Lisboa -  Depois de ter negado admitir o Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade das eleições gerais de 31 de Agosto interposto pela UNITA em Outubro, o Presidente do Tribunal Constitucional, Dr. Rui Ferreira, decidiu agora admitir o recurso que a UNITA interpôs da sua decisão ao Plenário de Juízes do Tribunal Constitucional (TC) no passado dia 12 do corrente.

Fonte: Club-k.net

juizes do tc.jpg - 87.50 KbSegundo especialistas que apreciaram ambos os processos, o "recurso extraordinário de inconstitucionalidade" apresenta provas irrefutáveis de que houve, de facto, violações graves à Constituição (não só à Lei Ordinária), a tal ponto que, num verdadeiro "Estado de direito" as eleições deveriam mesmo ser anuladas.

Para não ter de anular as eleições, o mais cômodo, segundo a visão dos especialista, foi impedir que o processo siga os seus trâmites, não o admitindo, para não ter de ser conhecido, porque “nenhum juíz imparcial pode defender o regime perante tais provas.”

O juíz Rui Ferreira sustentara que não pode proceder a admissão do "recurso extraordinário de inconstitucionalidade" das eleições porque o recurso anterior (de contencioso eleitoral) esgotava o assunto. Por isso, um novo recurso da mesma recorrente sobre o mesmo assunto ofende os princípios do caso julgado e da segurança juridica.

A UNITA discorda e pede para o assunto ser analisado pelo plenário de juízes do TC, que são onze. Os fundamentos aduzidos pela UNITA, em síntese, são:

1) A lei não autoriza o juiz presidente do TC a indeferir o recurso na data em que o fez e com base nos fundamentos que aduziu. A lei manda o juiz presidente decidir em 10 dias, mas Rui Ferreira levou 32 dias para decidir. A lei estabelece apenas três razões para o juíz presidente não admitir o recurso. Rui Ferreira invocou uma quarta, e sem respaldo legal.

2) O legislador limitou o arbítrio do julgador ao estabelecer que “o recurso não é admitido quando a decisão é irrecorrível, tenha sido interposta fora do prazo ou por quem não tenha legitimidade” (Artigo 86º, nº 2 do Decreto-Lei nº 4-A/96, de 5 de Abril). Não é o caso nem foram estas as razões invocadas no Despacho de indeferimento. O Juiz Presidente do TC não observou a lei.

3) A lei estabelece três tipos de recursos para as eleições:

i. o recurso contencioso eleitoral, para apreciação, em última instância (ordinária), da validade das eleições, julgando os recursos interpostos de eventuais irregularidades da votação ou do apuramento dos votos, nos termos previstos na Lei Eleitoral, como definem as disposições conjugadas na alínea f) do artigo 16º e no artigo 26º ambos da Lei nº 2/08 bem como a alínea g) do artigo 3º da Lei do Processo Constitucional (Lei nº 3/08).

ii. o contencioso do registo eleitoral, para julgar, em última instância (ordinária), os recursos interpostos dos actos do registo eleitoral, nos termos da respectiva lei, como definem as disposições conjugadas na alínea l) do artigo 16º da Lei nº 2/08 e na alínea k) do artigo 3º da Lei nº 3/08.

iii. o recurso extraordinário de inconstitucionalidade, “após esgotamento dos recursos ordinários legalmente previstos”, para julgar, em última instância, os recursos de constitucionalidade que venham a ser interpostos...de actos administrativos que violem princípios, direitos fundamentais, liberdades e garantias dos cidadãos estabelecidos na Constituição...”, como define o disposto na alínea m) do artigo 16º da supracitada Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (Lei nº 2/08, de 17 de Junho) e a alínea e) do artigo 3º da Lei do Processo Constitucional (Lei nº 3/08).

4) O recurso extraordinário de inconstitucionalidade “só pode ser interposto após prévio esgotamento nos tribunais comuns e demais tribunais, dos recursos ordinários legalmente previstos” (Artigo 49º da supracitada Lei 3/08, de 17 de Junho).

5) No Recurso Contencioso Eleitoral, o pedido e a causa de pedir fundaram-se na ilegalidade dos actos da CNE praticados durante a votação e o apuramento. Apenas isso.

No Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade o pedido e a causa de pedir fundam-se na violação de princípios, direitos, e normas previstos na Constituição, cobrindo um âmbito temporal que não se pode circunscrever apenas e só à votação e ao escrutínio.

6) O Juíz Presidente do TC não pode invocar o princípio do caso julgado, porque o “caso julgado” em Setembro foi delimitado à observância das normas legais reguladoras das operações de votação e apuramento prescritas na Lei Orgânica Sobre as Eleições Gerais. O TC não julgou a violação dos direitos fundamentais dos cidadãos nem a violação dos princípios constitucionais, como o princípio da igualdade, do estado de direito, da soberania popular e da vontade do povo angolano.

7) Ademais, o princípio do caso julgado só será intangível enquanto tal, quando conforme com a Constituição, como dispõe o nº 3 do art.º 6º e o nº 1 do art.º 226º, ambos da Constituição da República de Angola (CRA).

Para sustentar a justeza da sua posição, A UNITA citou mesmo  as páginas 11 e 12 do Acórdão nº 226/2012, que o próprio TC lavrou em Setembro, onde os juízes escreveram que “...O Recorrente vem, também, alegar que não houve tratamento igual e imparcial por parte da imprensa pública, nomeadamente, Rádio Nacional de Angola, Jornal de Angola, e Televisão Pública de Angola que nas suas edições privilegiaram e defenderam sempre um partido político e o seu cabeça de lista...

Relativamente a esta matéria, a este Tribunal Constitucional apenas cabe apreciar as decisões da CNE que tenham recaído sobre reclamações apresentadas sobre quaisquer irregularidades e ilegalidades verificadas durante a votação ou qualquer dos actos de apuramento provincial ou nacional, o que não é o caso de reclamações relativas ao tratamento nos meios de comunicação social em geral, para além de que não resulta dos autos ter o Recorrente apresentado qualquer reclamação, neste sentido, à CNE...Ora, atendendo à delimitação do objecto do presente Recurso, não cabe a este Tribunal tratar esta matéria...”

Este Acórdão parece contrariar o argumento do juiz Rui Ferreira. A questão da constitucionalidade das eleições não foi ainda julgada pelo Tribunal. Apenas foram julgadas as ilegalidades, mas não as inconstitucionalidades.

A UNITA citou ainda o Professor Doutor José Alberto dos Reis, doutorado em Direito pela Universidade de Coimbra em 1899 e considerado o “Pai" do Código de Processo Civil Português (1939) que, sobre a doutrina do caso julgado, escreve o seguinte no Código do Processo Civil (Vol. V e VI):

O Recurso Extraordinário pressupõe um vício estranho e anormal na pronúncia jurisdicional, vício grave e malicioso que não deve ser coberto e sanado pela autoridade do caso julgado. O respeito e homenagem pelo caso julgado cede perante a necessidade irrepreensível de dar satisfação a um valor de justiça.

Os especialistas, segundo consultas esperam que os demais juízes do TC concordem com o óbvio: que o Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade, tem âmbito diverso do Recurso Contencioso Eleitoral, e que, por se tratar de uma matéria de interesse público subjacente à força constitucional dos direitos fundamentais dos cidadãos, do qual o Tribunal Constitucional é guardião, esse Tribunal resolva de facto debruçar-se sobre o assunto e não ignorá-lo.

O passo dado agora pelo Juíz Rui Ferreira aparenta ir neste  sentido, porque os juízes do Plenário não poderão analisar a justeza do seu novo Despacho de 17 de Dezembro sem conhecer e analisar o conteúdo do próprio Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade cuja admissibilidade Rui Ferreira havia negado por Despacho de 27 de Novembro de 2012.

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