Luanda – A imobiliária Imogestin é acusada de não ter um critério definido e transparente na entrega das casas da segunda fase do Projecto Nova Vida. De acordo com a denúncia, essa falta de princípios delineados faz com que exista um espaço de manobras impróprias que privilegiam alguns em detrimento de outros.

N. Talapaxi S.
Fonte: SA

No princípio de Outubro de 2009, do gabinete do director do Projecto Nova Vida, o arquitecto Manuel Marques de Almeida Pimentel, foi expedido o ofício que declarava ser o cidadão F.F. (iniciais parciais do seu nome) «beneficiário de um lote residencial», bem identificado, «conforme lista enviada à Imogestin».

A Imogestin é uma empresa de promoção imobiliária que, na condição de coordenadora executiva da segunda fase do projecto habitacional Nova Vida, está encarregada de comercializar as residências e prestar contas das suas acções à Comissão Nacional de Urbanismo e Habitação. De acordo com o seu relato ao Semanário Angolense, F.F., que não é funcionário público, já tinha acabado de liquidar o valor total do imóvel, com capitais próprios, e vivia a expectativa de «estrear» a nova residência.

Hoje, quase quatro anos depois de ter comprado o imóvel, a espectativa do cidadão deu lugar à impaciência e à insatisfação. Ele conta que cansou-se de escutar as sucessivas promessas de entrega feitas pela Imogestin. Mas, principalmente, «fatigou-se» com os favorecimentos que a empresa faz para algumas pessoas da «elite», em detrimento de outras.

Esse caso não é o único de que tivemos conhecimento. Porém, todos preferem manter-se no anonimato, temendo futuras represálias por parte da imobiliária, facto que certamente agravaria mais ainda a sua situação já pouco abalizada. Explica-se assim…

A Imogestin é então acusada de não ter um critério definido e transparente na entrega das casas da segunda fase do Projecto Nova Vida. De acordo com a denúncia, essa falta de princípios delineados faz com que exista um espaço de manobras impróprias que privilegiam alguns. Dentre essas pessoas «abençoadas», são apontadas as que pagaram o preço reajustado dos imóveis.

A segunda fase do Projecto Nova Vida, no âmbito de um Programa de Relançamento, aprovado pelo Conselho de Ministros, sofreu um reajuste em 2009. Os novos preços tiveram um aumento médio de aproximadamente 170% em relação ao valor inicial, aprovado pelo Conselho de Ministros em 2006. Segundo a resolução da equipa de ministros que reviu os planos, o princípio de reajustamento dos preços era com base nos custos reais de construção que seriam fixados pela Comissão Nacional de Urbanismo e Habitação.

Assinado em Maio de 2009, o «Acordo sobre as condições de execução e pagamento das residências a serem construídas no âmbito do contrato de subempreitada celebrado entre as empresas Constrói-UEE e a Gold Nest, no âmbito da segunda fase do Projecto Nova Vida», considerava que a «disponibilização de recursos financeiros a partir de outras fontes poderia dinamizar a execução do projecto».

É na base dessas determinações que, em parte, se julgam sustentadas as denúncias dos cidadãos que até agora não receberam as suas casas. Anotam que, além do «lobby» de «figuras influentes», o dinheiro dos que pagaram mais caro pelas residências também abarba o processo de entrega.

FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS REDUZIRAM

A resolução governamental que elevou os preços das habitações da segunda fase do Nova Vida, no entanto, salvaguardava os direitos daqueles que já tinham pago o mínimo de 40% do valor do imóvel fixado pelo Conselho de Ministros, ainda na esfera da implementação da primeira fase do Projecto.

Os funcionários públicos, que na primeira fase do Projecto constituíram o maior contingente de beneficiários (70%), com direito a compra no regime de renda resolúvel, agora, na segunda fase, compreendem somente 35% do total de favorecidos.

Sem a renda resolúvel, o Governo tinha ficado de estudar a forma de apoiar a classe do funcionalismo público na obtenção de créditos em condições bonificadas. Quem terá aprovado nesse processo pode já ter encontrado um lugar no Nova Vida, provocando essa «ilusão» de favorecimento, como a que tem sido observada pelos cidadãos que se queixam das acções de parcialidade da Imogestin.

A segunda fase do projecto habitacional Nova Vida, na Zona Sul de Luanda, foi aprovada pelo Conselho de Ministros, em Novembro de 2005. Por causa dos inúmeros constrangimentos enfrentados na sua implementação, em Outubro de 2009, o mesmo órgão aprovou um programa de relançamento do Projecto.

As obras, a priori, previam a construção de 2562 casas, divididas em várias frentes, que deveriam estar concluídas em Dezembro de 2011. A primeira fase foi realizada entre 2003 e 2006, concebida pelo Governo para minimizar o problema habitacional na cidade de Luanda, e envolveu a construção de 2.400 residências.

REINCIDÊNCIA(?): INSATISFAÇÃO NÃO É DE HOJE

Essa não é a primeira vez que o modo de entrega das casas da segunda fase do Projecto Nova Vida é alvo de acusações de «lobbysmo». Em 2007, candidatos à compra de moradias já tinham denunciado ao Semanário Angolense as práticas que privilegiavam alguns concorrentes, em detrimento de outros.

Naquela altura, o pretendente a uma casa no Projecto, farto de ser ultrapassado na lista de inscrições, tinha dito que ali não bastava fazer-se prova da capacidade financeira, «era fundamental ser membro de uma família reinante ou ter um peso político».

De acordo com as fontes deste jornal, entre os beneficiários figuravam altas patentes das Forças Armadas Angolanas (FAA), da Polícia Nacional (PN), familiares de membros do Governo e «filhinhos de papai».

Os queixosos indicavam que não se tratava de pessoas com necessidade real de ter uma residência, no sentido de as habitar, mas de indivíduos bem posicionados que tinham como objectivo arrendá-las; pessoas ligadas à nomenclatura do país ou com influências no seio da classe política e que, em muitos casos, já tinham sido contemplados na primeira fase do Projecto ou já possuíam habitação própria noutra parte da cidade.

Tinha-se ainda informações, segundo as quais, essas pessoas «bem-aventuradas» com ligações «superiores», estariam a abrir corredores junto dos vários bancos comerciais, sobretudo os estatais, para obterem créditos bancários.

RUI CRUZ, PCA DA IMOGESTIN: PAGAMENTO É O CRITÉRIO E A GARANTIA

No âmbito da segunda fase do Projecto Nova Vida, de acordo com Rui Cruz, presidente do Conselho de Administração (PCA) da Imogestin, a imobiliária encarregada pela comercialização dos imóveis, o pagamento total da residência é a garantia de que a casa será entregue.

«O critério de entrega das casas tem a ver com a data de pagamento», disse o responsável ao SA. «Quem paga, recebe a casa», sublinhou. Desse modo, explicou que os primeiros a pagarem recebem primeiro.

Com isso, Rui Cruz contestou as reclamações da falta de critérios nos moldes de comercializar as residências do Projecto Nova Vida, lembrando que o Governo planificou esta fase do empreendimento tendo em vista o seu auto sustento. «Isto quer dizer que as receitas geradas com a comercialização dos imóveis pagam a execução do próprio projecto», elucidou.

Deste modo, no seu ponto de vista, não existem favorecimentos. E mesmo entre os funcionários públicos e os compradores autónomos, a empresa não usa distinção no tratamento quanto à entrega dos imóveis. «Elas são entregues aos compradores que pagam», afirmou Rui Cruz repetidas vezes.

O administrador da Imogestin, esclareceu também que a renda resolúvel praticada na venda das residências da primeira fase não foi incluída nesta fase, justamente porque não se coaduna com a política de auto sustentabilidade do projecto em termos financeiros.

O responsável avançou ainda que um total de 1650 residências já foi entregue nesta segunda fase do Projecto, dos quais 1.300 são apartamentos. No geral, essa etapa prevê erguer e entregar um total de 3.140 residências até ao final de 2014.