Luanda - Ha quatro coisas  que ocorreram no nosso país durante as últimas semanas, que me levaram a uma reflexão que gostaria partilhar com a cidadania: a) O lider do maior partido da oposição, chame-se como se chame, acompanhado de deputados e outros responsáveis do seu Partido vão para um bairro com o único objectivo de visitar cidadãos em situação de dificuldades. Agressão física a um dos deputados,  caravana  hostilizada e impedida de realizar a visita por um cordão policial, helicópteros em apoio,  ao estilo próprio das grandes ditaduras do século passado.

 

Fonte: Club-k.net

b) Um arrtista nacional que vai promover suas obras e, em vez de ser acarinhado e encorajado no seu trabalho, vê as suas obras confiscadas, pouco  importa o sitio do acontecimento, o mesmo acontecendo com obras em video, retratando a vida do primeiro presidente de um partido angolano signatário dos Acordos de Alvor, outra vez por  agentes da ordem.


c) Deputados do segundo partido mais votado, que vão realizar suas jornadas parlamentares, na capital de uma provincia, transmitindo assim o calor da democracia à  cidadãos dessa provincia já em si privados de informação, que por barreiras postas pelo  regime, não ultrapassa o perímetro da capital do país. Uma iniciativa que devia ser encorajada pelo próprio Executivo  para com os demais grupos parlamentares. Mas os deputados encontram uma proibição de alojarem-se no hotel da cidade por eles pago antecipadamente, a pretexto de uma  ocupação do estabbelecimento  por supostos clientes inventados pelo regime, uma prática, que aliás, não tem nada de novidade. Já se verificou noutros sítios e noutras ocasiões, da mesma forma que se repete o método de impedir que a população chegue ao local dum comício da oposição.


d) Um sector da sociedade,  que se sente lesado pela actuação de outros cidadãos, vai apresentar as suas queixas à Procuradoria Geral da República contra supostos infractores, (e digo supostos porque antes que os tribunais se pronunciem, esses cidadãos têm direito à presunção de inocência); mas ha pessoas, incluindo certos “ilustrados”,  que se insurgem contra tal acção, rotulando-a de anti-paz, incompreensivel, provocatória, etc. etc.
Qualquer angolano que leia notícias deste tipo e saiba que o país onde isso sucede é o seu, naturalmente que sente tristeza e vergonha, independentemente da sua cor política. Não há outro nome. Isso é uma vergonha nacional.


E o que preocupa não são só os actos de reacção  em si, senão  a altura em que acontecem e quem os comandita. Século XXI, regime instalado num dos países de Africa, a nossa querida Angola, independente há quase 38 anos. Afinal, estamos na terceira legislatura de um regime que chamamos democrático. Se, depois de umas eleições “brilhantemente ganhas” pelo actual partido no poder,  os órgãos delas dimanados actuam da forma como actuam, parece-me que devemos ampliar as nossas lupas, para vermos mais claro.


O Executivo tem muito mais que fazer do que dar-se a esse trabalho tão reles de andar atrás dos cidadãos como se, de gado se tratasse.
As crianças de familias que conseguem um pouco de dinheiro, continuam a embarcar para o estrangeiro fugindo do ensino nacional, considerado  de péssima qualidade, que fica para os que não têm outra opção. Os hospitais nacionais ficam para os que não têm alternativa que não seja  esperar aí pela  morte quase certa, enquanto os que têm um pouco de meios, fogem para hospitais da Namibia vizinha e outros países. Quando tenhas que receber um hóspede estrangeiro,  este tem que aprender a encontrar um grande tambor de água turva (quando existe), com uma caneca  para se servir, quando necessite usar uma casa de banho, por falta de água corrente, incluso na capital do país, uma das mais caras do Mundo. Porque isso tudo  é uma vergonha e não seria necessário dizê-lo  deviam investir-se meios para resolver esses problemas do dia a dia nacional. 


Mas gastam-se esses meios só para impedir que os eleitos do povo  visitem pacatos cidadãos que suplicam por um olhar sobre eles e a miséria em que se encontram.  Esses aparatos policiais que se mobilizam para fazer esse trabalho sujo, são pagos por essa mesma  cidadania. Esses helicópteros que vão aí dar o show,  gastam o dinheiro desse mesmo povo, dinheiro que devia ir resolver os problemas que acabamos de mencionar, entre outros. Decididamente, os angolanos têm que fazer o seu balanço e sacar algumas conclusões sobre o estado da sua democracia.


Uma agressão a um deputado, e mais grave, executada por um agente da própria autoridade é de uma gravidade tal, que pergunto-me se os mentores dessas acções repressivas compreenderam de facto,  o papel e o lugar de cada peça nesse nosso xadrez. Mas a preocupação também aumenta quando  não se conhece até hoje, uma reacção da parte do próprio Parlamento. Afinal, uma agressão a um deputado, é uma agressão à toda a instituiçâo! Em que tipo de país estamos para que se  permita uma coisa dessas?


Em que lugar vamos colocar o nosso Parlamento, se o trabalho dos que o compõem fica a depender do bom humor do Executivo que os coloca ante a agressividade violenta de policias,  sem que haja alguma reacção em seu favor?

 
O aparato repressivo apresentado para esses actos e em particular usado contra essa visita aos desalojados, impedindo-lhes de receberem o mínimo que fosse de ajuda e sobretudo conforto moral, só mostra que os que nos governam, ainda não entenderam  as palavras que enchem as suas bocas. Sim, porque democracia, não é uma palavra oca. É um comportamento, que no entanto  é diferente desse comportamento que temos estado a viver.  Repressão contra a liberdade de movimento, repressão contra liberdade de trabalho, de deputados ou não deputados, repressão contra a liberdade de expressão artística,  tudo isso não faz parte do sentido da palavra  democracia.


Menos mal, porque cada vez que se confiscam obras de arte de um cantor ou de outro tipo de artista que seja, estarão a criar ainda mais fãs para esse artista.


Menos mal, porque faça o que quizer o regime ditatorial que nos governa, nada, mas nada mais conseguirá apagar nem distorcer indefinidamente na história do nosso país, o papel desempenhado pelo Dr. Jonas Savimbi, Dr. Agostinho Neto ou Holden Roberto. Menos mal, porque cada vez que se comete um acto desses, estarão a engrossar com letras de  ouro mais, o inesquecível nome daquele cuja luta fez com que a democracia e a primazia do angolano estejam  hoje a caminho, e mais próximo da sua concretização.


Nesse andar da carruagem, considero que a cidadania no seu conjunto, os nossos académicos mais lúcidos tenham que explicar muito mais aos que nos dirigem, porque pode ser que seja até um problema de ignorância, ou esquecimento necessitando de reciclagem, tanto nos manteve no obscurantismo, o colonialismo e o partido único. 


Porque quando, até quem devia fazer parte da fina flor e reserva moral da nossa sociedade, insurge-se contra uma acção legal introduzida nos tribunais nacionais como é o caso,  devemos ver se alguma coisa não deverá estar desparafusada na nossa mentalidade. Afinal, se num Estado de Direito há uma agressão às leis do país, qual é a instituição legal para dirimir o caso senâo os tribunais?


Qual é a posição desses  nossos dois ou três “ilustrados” em relação à sabotagem realizada no Menongue contra as jornadas parlamentares? Não seria esta a mais correcta oportunidade para falar da necessidade de perguntar quais são afinal as reais intenções dos autores de tal sabotagem?


Como estou convencido que tal posição não corresponde à da instituição ou instituições a que tais pessoas pertencem e, com todo o respeito que ainda assim lhes é devido, seria bom que eles próprios explicassem bem para esclarecer aqueles que ainda lhes fazem confiança:-  num Estado Democrático de Direito como a nossa Angola, a qual das instituições se devia dirigir o representante dos mais de 1 074 565 eleitores angolanos,  mais outros 2 341 841 excluídos da votação que se sentiram lesados pela ma conducta de outros cidadãos? Devia ter-se dirigido ao Ministério da Agricultura? Ao Ministério da Saúde?  Ou será que devíamos voltar à época do “sim patrão” e seguirmos caladinhos como rebanho de carneiros?


Reflictamos com profundidade sobre o estado do nosso país pois na verdade,  há  coisas que arrepiam e levam a pensar que devemos estar  muito enfermos,  sem no entanto estarmos conscientes disso.