Brasil - "No Brasil, ninguém está a ameaçar os jovens, ninguém está a perseguir os jovens e seus familiares". As relações entre os povos angolano e brasileiro são seculares. O Brasil foi o primeiro país do mundo a reconhecer a independência de Angola em 1975.Nos dias de hoje, entre Angola e Brasil existem relações de natureza política, económico-comerciais, culturais e noutros domínios incluindo, por exemplo, educação e saúde. Também é importante frisar que muitos angolanos/angolanas, entre políticos, governantes e cidadãos em geral visitam o Brasil por várias razões, nomeadamente, tratamento de saúde, negócio, estudo e entre outras.


Fonte: Club-k.net

O exemplo que vem de Lula da Silva e o caso de Angola

 

Falarei apenas das lideranças políticas. Muitos líderes políticos e governantes visitam o Brasil para tratamento médico, negócios e gozo de férias. A quem diga também que algumas práticas e políticas públicas do governo têm sido feitas com assessoria brasileira. Também se diz que o Plano governativo do MPLA para 2012-2017, apresentado aos eleitores nas eleições de 2012, sob lema « Angola, a crescer mais e a distribuir melhor » terá sido copiado (em parte), segundo a imprensa, do plano governativo do “Partido dos Trabalhadores de Lula da Silva” e que a respetiva campanha terá sido feito por brasileiros a custo de muito dinheiro. Recentemente, o presidente JES admitiu em entrevista que Lula da Silva (ex-Presidente do Brasil)  é, talvez, o estadista que mais admira nos últimos anos. 


Estes pequenos exemplos demonstram como as lideranças políticas angolanas buscam no Brasil a sua fonte de inspiração governativa para alguns aspetos.

 
Há pouco menos de duas semanas, milhares de jovens brasileiros (na sua maioria estudantes) decidiram exercer a sua cidadania através de manifestações e protestos, inicialmente, contra o aumento do preço dos ônibus e agora também contra a corrupção, contra a falta de qualidade na educação, na saúde, fraca qualidade da segurança pública, a má distribuição da renda, contra os gastos excessivos do governo na preparação da Copa das Confederações e no Mundial de 2014 e também contra a falta de sensibilidade/respeito dos governantes aos anseios do povo.


Na generalidade, as manifestações têm sido pacíficas. Mas, também grupos de jovens extremistas de inspiração nazista entre outros, aproveitam a situação para praticarem atos de comprovado vandalismo e depredação do patrimônio público e privado e, como era de esperar, a polícia tem estado a exercer o seu papel.


A imprensa tem feito o seu trabalho de maneira exemplar e o trabalho dos jornalistas têm sido, na prática, respeitados pelas autoridades policiais. Pois eles estão apenas a cumprir a sua função: reportar e noticiar os fatos. Obviamente ouvindo as opiniões dos vários intervenientes nos acontecimentos.


Neste contexto, quero apenas refletir sobre o comportamento das lideranças políticas. No Brasil, ninguém está a ameaçar os jovens, ninguém está a perseguir os jovens e seus familiares. E depois de uma noite de muitos protestos, hoje, a Presidente Dilma Rousseff  veio a público dizer:

« Brasil hoje acordou mais forte. A grandeza das manifestações de ontem comprovam a energia da nossa democracia, a força da voz da rua e o civismo da nossa população. É bom ver tantos jovens e adultos, o neto, o pai, o avô, juntos com a bandeira do Brasil, cantando o hino nacional, dizendo com orgulho "eu sou brasileiro" e defendendo um país melhor. O Brasil tem orgulho deles.


Devemos louvar o caráter pacífico dos atos de ontem. O caráter pacífico dos atos públicos de ontem evidenciou também o correto tratamento dado pela segurança pública à livre manifestação popular. Conviveram pacificamente.


Infelizmente, porém, é verdade, aconteceram atos minoritários e isolados de violência contra pessoas, contra o patrimônio público e privado, que devemos condenar e coibir com vigor. Sabemos, governo e sociedade, que toda violência é destrutiva, lamentável e só gera mais violência. Não podemos aceitar jamais conviver com ela.


Isso, no entanto, não ofusca o espírito pacífico das pessoas que foram às ruas democraticamente pedir pelos seus direitos. Essas vozes das ruas precisam ser ouvidas. Elas ultrapassam, e ficou visível isso, os mecanismos tradicionais, das instituições, dos partidos políticos, das entidades de classe e da própria mídia.


Os que foram ontem às ruas deram uma mensagem direta ao conjunto da sociedade, sobretudo aos governantes de todas as instâncias. Essa mensagem direta das ruas é por mais cidadania, por melhores escolas, melhores hospitais, postos de saúde, pelo direito à participação. Essa mensagem direta das ruas mostra a exigência de transporte público de qualidade e a preço justo. Essa mensagem direta das ruas é pelo direito de influir nas decisões de todos os governos, do Legislativo e do Judiciário. Essa mensagem direta das ruas é de repúdio à corrupção e ao uso indevido do dinheiro público. Essa mensagem direta das ruas comprova o valor intrínseco da democracia, da participação dos cidadãos em busca de seus direitos.

 
Eu queria dizer aos senhores: a minha geração sabe o quanto isso nos custou. Eu vi ontem um cartaz muito interessante que dizia: "Desculpe o transtorno, estamos mudando o país" ».
 

Por seu lado, o ex-presidente Lula da Silva disse: « ninguém em sã consciência pode ser contra manifestações da sociedade civil porque a democracia não é uma pacto de silêncio, mas sim a sociedade em movimentações em busca de novas conquistas. (...) Não existe problemas que não tenha solução. A única certeza é que o movimento social e as reivindicações não são casos de polícia, mas sim de mesa de negociação ».

O que me chamou atenção, foi o modo como a presidente Dilma  tratou os jovens. Elogiou-os, valorizou-os e não ordenou explicita ou implicitamente perseguição aos jovens. E hoje, a juventude está a manifestar-se pacificamente nas ruas de mais de 10 Estados do Brasil.


Recentemente, durante uma entrevista, questionado sobre a alegada existência de instabilidade social em Angola, o presidente José Eduardo dos Santos, equivocadamente, associou também a instabilidade social às manifestações pacíficas e sem armas promovidas pelos jovens angolanos, e disse:
« (...) Não quer dizer que não haja focos. De quando em vez, há aqueles pequenos grupos de jovens que se organizam para realizar manifestações, particularmente em Luanda, mas nunca reuniram mais de 300 pessoas, que de uma maneira geral, são jovens com certa frustração, ou porque não conseguiram, não tiveram sucesso durante a sua vida escolar ou académica, não conseguiram uma boa inserção no mundo do emprego, etc. Mas são fenómenos muito localizados. De uma maneira geral, a perspectiva é de estabilidade quer política, quer social porque o Governo e o partido do Governo estão atentos a essas situações e trabalham com as grandes associações. (...) ».

 

Ao dizer isso, praticamente, ficou esclarecido o que o Presidente pensa sobre os jovens manifestantes! Também é mais fácil compreender as razões por que os manifestantes foram agredidos!


Já antes desta entrevista, vários líderes do partido governante têm estado a fazer pronunciamentos ameaçadores aos manifestantes. E, consequentemente, muitos jovens manifestantes têm sido agredidos sem proteção policial, são julgados injustamente, enfim, dois deles são tidos como desaparecidos. E sempre que há manifestação de jovens que não são, manifestamente, afetos ao partido governante o resultado é este.


O que há de diferente no pronunciamento dos dois Estadistas?  Quer a Constituição Angolana, quer a Constituição Brasileira reconhecem e estabelecem o direito de reunião pacífica e sem armas e sem autorização da autoridade competente. Então, onde está a diferença?


A diferença está na mentalidade! Está no espírito democrático assumido pelas lideranças! Está no modo de ver e aceitar as várias facetas da democracia das quais o exercício do direito de manifestação e a liberdade de expressão são apenas alguns exemplos. E a postura das lideranças é extremamente importante.


Numa sociedade democrática, os cidadãos podem exercer a sua cidadania através do exercício dos direitos e liberdades previstas na constituição entre as quais as liberdades expressão e crítica contraditória, de associação, de reunião, de manifestação, a liberdade de crença religiosa, o direito de petição, denúncia, reclamação e queixa, de gozarem de informação sem censura e manipulação, o direito de beneficiarem dos bens económicos e sociais do país numa base justa e num contexto de igualdade entre todos, uma vez que a CRA (artigo 23.º) também prevê a igualdade entre os cidadãos. Existe de facto o pluralismo de organização e convivência na diversidade.


Fazem parte da democracia, de entre outras coisas, as liberdades de expressão, de pensamento, de opiniões, de manifestações e protestos contra as injustiças sociais.


De facto, tendo se alcançado a Paz, JES e algumas altas lideranças do partido governante têm tido dificuldades para se adaptar às verdadeiras regras do jogo democrático, tal como previsto na CRA. Darei apenas, a título ilustrativo, alguns exemplos que demonstram a minha afirmação.

a) Vários professores e enfermeiros que se manifestaram ou fizeram greve recentemente acabaram por ser detidos, como ocorreu em Luanda, Bengo e na Huíla;

b) Manipulação da comunicação social pública na base da propaganda e da mentira, sem contraditório e imparcialidade no tratamento da informação;

c) Resistência em não alterar a bandeira e outros simbolos nacionais quando já é consenso geral que os mesmos foram adoptarmos na vigência do partido-Estado.


É caso para dizer que as nossas lideranças também podem seguir outros bons exemplos que nos chegam do Brasil, como o processo de construção da democracia. Mas, é preciso mudar de mentalidade!


Alguém poderá dizer: o Brasil não é Angola! De fato, não é. Angola não é Brasil. Mas, o Brasil também teve um passado marcado por uma ditadura política e, no que concerne ao reconhecimento constitucional dos direitos e liberdades fundamentais, o conteúdo das constituições é praticamente o mesmo.


O que é diferente é a mentalidade das lideranças. Umas são pró-democracia outras são pró-autoritarismo. A democracia se carateriza por permitir a livre formulação das preferências políticas, prevalecendo as liberdades básicas de associação, informação e comunicação, com objetivo de propiciar a disputa, a intervalos regulares, entre líderes e partidos a fim de alcançar o poder por meios não violentos e consequentemente exercê-los. E nos regimes autoritários existe um limitado pluralismo político, as liberdades fundamentais são reconhecidas na lei, mas não respeitadas pelas autoridades, não possuem uma ideologia elaborada, possui uma extensa ou intensa mobilização política utilizando os meios do Estado, e o grupo governante exerce o poder dentro de limites mal definidos por eles e não observando a lei (Manuel Gonçalves Ferreira Filho, 2012, p. 105).


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