura em que as novas centralidades ainda vão produzir muitas mais listas.

Entre os nomes que constam da lista, para além da comunicação social, que conheço bem, o grupo que mais me chamou a atenção foi o dos “músicos que participaram na campanha eleitoral”.

A primeira impressão é que a designação deste grupo está incompleta, pois devia-se acrescentar mais qualquer coisa, do tipo bandeira, para identificar melhor o grupo.

A esta nota, acrescento uma outra relacionada com o mesmo grupo, pois no preâmbulo da lista diz-se que ela é referente aos candidatos, isto é, às pessoas que formalizaram a sua pretensão de terem acesso ao referido património habitacional.

Assim sendo, não percebo como é que foi feita a formalização da candidatura destes músicos, pois ela estaria dependente da tal participação.

Melhor dizendo, não perceberia se não estivesse em Angola, mas como estou e sou e cada vez percebo melhor como é que o país real funciona na prática, este grupo faz todo o sentido.  Espero agora que os músicos que participaram nas outras campanhas eleitorais, façam recurso ao mesmo “direito” de acesso ao Kilamba, com base na mesma música.


NA- Este texto, com o título “A lista das quinhentas casas” foi publicado na coluna Secos e Molhados da edição de 19/10/12  da Revista Vida, do semanário “O País”.