Luanda  - O termo «zungueira» derivou da palavra Quimbundo, kuzunga, que significa circular, deambular ou movimentar-se de um lugar ao outro. O que significa que, a zunga, no sentido genérico, é a venda ambulante nas ruas, do comércio informal.


Fonte: baolinangua.blogspot.com

Neste respeito, a zungueira é uma mulher vendedora ambulante, que prática o comercio informal, vendendo os seus produtos ou mercadorias nas ruas, circulando de um lugar ao outro, sem itinerário predefinido ou um local de venda fixo.

Nas condições actuais de Angola, a zungueira desempenha o papel muito importante como agente económico, intermediária, que trafica uma variedade de bens, de primeira necessidade, aos consumidores.

Na presença da taxa elevadíssima de desemprego, cerca de 68% dos agregados familiares angolanos sobrevivem do comércio informal, do qual uma boa parte é feita por circuito da venda ambulante, que se estende por todos centros urbanos e semiurbanos.

As mulheres zungueiras, na sua maioria, são provenientes do interior do país, das zonas rurais. Devidas as circunstâncias de vida dificílima nas cidades, foram obrigadas a enveredaram-se pela venda ambulante, tornando-se, deste modo, semiproletárias, das classes mais pobres da sociedade angolana. 

A mulher zungueira sobrevive através do trabalho árduo e arriscado. Na caracterização social, a mulher zungueira é persistente, resistente, ousada, sacrificada, excluída, injustiçada e desvalorizada.

Ela é vítima de perseguição, violência, assédio sexual e assaltos à mão armada, tanto pelos agentes da polícia quanto pelos grupos organizados de gatunos, muitos dos quais operam impunemente. As condições de vida deste segmento vital da sociedade angolana equivalente à escravatura ou ao sistema feudal que prevaleceu na Europa, na Idade Média.

Se, por acaso, avaliar minuciosamente os sacrifícios, os perigos e os esforços expendidos pela mulher zungueira, em cada jornada do trabalho nas ruas, sob perseguição constante, chegará a conclusão de que, ela é prejudicada, explorada e oprimida pelo sistema político vigente neste país. Pois, a maior parte dos planos macabros e de acçoes de repressão do governo, sobretudo em Luanda, estão viradas contra a mulher zungueira.

Por outro lado, em termos económicos, a zunga é o desperdício de esforços, sem rendimento tangível, que permitisse uma poupança razoável, capaz de crescer o negócio, ganhar estabilidade e viabilizar a entrada no sector formal da economia do país.

Na maior parte dos casos, a zunga termina em falência por não produzir o rendimento necessário para sustentar a família, produzir o saldo positivo que se transforme em mais-valia para um novo círculo de investimento quantitativo e qualitativo.

Por desgraça da mulher zungueira, na maior parte dos casos, os seus negócios são confiscados ou destruídos pelos agentes da polícia. Nas buscas e rusgas diárias dos agentes da polícia, a mando das autoridades governamentais, as zungueiras são detidas, presas, violentadas, torturadas, violadas e privadas de sua liberdade sem culpa formada. Nesses casos específicos, o negócio da mulher zungueira fica totalmente destruído e sem forma de reabilitá-lo – entrando, assim, na falência absoluta.

A mulher zungueira, no seu papel de intermediário e traficante de mercadorias dos estabelecimentos comerciais aos consumidores, há sempre riscos à espreita quer em termos da vida quer da perca de todo negócio. Visto que, em muitos casos, regista-se a falta de seriedade por parte dos parceiros com que se afirma os acordos tácitos de venda das mercadorias.

Além, de actos de burla, há interesses ocultos, extracomercial, de carácter delituoso, dos quais a mulher zungueira é levada de surpresa, incapaz de se defender diante os adversários poderosos, com as costas largas.

Em Angola, como é sabido, a maior parte de negócios e de empreendimentos de realce são detidos pelos dirigentes do MPLA, que exercem o monopólio exclusivo sobre a economia do país.

A lei, na sua caracterização jurídica, é submetida à esta elite política, que se situa acima da Constituição, em plena liberdade de direitos e no gozo da impunidade absoluta.

Este é o quadro real que se verifica no país, no qual a mulher zungueira desenvolve a sua luta titânica de sobrevivência e de inserção social, num sistema político que não possui mecanismos adequados, sem condicionalismo partidário, de potenciamento das mulheres desfavorecidas, como este caso em referência.

 Recentemente, Luanda e o Mundo inteiro foram sacudidos por um acto bárbaro de cobardia, em que duas mulheres zungueiras foram vítimas de uma violência desmedida na “Casa Prelex”, que vende bebidas diversas e outros produtos, no Bairro Avô Kumbi, do Município de Belas, em Kilamba Kiaxi.

O Vídeo, tirado por um cidadão atento e consciente, de forma discreta, com fim de trazer essas evidências ao conhecimento público, percorreu as redes sociais, demonstrando a verdadeira condição da mulher zungueira, a dimensão de insegurança que ela enfrenta para sobreviver; bem como a fragilidade das instituições públicas e privadas do país.

No Vídeo, em apreço, demonstra nitidamente a amplitude de irresponsabilidade, de irreverência e do crudelíssimo do “Bando Prelex” no acto da agressão barbara contra as duas mulheres zungueiras, dentro da Loja.

Neste Vídeo, os malfeitores estavam bem confiantes de fazer a justiça por suas mãos, com tanta crueldade, com impunidade, sem medo nenhum – nem da Policia muito menos da Justiça. As pobrezinhas, mulheres zungueiras, estavam todas terrorizadas pelo bando que os atacava com toda fúria e violência, sem forma de se defender ou safar-se do círculo fechado em que se encontravam, à beira da morte.

 Neste caso específico, a “Casa Prelex” é uma cadeia dos estabelecimentos comerciais que se espalham por toda cidade de Luanda e pelas províncias. Nos casos normais, uma propriedade deste género não podia ser de um cidadão qualquer que não seja dirigente do MPLA ou pertencente às famílias mais poderosas e mais ricas do regime.

Se for este caso, justifica-se o comportamento tão cruel, que revolta a consciência da Humanidade, deste bando dos criminosos, que estão envolvidos neste acto hediondo contra as duas mulheres zungueiras. Como está acima referido, esta casta do poder está situada acima da lei, é intocável e actua na impunidade absoluta.

Mesmo, suponhamos que, estas duas zungueiras tivessem, de facto, tentado desviar a garrafa de champagne e a posta de sabonete, mas isso, por si só, seria suficiente para justificar tanta carga de violência, humilhação, violação sexual e tortura sistemática que infligiram contra elas? 

Por mim, este cenário, revela por um lado, a dimensão da pobreza que se vive num país tão rico em recursos minerais, no qual o Presidente da República (da origem pobre) e sua família se transformaram em multibilionários à custa da maioria esmagadora dos angolanos que vivem na indigência.

Por outro lado, isso demonstra claramente a debilidade e a fragilidade do nosso sistema de segurança, a ineficácia da lei, a corrupção profunda do poder judiciário e a supremacia absoluta do poder politico que asfixia e suprime outros órgãos de soberania.

O acto deste género, seja qual for a sua natureza, nos coloca diante uma dúvida sobre a consciência patriótica que tem sido evocada e defendida por determinados círculos da nossa sociedade.

Parece que, estejamos diante o dualismo da interpretação do patriotismo, neste país que consistem no seguinte:
a)  A primeira escola de pensamento defende a tese de que, o patriotismo significa defender tudo que o governo faz não obstante o grau da virtude e da desvirtude na observação ou na violação das liberdades, garantias e direitos fundamentais, consagrados na Constituição e no Direito Internacional. 


b) A segunda escola de pensamento que acredita na doutrina segundo a qual, o patriotismo significa ser patriota; e o patriota é uma pessoa que defende a pátria e manifesta o amor e o orgulho por ela.

A pátria, nessas circunstâncias, é o país em que cada um nasceu e de que é cidadão e ao qual nutre um sentimento de pertença.

O cidadão é um individuo pertencente a um estado livre, no gozo dos seus direitos civis e políticos, e sujeito a todas as obrigações inerentes a essa condição.
Ali estará o maior contraste da leitura que fizemos do patriotismo, entre a primeira escola de pensamento que defende a soberania do estado, no sentido genérico, isto é, do Chefe de Estado, que chama a si a responsabilidade de toda soberania.

Por outro lado, estará a segunda escola de pensamento que defende a soberania popular, em que os cidadãos, colectiva e individualmente, gozam, em plenitude, os direitos civis e políticos, universalmente reconhecidos.

Na medida em que, esses pressupostos, acima referidos, são invioláveis por parte do Governo, que é a parte subalterna da Soberania do Estado.

O amor pela pátria, neste sentido, é a defesa escrupulosa dos interesses vitais do país, isto é, do povo, na base dos direitos civis e políticos, como um dever sagrado de um patriota.

As duas doutrinas do patriotismo, em referência, representam, na prática, dois sistemas políticos adversos, sendo:
a)  O sistema autoritário que repousa numa pessoa, que é todo-poderoso. Por isso, o soberano torna-se intocável e deve ser louvado e venerado em todas circunstâncias.

b) O sistema democrático assente na separação e na interdependência de poderes, em que o povo é soberano, investido de poderes de eleger os governantes, legisladores e os juízes; tendo igualmente o poder de criticá-los aberta e severamente e demiti-los a qualquer a altura.

No caso especifico das duas zungueiras, os direitos civis e políticos delas foram violados pelo Chefe de Estado Angolano. Pois, ele deixou-se enriquecer ilicitamente, neste consulado longevo, à custa delas, de tal maneira que nem têm mínimas condições de subsistência.

Nestas circunstâncias de angústia e de penúria tivessem sido o motivo de tentação de assegurar na posta de sabonete e na garrafa de champagne que servira de pretexto deste cenário triste, de uma violência desmedida e premeditada. Este acto traiçoeiro e conspiratório compromete a dignidade e a reputação de Angola, um dos maiores produtores de petróleo e diamantes em África.

Então, me interrogo, com abalo e tristeza, de onde estará o patriotismo que tanto faduncho se cantou neste país?

A luz desta realidade inequívoca torna-se bastante difícil acreditar naquilo que tem-se desenrolado neste país, se de facto constituem actos de patriotismo e da dignificação do povo angolano.

Pois, são poucos países do mundo, se existem, que deixam sacrificar os seus cidadãos a favor dos interesses alheios em termos de acesso ao mercado de trabalho; política de remuneração; condições de trabalho; seguros sociais; contractos de trabalho; acesso aos créditos bancários, aos negócios e aos investimentos.

Nesta lógica, qual é o país do mundo que deixa os estrangeiros discriminarem e maltratarem os seus cocidadãos? Qual é o país do mundo que confisca arbitrariamente as terras das suas comunidades locais e atribuí-las aos estrangeiros? Qual é o país do mundo que ousa deixar os ricos no poder explorar o seu próprio povo de forma selvática, como acontece neste país?

Neste último capitulo, estamos todos recordados do último debate televisivo da campanha eleitoral entre Barack Obama e Mitt Romney, em que o primeiro atacou frontalmente o seu rival, nestes termos: “Este Senhor é um ricaço, defensor acérrimo dos grandes proprietários, em pleno detrimento dos trabalhadores e da classe média americana.”

Isso acontece num país capitalista, da América do Norte, em que o Presidente da República defende com dentes e unhas o seu povo contra a exploração dos ricos. Quanto mais num país como Angola, no qual mais de 95% da população vive na penúria e no medo!

Nessas condições, tais repugnantes, há gente entre nós que esforça-se em fazer calar a voz da consciência, ameaçando e incutindo nas nossas mentes o patriotismo-malvado do sistema autocrático, assente no capitalismo do estado selvático e da cleptocracia excessiva.

Contudo, como é sabido, se o MPLA tornou-se um partido dos capitalistas e dos donos das terras ocupadas, quem afinal defenderá este povo amordaçado, se nós cruzamos os braços e não levantamos bem alto a nossa Voz a favor da maioria esmagadora desfavorecida?

Para encerrar esta reflexão, acho que a desgraça das duas mulheres zungueiras, um acontecimento chocante e inédito, deve despertar a nossa consciência, sobretudo da mulher que deve abrir a sua mente e assumir o seu destino nas suas próprias mãos, lutando e conquistando a sua dignidade e seus direitos fundamentais.

Para este efeito, a chave para afastar as mulheres e as suas famílias da fome, da pobreza, do atraso, da subalternização e da humilhação é a educação. Ali estará a problemática de Angola onde a Educação é escassa, exclusiva, dispendiosa, corrupta e de pior qualidade.

Enquanto não se estabelecer as condições adequadas para que cada mulher e cada jovem possam desenvolver as suas potencialidades humanas, não só será impedido o progresso das mulheres e dos jovens, mas a própria humanidade ficará desprovida de um dos seus principais recursos de inteligência e de criatividade.

Logo, é imperativo que haja um esforço concertado e sistemático de consciencialização profunda da nossa sociedade para que cada um de nós se engaje afincadamente nesta revolução gigantesca – da emancipação global da Mulher, em todo Mundo. Não se trata apenas de solidariedade, mas sim, do dever –  uma tarefa obrigatória.

 Luanda, 18 de Fevereiro de 2013
Conecta: http://baolinangua.blogspot.com