Idades: 1 um e 15 anos

Os líderes religiosos das igrejas ilegais, localizadas no bairro Uige, no município do Sambizanga em Luanda, que tinham em sua “posse” as crianças, foram detidos na operação de resgate dos menores.

Segundo o administrador do município do Sambizanga, José Tavares Ferreira, as crianças, com idades compreendidas entre um e 15 anos, encontravam-se retidas no interior de duas casas que serviam de igrejas, na comuna do Ngola Kiluange (Sambizanga).
Entre o grupo de crianças hoje levadas para o Lar Kuzola, que acolhe crianças em dificuldades em Luanda, quatro estão hospitalizadas em estado grave, devido aos maus-tratos a que foram submetidas para serem “libertadas” dos “maus espíritos”.

“As crianças sofreram maus-tratos, foram castigadas e isso vê-se no aspecto delas. Quatro estão hospitalizadas em estado grave porque foram encontradas com feridas a gangrenar”, disse à Lusa José Tavares Ferreira.

De acordo com o administrador do Sambizanga, o processo de investigação que durou cerca de 15 dias, teve início depois de uma denúncia feita por populares residentes na zona.

Neste processo estiveram envolvidas, as delegações provinciais dos ministérios da Justiça, da Assistência e Reinserção Social, da Cultura e o Instituto Nacional de Assuntos Religiosos.

“A investigação já começou há 15 dias. Tínhamos que fazer o trabalho com muito cuidado para não permitir que eles fugissem ou fizessem qualquer coisa que não permitisse o sucesso do trabalho”, disse José Tavares Ferreira.

José Tavares Ferreira referiu ainda à Lusa que estas igrejas denominadas “Igreja de Revelação do Espírito Santo de Angola” e “Igreja Boa Fé” são oriundas da província do Zaire, região onde os casos de crianças maltratadas sob acusação de serem feiticeiras são mais graves em Angola.

“A situação é grave, mas o mais chocante é que são os próprios pais que levam os filhos para essas igrejas. Há crianças que estão nesses locais há mais de um ano e temos a informação de que aos fins-de-semana chegam a aparecer nessas igrejas cerca de 500 crianças”, sublinhou.

Segundo o administrador, o contacto com os familiares dessas crianças não foi possível.

O problema das crianças acusadas de feitiçaria ou serem feiticeiros assume em Angola proporções que as autoridades e o Instituto Nacional da Criança (INAC) admitem como grave.

O fenómeno, segundo vários estudos publicados na área da sociologia, tem origem em questões ancestrais, sendo a sua prática oriunda da tradição Bantu, que integra a quase totalidade do território angolano, onde um dos aspectos mais importantes é a crença de que as crianças encarnam os maus espíritos e são responsáveis pela “má sorte” das famílias.

Mas, a par desta realidade ancestral, há ainda as dificuldades de subsistência das famílias onde o fenómeno ocorre, o que serve de catalisador para o problema porque é uma forma de estas se livrarem de uma boca para alimentar.

As áreas geográficas onde as acusações de feitiçaria a crianças são mais significativas situam-se a norte do país, junto às fronteiras com a República Democrática do Congo e Congo-Brazzaville (países onde o problema é igualmente grave) nomeadamente o Uige, Zaire, as Lundas, Norte e Sul, e Cabinda.

O crescente surgimento de casos em Luanda resulta do facto de a guerra de 27 anos, que até 2002 assolou o país, ter obrigado milhares de famílias destas regiões a procurar refúgio na capital angolana.

Tanto o Governo como as organizações da sociedade civil e as igrejas, com destaque para a Católica, têm apostado no combate a estas práticas através de campanhas de sensibilização, criação de centros de acolhimento e ainda na perseguição aos autores dos crimes perpetrados contra as crianças.

Espancamentos, jejuns prolongados, queimaduras e enclausuramento em espaços exíguos são alguns dos “tratamentos” aplicados que as autoridades detectam quando resgatam crianças acusadas de feitiçaria.

Fonte: Lusa