Luanda – Em 1992, Angola jubilou com a instauração do multipartidarismo na sequência da assinatura dos Acordos de Bicesse em Portugal entre os beligerantes, MPLA e UNITA. Os acordos de Bicesse resultaram da derrota militar das FAPLA (braço armado do MPLA) pelas FALA (exercito militar da UNITA) em Mavinga, na tentativa de conquistar este baluarte que constituía na altura a porta de entrada para o território controlado pelo Galo Negro, com destino a sua base mística de Jamba.

Fonte: Club-k.net

Os acordos estabeleceram entre outro a realização no país das primeiras eleições gerais - legislativas e presidenciais - para Setembro de 21992. A instauração de um sistema político multipartidário significou para o povo angolano o surgimento de uma democracia com o pluralismo partidário ou melhor de vários partidos políticos.

O povo jubilou e acreditou que o MPLA, que usurpou o poder em 1975 violando os Acordos de Alvor que assinou com a FNLA, UNITA e Portugal sobre a independência de Angola, terá a partir de 1992 de conviver outras formações políticas concorrentes. Os arqui-rivais do MPLA no xadrez politico angolano são nomeadamente a UNITA e a FNLA actualmente em agonia.

A UNITA abandonou o maquis para as cidades e fez estremecer o MPLA cujos dirigentes estavam a preparar as malas para fugirem do país. Surgiram como cogumelos cerca de uma centena de outros partidos políticos, cujos mais expressivos eram o PRS (Partido de Renovação Social) - que muitos consideram como sendo um movimento independentista do Território Lunda -, o PLD (Partido Liberal Democrático), o PRD (Partido Renovador Democrático), o PAJOCA (Partido da Juventude Operaria e Camponesa de Angola), PDP-ANA (Partido Democrático para o Progresso da Aliança Nacional Angolana), FpD (Frente para a Democracia) e PADEPA (Partido de Apoio Democrático para o Progresso de Angola).

O acréscimo destes partidos ao lado dos já existentes UNITA e FNLA aqueceu ao rubro o clima politico em Angola. A oposicao parecia estar forte. Uma democracia precisa de uma oposição e uma sociedade civil fortes.

Durante a guerra fratricida entre o MPLA e a UNITA, as FAPLA não conseguiram apresentar sequer uma unha de um guerrilheiro dos maninhos morto ou capturado em combate. Excepto ostentou como troféu um diário pertencente ao General Tembi-Tembi, morto em combate em Cazombo, município do Alto Zambeze, Província Moxico.

Desconhecia-se a palavra dissidência no seio da UNITA que era vista como sendo uma das guerrilhas mais fortes, coesas e ricas em termo  de recursos financeiros e humanos. O movimento do Galo Negro era dotado de quadros intelectuais respeitados, íntegros e poliglotas.

Mais alto é o alvo, mais forte é a queda! Na véspera da realização das eleições de 1992, surgiu uma primeira dissidência brutal e demolidora de  pesos pesados da UNITA. Dois co-fundadores do movimento, nomeadamente Miguel Nzau Puna e Tony da Costa Fernandes – ambos naturais de Cabinda - saltaram do barco ingressando ao MPLA. Raul Danda seguiu as pegadas dos seus tios, só que a sua fuga foi ofuscada pelo forte impacto da notícia dos primeiros.

Nzau Puna era durante muito tempo o temível secretário-geral da UNITA e Tony da Costa Fernandes, o seu secretário para as Relações Exteriores. A fuga de ambos abriu a porta às dissidências e à vulnerabilidade da UNITA e abalou profundamente o líder-fundador Jonas Malheiro Savimbi.

Seguiram-se outras dissidências espectaculares como as Dinho Chingunji, Jorge Chikoti  e os Generais do grupo de Zacarias Mundombe (…), Geraldo Sachipengo Nunda, dito “Lin Piao”, o actual chefe de estado-maior das FAA e de dirigentes que capturados em Luanda na sequência do conflito pós-eleitoral, de Eugénio Ngolo Manuvakola, Jorge Valentim e dos 16 deputados que recusaram ceder seus lugares aos outros companheiros regressados das matas.

Manuvakola e outros dissidentes formaram uma UNITA dita Renovada cuja doutrina é o anti-savimbismo. Nzau Puna e Tony da Costa Fernandes fundaram a TRD (Tendência de Renovação Democrática) com a participação Raul Danda, segundo rumores não confirmados.

A TDR alegava que José Ndele – outro dirigente e dissidente da UNITA natural de Cabinda – era seu presidente, mas este desmentiu as informações em conferência de imprensa realizada em Luanda, afirmando desconhecer o que se tratava. Tendo-se tornado porosa, a UNITA não conseguia mais travar a fuga dos quadros, principalmente os mais emblemáticos e as elites étnicas.

A economista Fátima Roque e mesmo o musico Bonga – apesar deste ter sido simplesmente amigo de Jonas Savimbi (também da UNITA?) – saltaram do barco e foram vistos forrados ao MPLA na tribuna montada na Praça da Cimangola em Luanda durante uma missa do falecido Papa católico João Paulo II.

E onde anda musico Sam Manguama que cantou e encantou o público durante a campanha eleitoral dos maninhos em 1992? Mesmo o abandono de amigos influentes que promoveram a UNITA e limparam a sua imagem, despindo-a da manta de diabolização que o MPLA a vestiu, dilui o protagonismo da formação politica e deita-a num descrédito junto da população atenta.

E o caso do silêncio incomodo e perturbador do humorista Jojó que com o seu programa Njando na Rádio Despertar (RD) fazia parar Luanda, e mesmo Angola. Os ouvintes estão doentes com o apagão desta voz e desses humores insubstituíveis e inimitáveis. Uma voz e uma vocação são inatas e nunca se improvisam.

Os últimos mais famosos dissidentes são nomeadamente Alda Sachiambo, carinhosamente chamada por Mana Aninhas, Abel Epalanga Chivuvuku, Kandanda, Aniceto Hamukuaya e o general João-Baptista Chindandi “Black Power).

Chivukuvuku e Aninhas são da etnia ovimbundu do Huambo e Bie, Hamukuaya é Kuanhama do Cunene e Chindandi, Ngangela do Kuando-Kubango.

Alda Sachiambo era chefe da Bancada Parlamentar da UNITA, é uma das viúvas de Jonas Savimbi, carismática, poliglota e era apontada como possível sucessora de Samakuva na presidência do Partido. Depois das eleições de 2012, a situação tornou-se confusa para os maninhos nas províncias de Muenevunonge (Kuando Kubango) e de Cabinda, com dissidências constantes a mistura.

Chivukuvuku juntou-se a outros partidos políticos extra-parlamentares, nomeadamente os POCs e PAJOCA e outras individualidades e fundaram uma Coligação denominada Convenção Ampla de Salvação de Angola- Coligação Eleitoral (CASA-CE).

O medico pessoal de Jonas Savimbi, Carlos Morgado, o co-fundador Carlos Kandanda, o eloquente Americo Chivukuvuku e o jovem sociólogo Rafael Aguiar, também fugiram da UNITA juntando-se a CASA-CE de Abel Chivukuvuku. Questiona-se a participação de Jardo Muekalia, representante da UNITA nos Estados Unidos da América, no Congresso da CASA-CE, noticiada pelo Club-K.

Todos os dissidentes avançam como razão o tribalismo, desprezo e ingratidão. O Galo negro não reconhece o trabalho de ninguém, o bem que o outro faz ao partido. No que diz respeito ao tribalismo, muitos alegam que apesar de a UNITA ter a sua base política no povo ovimbundu do centro-sul de Angola (províncias do Bie, Huambo e Benguela) e um pouco Kwanza sul, o poder concentra-se nos elementos do Bie que subalternizam e excluem os outros.

As pessoas oriundas de outras províncias que ingressam no partido são rejeitadas, odiadas e consideradas de pára-quedistas, oportunistas e estranhos. “Ele não é nosso, veio donde e quer tirar o lugar a quem?” – se questiona.

Outro motivo mais evocado nos últimos tempos é o de haver no seio do partido um grupo de dirigentes privilegiados para exercer cargos de chefias. O grupo daqueles que eram chefes militares e políticos nas matas, governantes no GURN (Governo de Unidade e Reconciliação Nacional) e são deputados vitalícios desde 1992 até a data presente. São os intocáveis e insubstituíveis.

A UNITA minimiza as dissidências considerando-as de inócuas, não provocam nenhuma crise nem afectam o partido. “A única e maior crise que o partido conheceu foi a da morte do Presidente-fundador, Jonas Savimbi. Se a UNITA sobreviveu desta crise, não haverá outra que a fará sucumbir” – refere uma linguagem da UNITA que se tornou oficial.

Desprezam os que abandonam o Partido considerando que eles não representam nada nem sequer nas suas regiões de origem e não terão pernas para andar fora da UNITA. Mas Jonas Savimbi enalteceu Nzau Puna reconhecendo que “Ele é barão de Cabinda”, mesmo depois de este ter fugido do Galo negro.

A sabedoria kikongo defende que “a minha aldeia deve entrar-se e não sair-se” (E vata diame, diziwanga kedivayikuanga ko). E que não se deve retirar as lenhas que deitam o fumo, para não apagar o fogo (Vola e singi ekio kumuisi, isingi yoyo ilalanga).

Nos partidos políticos, ser critico e ter fama equivale a cometer um crime mortal. A fama é reservada exclusivamente para o chefe-máximo ou seja o Presidente. Os chefes rodeiam-se de bajuladores.

As figuras públicas e as personalidades famosas com aceitação popular são combatidas. “Não estou a favor de pessoas consideradas ícones, patriarcas ou elites nas suas regiões, etnias ou tribos de origem. Estas envaidecem-se” – refere um alto dirigente partidário. Razão pela qual as formações politicas forjam e improvisam seus heróis que impõem às populações mesmo que estas os rejeitam.

Por seu lado, a FNLA começou a desmoronar-se logo após a sua expulsão de Luanda pelo MPLA  e forcas do Pacto de Varsóvia. A maioria dos membros do Bureau Politico abandonou o movimento, começando por Hendrick Vaal Neto, Afonso Milton, Paulo Tuba, Kamabaya, etc.

Os comandantes militares também abandonaram, como é o caso do General Ntonta. Todos renderam-se ao MPLA no quadro da politica de clemência e Integração proclamada por Agostinho Neto em Cabinda.

A situação politica da FNLA é extremamente confusa, existindo actualmente duas alas para o mesmo partido. Uma presidida por Ngola Kabangu – como cunhado e visto como o herdeiro natural do Presidente fundador Holden Roberto – e outra por Lucas Ngonda.

Sem menosprezar a omnipresença de Carlinhos Zasala e Nsanda wa Makumbu. Estes tentam ressuscitar a UPA (Uniao das Populações de Angola), segundo a imprensa local. Outros dissidentes da FNLA de menor calibre aderiram a coligação Nova Democracia (ND). Trata-se de Lais Eduardo e Freedom.

O PRS surgiu e meses depois explodiu na sequência da disputa pela presidência do partido entre Eduardo Kuangana e António Muachikungu. As dissidências seguiram-se com Lindo Bernardo Tito – antigo chefe da bancada parlamentar do partido dos lundas -, Saizumbu e pensa-se de João-Baptista Ngandangina, que cobiça o assento de Kuangana.

O PAJOCA repartiu-se entre Alexandre Sebastião André e Ntetembwa com a vitoria do primeiro quem ficou, apesar dos pesares, como presidente do referido Partido.

O PDP-ANA também sucumbiu diante das dissidências dos dirigentes que compunham o que Mfulumpinga Nlandu Victor em vida chamava de “Quinta coluna”. Entre eles,  Armando. A fuga prosseguiu com Malungu Belo Honore, Mbunga za Venda Simão, Dialo e Mbemba Jorge. Malungu e Mbunga são ambos ex-secretários-gerais do partido, sucessivamente.

Um outro partido pequeno mas actuante, era o PADEPA de Carlos Leitão que introduziu as manifestações no campo político de Angola. Este Partido foi minado por dentro e os dirigentes mais temidos como Silva Cardoso, seu antigo Secretário-geral, Martinho capelo da informação e Manuel Alberto Dala seu representante no município de Cacuaco, renderam-se ao MPLA e criaram um outro partido com o mesmo nome.

É este PADEPA que o MPLA legalizou e reconheceu, proibindo Carlos Leitão de fazer politica. Foi assim que o MPLA matou o PADEPA e as suas manifestações. Nos POCs (Partidos da Oposição Civil), Manuel Fernando “usurpou” o poder expulsando Paulino Pinto João (PPJ) da presidência. O PRD de Luís dos Passos não resistiu e “faleceu” vitima das dissidências.

O Bloco Democrático (BD), antiga FpD (Frente para a Democracia) – considerado o Partido dos intelectuais ou simplesmente das elites citadinos de Luanda - foi o último a sucumbir diante das dissidências com as fugas espectaculares das suas vozes mais sonantes, nomeadamente Hermelinda Freitas na capital do país e Francisco Viena, em Benguela.

A CASA-CE é um bebe da politica em Angola, mas parece apresentar já  algumas fissuras em Luanda nas províncias. A notícia da renuncia do jornalista William Tonet, verdade ou não, e a confusão em alguns comités provinciais e municipais a exemplo de os do Zaire e Tomboco, são pontas de Iceberg.

Aconselha-se aos partidos da oposição angolana para fazerem um reboot, parar e reflectirem. Essas dissidências diluem o seu protagonismo face a um gigante maquiavélico e malandro que é o MPLA.