Luanda - Alfredo Lídio Cândido tem o rosto banhado em lágrimas toda a vez que fala sobre a sua filha. O pai de Euridice Cândido, a jovem bancária cujo assassinato está agora em julgamento, chora ao lembrar das características da filha, chora ainda ao pensar no sofrimento da neta que chama diariamente pela mãe e chora mais ao recordar as imagens da sua filha inerte no chão no dia em que foi morta. Nessas palavras, balbuciadas entre um e outro choro, o cidadão acusa o pai da filha de Euridice, o antigo governador José Maria dos Santos, de estar directamente envolvido na morte da jovem.

*Mariano Brás
Fonte: A Capital

Alfredo Cândido queixa-se da actuação do juiz Adriano Baptista, sugerindo mesmo que uma força oculta esteja a proteger o antigo governador, colocando-o, mesmo, acima da Lei.

Qual é a sua perspectiva ao redor deste julgamento?

Caro jornalista, no país em que a gente vive fica muito complicado fazermos previsões acerca da Justiça, afinal temos informações de que determinadas sentenças são compradas. Aqui, a Justiça não se faz sentir. Estamos, ainda, num país de arco-íris. Por exemplo, não se compreende que, se o crime foi público, toda a gente sabe como aconteceu, não se sabe agora qual é o motivo pelo qual o senhor juiz faça com que o julgamento decorra à porta fechada. Qual foi o critério? Só ele pode explicar. Acho que a perspectiva de facto deste julgamento é muito complicada, muito complexa. E nós estamos a ver uma série de interferências, de comportamentos esquisitos ao nível de quem, de facto, deveria demonstrar que a Justiça existe nesta terra. Por isso, senhor jornalista, fica-nos muito complicado prevermos qual vai ser o  desfecho deste julgamento.

De que comportamentos esquisitos fala, concretamente? E da parte de quem esses comportamentos vêm?

Assistimos às primeiras sessões de julgamento e temos visto o comportamento da pessoa que tem a causa do julgamento, isto é, do juiz. Ele não tem sido imparcial e, por esse facto, e com este comportamento, ficamos sem saber de facto qual vai ser o desfecho da Justiça, se será resultado de um julgamento justo ou não.

Ainda não disse, em concreto, o que o preocupa na actuação do juiz Adriano Baptista? O que tem ele feito para apoquentar a sua família?

Bem, o juiz tem tido atitudes arrogantes contra os nossos advogados. Não podemos aceitar que um indivíduo que, absolutamente, não tem nada a ver com este crime, nomeadamente, o irmão do pai da minha neta, esteja preso. Está preso porquê? Ele nunca teve qualquer relação com a minha filha, ela que foi vítima desta cabala toda montada pelo pai da filha dela. Portanto, não vamos aceitar que o senhor juiz mantenha o mesmo comportamento arrogante e prepotente que tem tido para  com os advogados da acusação, isto não vamos aceitar. Por outro lado, o juiz, na lista dos declarantes, pulou do 9 para outros números seguintes. O décimo declarante não aparece, será que está acima da Lei? É superior a qualquer outro angolano? Não será cidadão angolano? Goza de imunidade de alguma coisa, a ponto tal de não poder ser ouvido em tribunal? Então, só o senhor juiz pode responder. Sinceramente, espero que no decorrer deste julgamento alguém dê um "puxão de orelhas" a este juiz para que as coisas possam mudar, caso contrário vamos ter um resultado muito desastroso.

Tem alguma dúvida de que as pessoas julgadas estejam, de facto, relacionadas com o crime, que sejam os verdadeiros. Na opinião da família essas pessoas que estão a ser julgadas são os verdadeiros culpados do assassinato da sua filha?

A justiça diz que sim, as pessoas que realizaram a instrução processual dizem que foram eles, houve de facto uma distracção de nossa parte por não colocar de início um advogado a acompanhar a instrução processual, mas eu e alguns membros da minha família falamos também com o director da DNIC e nos garantiu que realmente são estes indivíduos. Agora, acredito que uma pessoa está solta. Acredito que esta pessoa é parte do crime, refiro-me ao irmão do indivíduo que nunca teve nenhuma relação com a minha filha e que, agora, aparece como mandante, ou como mentor do crime.

Duvida que o senhor Manuel Ferraz dos Santos tivesse motivações suficientes para assassinar a própria cunhada?

Se teve motivações, foi incentivado por alguém. Um indivíduo que trabalhava na pedreira, em Portugal, que tinha regressado a Angola dias antes do crime, que não tinha absolutamente nada de bens materiais, onde teria encontrado 25 mil dólares para pagar aos assassinos e outros cento e tal mil dólares ao curandeiro? É complicado isso, onde ele teria arranjado todo esse dinheiro? Ele trabalhou em Portugal com pessoas que conheço, que me disseram que, nem pensar, que ele não tinha o mínimo de condições para fazer isso. Ele foi mandado por alguém para fazer esse trabalho, e ele sabe bem quem o mandou.

Até onde o senhor sabe, o que estará por detrás do crime? A sua filha recebia algumas ameaças de morte?

Muitas. Na altura, quando ela recebia ameaças de morte por parte do antigo Governador da Província de Luanda, o senhor José Maria dos Santos, eu disse à minha filha que podíamos agir para acabar com aquilo, mas ela pediu muito nos seguintes termos: "pai não vale a pena, porque eu sei o que estou  a fazer". E assim ficou, até o pior acontecer, mas garanto-lhe que, se naquela altura tivéssemos agido contra este indivíduo, não chegaríamos a esse nível. Infelizmente, as nossas filhas, o senhor  já sabe como é que elas são...

Qual era o teor das ameaças que ela recebia?

A minha filha mostrava-me várias mensagens, nas quais, por exemplo, dizia "se não ficares comigo não ficas com mais ninguém" ou ainda "eu tirei-te da lama, encontrei-te na desgraça" e coisas do género. Eram várias ameaças que ele fazia. E delas (das ameaças) surgiu o pior, isto é, dois meses antes da minha filha morrer, ele (José Maria dos Santos) mandou o irmão à casa dela. Ela não o deixou entrar e levou-o até à minha casa, nos  Coqueiros. Ali, este mesmo indivíduo fotografou a miúda e levou a fotografia aos bandidos que executaram o trabalho. Todas essas ameaças, que estão no telefone e nos computadores dela, entregamos à Polícia.

No processo consta que a sua filha fazia chantagem ao senhor José Maria dos Santos, ameaçando-o de tornar públicos alguns segredos, exigindo dinheiro como contrapartida para o silêncio. O senhor sabe disso?

Chantagem propriamente dita, não. Se é este o conceito em face do comportamento dela, este é um problema deles dois, mas garanto-lhe que ela tinha em sua posse informações contra ele. Agora, dizer que fazia chantagens pedindo dinheiro para não torná-las públicas, isto é complicado, eu não posso afirmar taxativamente se sim ou se não. Acho que é muito complicado eu fazer qualquer comentário relativamente a isso, pois só ele pode dizer e ela, estando morta, não vai poder defender-se. Agora, que ele fazia ameaças de morte fazia e, inclusive, também mandou uma senhora identificada como Bobola, com quem ele também tem filho, para ameaçar a minha filha, lá isso ele mandou.

Sobre a morte da sua filha, há várias versões: fala-se também que a sua filha, funcionária bancária, eventualmente tenha sido morta por mexer na conta de um cliente, mas há quem diga, por outro lado, que ela estivesse envolvida com tráfico de drogas. Até que ponto isso é verdade?

A informação que nós temos, tudo isso foi criado pelo senhor José Maria dos Santos, que coloca essas desinformações na Internet, recorrendo a nomes falsos. Usou nomes de pessoas que não têm nada a ver com o caso de assassinato, como foram os nomes do antigo ministro da industria, o nome do Quim Ribeiro e de tantos outros que ele evoca. Acredito que seja ele, mas não digo taxativamente que não, é bom que o senhor jornalista escreva bem isso que estou a dizer. Quanto à questão de mexer na conta de alguém, isso o banco pode provar, pois falei com o chefe directo dela e nunca me disse que isso fosse verdade, isto é, não existe nada oficial, nada que aponte para que a minha filha tenha feito algo assim, como também nunca recebi oficialmente uma informação a dizer que a minha filha foi morta por mexer na conta de um cliente. Mas, segundo informações vindas de pessoas de confiança, todas essas informações que são publicadas na Internet contra a minha filha, quem as publica é o próprio José Maria dos Santos com a intenção desviar o rumo das investigações.

A sua filha, além das ameaças que diz ter recebido do senhor José Maria, não lhe disse se recebeu também ameaças vindas de outras pessoas?

Ela só me falava dele e, a posterior, das pessoas que ele mandava, incluindo as pessoas que depois fizeram o trabalho, entre os quais de um cidadão da República Democrática Congo. Note que ela foi morta na sexta, mas na quinta-feira recebeu um telefonema, que parecia ser do curandeiro ou do executor, pois são eles que têm essas características, fazendo-lhe também ameaças de morte.

E o que disseram, de facto?

Quem sabe melhor é minha outra minha filha. Depois da irmã ser morta, ela disse-me: "olha pai, ainda ontem ela recebeu um telefonema de um indivíduo zairense que a ameaçava".

O senhor concordava com a relação amorosa entre a sua filha e o senhor José Maria?

Epá, senhor jornalista, é bastante complicado, nós os pais... Esse indivíduo que foi Governador de Luanda sabe que eu sempre me contra-pus à relação da minha filha com ele, tive muitos problemas com ela por causa desse indivíduo. Mas, enfim, as pessoas só acreditam quando o pior acontece. Se houvesse o bom-senso, humildade por parte dos nossos filhos, se tivessem essa capacidade de ouvir os conselhos dos pais, avós e tios – olha que os meus pais foram muito conselheiros dela –. Eu fui, inclusive, até à sede do partido, falei com um dirigente e falamos sobre este indivíduo, eu próprio falei com ele, mas ainda assim as coisas chegaram onde chegaram.

Disse que a sua filha recebia, além de telefonemas, mensagens via telefone e pelo correio electrónico dela. Os telefones e computadores foram entregues à Polícia na fase de investigação?

Claro que sim. Todas as mensagens estão no telefone e computadores que foram entregues à Polícia, mas também não sei o que fizeram com elas apesar de os investigadores disserem que só conseguiram chegar aos criminosos graças às mesmas.

Quem atribui, então, a responsabilidade ao irmão do pai da sua neta?

Aí é que está uma das complicações da Justiça. O irmão dele nunca teve nenhuma relação com a miúda que foi morta. A relação que ela teve é com o ex. Governador de Luanda e me espanta que ele não esteja preso, nem aparece envolvido no crime. Quer dizer: o indivíduo faz a sua vida normalmente, casa, viaja e nada acontece com ele.

Acredita então que o senhor José Maria esteja a ser protegido?

Se não estivesse a ser protegido, já estaria na cadeia. O lugar deste indivíduo é na cadeia, quem tem que estar preso é ele e não o irmão.

Fala-se em casas no Zango e no assassinato de mais uma pessoa...
Estes são pormenores que um dos indivíduos, que fez o papel de intermediário entre o irmão do antigo Governador e os assassinos, falou antes de ser morto por envenenamento. E acredito que não houve também interesse por parte dos investigadores para saberem quem fez isso. Antes de morrer, ele confessou à mãe tudo o que o indivíduo, que o recrutou à  mando de alguém, prometeu dar: casa no Zango e outras coisas. Este indivíduo que recrutou não tinha capacidade para dar tudo isso. São evidências. E, mesmo perante todas essas, não se prende este indivíduo. Não sei porquê este senhor juiz teima em realizar o julgamento à porta fechada, não sei o critério que usa para fazer isso. Será para esconder este crime? O irmão do José Maria nega tudo, diz que nunca viu nenhum daqueles indivíduos, mas o curandeiro disse que foi ele quem lhe fez o pagamento, portanto, eu acho que este julgamento devia ser público para o povo ver e saber toda a verdade.

Da relação que a sua filha teve com o senhor José Maria resultou o nascimento de uma criança. No período do óbito, ele apareceu?

O senhor jornalista acha que quem manda matar alguém vai a parecer mais no local?
Olha, ele só apareceu lá dois meses depois, mas para dar show, acompanhado da actual mulher dele, apareceu com um monte de seguranças, a dar uma de inteligente. Sinceramente, não sei o que ele foi lá fazer senão dar show, porque não disse absolutamente nada.

Como era a sua filha em vida em termos de carácter?

Era uma miúda que tinha personalidade, muito inteligente, nunca reprovou, fez pós graduação no exterior, enfim, no aspecto de formação ela estava bem, mas era muito teimosa... Mas é próprio da juventude, pois a juventude tem um carácter que dificilmente nós os pais conseguimos caracterizar. Como todo o ser humano, ela tinha também os seus defeitos e agora descreve-los é complicado. Mas a minha filha tinha tudo em termos de beleza e inteligência. Na altura da solidariedade, ele não apareceu e, segundo informações, ele foi aconselhado pelos serviços de inteligência a não aparecer em minha casa porque senão lhe iríamos matar. É tudo mentira.

O que leva a sua família a estar apreensiva com o novo casamento de José Maria dos Santos?

Olha, há 20 ou mais anos, a actual esposa, que é a ministra Rosa Micolo, dele teve uma relação com um dos meus irmãos, de que resultou o nascimento de uma filha. Quando a minha filha morreu, ela apareceu em minha casa dizendo que era advogada do Governo da Província de Luanda. Entretanto, nós confidenciamos, a ela, diversos segredos referentes ao assassinato. Quando aconteceu, este casamento dela com José Maria dos Santos foi uma surpresa, mas não nos sentimentos traído porque ela não estava com ninguém da nossa família, garanto-lhe que neste casamento existe um pacto, um acordo, pois nós falamos muito sobre este indivíduo e ela sabe bem quem ele é. Digo-vos que o tempo vai confirmar tudo o que digo.

Como se encontra hoje a filha da malograda?

Está bem, mas com muita saudades da mãe. Ela viu uma matéria, com uma fotografia da mãe, ela segurou o jornal e quase que o comia de tanta emoção ao mesmo tempo que chorava. Ainda não lhe dissemos a verdadeira história. Achamos que também é muito cedo para ela compreender isso.

Onde se encontrava, quando a sua filha foi morta?

Estava em casa, quando por volta das 18 horas, quase 19 horas, uma das minhas filhas ligou a me dizer que a irmã tinha sido alvejada. Ainda perguntei, onde lhe tinham acertado, mas ela não sabia responder. Quando lá cheguei, encontrei a minha filha no chão, já sem vida.

Depois de terminar este julgamento e seja qual for o veredicto final a família pensa ficar por aqui?

Não. Eu vou até às últimas consequência para colocar este indivíduo, onde ele deve estar. Aconteça o que acontecer, demora o que demorar, mas ele vai ter o fim que deve ter, pois não pode ficar impune.