Luanda – A maior e mais rentável empresa do país parece ter «abandonado» o projecto de abrir o bolso e comercializar o seu capital em acções nas Bolsas de Valores de Nova Iorque e de Joanesburgo. Quando completava 31 anos da sua fundação, em Fevereiro de 2007, na tradicional conferência de imprensa que promove a cada aniversário, a Sonangol anunciava para 2010 a sua entrada no mercado de acções, mais precisamente nas Bolsas de Valores de Joanesburgo e de Nova Iorque.

*N. Talapaxi S.
Fonte: SA

Para uma empresa do porte da Sonangol, se descontarmos os anos de conflito armado que o país enfrentou, em que praticamente não havia clima para a estabilização de nenhuma entidade empresarial, a medida de abrir publicamente o seu capital já chegava tarde. Tratava-se, pois, de uma decisão que terá sido bem pensada.

Para se chegar a tal ponto, já teriam sido sopesadas todas as vantagens e desvantagens que a companhia teria em abrir o seu capital. Além de mais, esse poderia ser o passo que outras empresas públicas angolanas poderiam seguir um bom empurrão para um aprendizado que se reflectiria no futuro mercado acionista angolano.

E não só: de um modo geral, essa iniciativa viria a contribuir para uma visão mais consistente na perspectiva que já se faz da nossa economia que, desde a pacificação, regista um dos maiores índices de crescimento no mundo.

Do ponto de vista financeiro, a petrolífera angolana estava segura de que nunca tinha estado tão bem como naquele instante. Manuel Vicente, que era o então Presidente do seu Conselho de Administração, tinha dado a conhecer que os resultados alcançados pela companhia no ano anterior (2006) eram considerados positivos.

CRISE DE 2008

O que talvez não se imaginasse, depois dessa boa-nova, é que, um ano depois, em 2008, o mundo seria devastado por um terramoto financeiro, que teria como epicentro os Estados Unidos, justamente uma das praças onde a Sonangol pretendia estrear-se no mercado de acções.

Numa altura em que o país experimentava uma expansão acelerada, impulsionada pelas receitas petrolíferas, a crise foi duramente sentida, na medida em que se caracterizou por uma descida dos preços do petróleo e das receitas. Isso causou uma desaceleração brusca da economia, que registou ainda a depreciação da moeda, a subida da inflação e o enfraquecimento da posição fiscal.

Com a quebra das receitas petrolíferas, o declínio da confiança dos investidores e a pesada intervenção do Banco Nacional de Angola para sustentar uma taxa de câmbio geri¬da muito à justa, as reservas oficiais decresceram um terço no primeiro semestre de 2009.

O projecto da Sonangol de abrir o bolso nas bolsas teve, então, de ser abortado. O mercado estava muito instável, e na visão de Manuel Vicente, expressava-se o cenário de terror: «muitos gigantes caindo como folhas de papel». E «falar de bolsas naquele momento era aleatório e inseguro».

Nesse mesmo ano, Angola abordou o Fundo Monetário Internacional (FMI), do qual é membro desde 1989, pedindo apoio financeiro para «estabilizar a economia», devido às dificuldades sentidas como consequência do colapso do preço do petróleo nos mercados internacionais.

O FMI aprovou um Acordo Stand-By (SBA) no montante de cerca de 1,4 bilhão de dólares. A grande condição exigida era a transparência na gestão das receitas fiscais, incluindo na estatal petrolífera. Esse era o elemento-chave de avaliação do acordo, cujo incumprimento poderia até bloquear o apoio financeiro daquela instituição ao país.

Mas, qual não seria a surpresa, quando, em 2011, num momento em que a crise já tinha perdido a força devastadora e muitos Estados já procuravam reerguer-se, o governo angolano dispensou 400 milhões de dólares ainda por receber do FMI, no âmbito do SBA. E abriu o caminho para pareceres em nada favoráveis a si.

ACUSAÇÕES

Embora se pudesse julgar ultrapassadas as condições adversas que levaram o governo angolano a socorrer-se do empréstimo do FMI, para muitos economistas, as exigências da instituição financeira quanto à transparência na sua gestão foram tidas como principal razão à recusa da governação angolana em continuar a embolsar o valor do SBA.

Os empréstimos milionários fáceis, como os da China, embora financiem realmente o desenvolvimento, sem as exigências semelhantes a do FMI, retiram a oportunidade do país evoluir no sentido da boa gestão e da transparência.

A Global Witness, uma organização internacional que há mais de 20 anos milita contra abusos ambientais e de direitos humanos, aproveitou a oportunidade e veio à tona acusar a Sonangol de ser tudo «menos transparente».

Para a Global Witness, o governo angolano não poderia começar a reverter a má reputação internacional de corrupção do país, se a petrolífera estatal, entre outras coisas, não divulgasse as suas contas auditadas e todos os detalhes dos movimentos de receitas do petróleo, inclusive entre empresas petrolíferas estrangeiras.

Contudo, apesar do vendaval de acusações de falta de transparência ter passado, havendo menos motivos para assustar-se, a Sonangol, quanto ao seu plano de figurar nas Bolsas de Valores, «calou-se», dando a impressão de que tinha deixado de se mexer oficialmente sobre esse assunto. Como até hoje a companhia não se explicou, abriu-se o ensejo a outras vozes pouco abonatórias.

No ano passado, outra especulação deu o ar da graça. A África-monitor noticiou que a Sonangol poderia vir a transformar-se na principal acionista da portuguesa Galp e assumir, assim, a gestão daquela companhia, através da compra de parte da italiana ENI na sociedade. Naquela altura a Sonangol era acionista indirecta da Galp, por meio das suas acções contidas na Amorim Energia, sócia directa da Galp. A ENI era a terceira parte sociedade que tinha a Galp e a Amorim Energia nos outros vértices.

A Áfricamonitor referia que a Sonangol estava a procurar autonomizar-se da Amorim Energia como uma estratégia destinada a assegurar um maior prestígio internacional, em linha com a perspectiva de vir a entrar na Bolsa de Valores de Nova Iorque.

QUESTIONAMENTOS

Não obstante, o governo angolano replicar ao dedo em riste de acusações das quais é alvo e afirmar que a Sonangol tem as suas contas auditadas por empresas de reputação internacional, deixando assim qualificado que a companhia cumpre com as regras internacionais nesse domínio, há questionamentos a considerar.

A nossa petrolífera não pode ter simplesmente engavetado o projecto de ingressar nas bolsas de valores. Isso é pouco crível mesmo que o momento não pareça tão bom para a economia global. Aliás, se os tempos de crise para uns, traduzissem-se em oportunidades de negócios para outros, a Sonangol, em vez de acanhar-se, não terá deixado de fazer novos investimentos, tanto internamente como no exterior.

Desse modo, diante dos benefícios que as bolsas representam – como maior acesso ao capital, a liquidez patrimonial, o uso de acções como pagamento em casos de aquisições, o referencial de avaliação do negócio e, ainda, o melhoramento da imagem institucional – porque é que eles seriam vistas como um «pato feio»?

A maior razão para que muitas empresas optem pelas bolsas de valores é o aumento da disponibilidade de capital imediato. A busca de recursos, através da abertura de capital, é mais barata do que o financiamento através de bancos. Além disso, as companhias, atingindo as expectativas dos acionistas, terão cada vez mais meios para investir em melhorias ou em novos negócios.

Todavia, a nossa empresa estatal de petróleos tem recorrido aos bancos, nacionais e estrangeiros, para adquirir os financiamentos astronómicos de que necessita. No mercado bancário doméstico, esses financiamentos têm precisado arregimentar consórcios para que aconteçam.

A última dessas peripécias foi anunciada no passado mês de Fevereiro, quando a Sonangol EP concluiu a contratação de uma dívida de longo prazo, no valor de dez triliões de kwanzas com o Banco de Desenvolvimento da China, por intermédio da sua subsidiária, a Sonangol Finance Limited.

Para a companhia petrolífera, a garantia corporativa baseia-se na robustez dos seus indicadores de desempenho operacional, comercial e financeiro, considerando que este empréstimo demonstra a robustez do modelo de financiamento de longo prazo para os seus projectos de investimento, que nos últimos sete anos contraíram cerca de 18 triliões de kwanzas em empréstimos.

Com toda essa «robustez dos seus indicadores de desempenho», é duvidoso que viessem a faltar liquidez aos papéis da Sonangol em qualquer mercado de acções. Essa é a grande vantagem das empresas petrolíferas. As suas acções são extremamente líquidas; os investidores conseguem comprá-las ou vendê-las com comodidade e ao preço do mercado.

TRANSPARÊNCIA


Como não basta ser financeiramente robusto para uma firma chegar ao ponto de emitir títulos no mercado de acções, a transparência na administração e principalmente no sector financeiro tornou-se um diferencial competitivo e de valorização da marca.

Na mais nova lista das 500 Maiores Empresas Africanas, elaborada anualmente pela revis¬ta Jeune Afrique, a primeira é a companhia argelina de combustíveis, Sonatrach, e em segundo lugar a petrolífera angolana, Sonangol. De acordo com a avaliação da publicação, o estatuto dessas empresas só não se consolida mais devido ao facto de não estarem cotadas em bolsas de valores.

Quer dizer que se a Sonangol abrisse os bolsos e colocasse o seu capital no mercado em forma de acções, tornar-se-ia numa empresa mais refinada na medida em que a força da imagem da companhia seria medida também pela transparência das suas contas que geraria a confiança exigida das informações básicas, ganhando reconhecimento e espaço no mercado, facilitando os negócios e atraindo os investidores.

A partir de uma decisão dessas, configura-se também uma maior responsabilidade para as acções de todos os integrantes da companhia, dos gestores aos subalternos. A Sonangol, como empresa «líder» em Angola, dada a sua importância económica e o exemplo de gestão que representa, não deveria ficar de fora das bolsas. Se isso continuar assim, o país corre risco de perder referência e refino.