Luanda – A procuradora Yemanja Videira impediu o juiz-presidente da 3ª Secção de Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, Adriano Baptista, de proferir a sentença dos réus do Caso Eurídice que iria  inocentá-los e restitui-lhes a  liberdade.

Fonte: O País

No momento em que entraram na sala de audiência, os arguidos, nomeadamente Manuel Ferraz dos Santos, 42 anos, Massidi Afonso, 25 anos, Matumona António (Edy Kuila), 33 anos, e Miguel Matowana (Tontom) demonstraram estar confiantes que sairiam impunes, em função das informações dos seus advogados. O último ameaçou agredir, um dos oficiais dos Serviços Prisionais, antes do início da sessão.

Antes de ser impedido de ler a sentença, o juiz procedeu à leitura de 22 quesitos, 17 dos quais não foram provados. Neste contexto, segundo fontes,  haveria motivo para justificar uma  sentença favorável aos réus.

“Em nome do povo angolano (…), quanto ao processo 2625/110A os arguidos Matumona António”, dizia o juiz, baseando-se no acórdão, quando foi surpreendido pela representante do Ministério Público que  manifestou o seu descontentamento e classificou o acto como uma grave violação à lei.

A magistrada defendeu que os quesitos deviam primeiramente ser discutidos e aprovados naquela mesma audiência, contrariamente aos trâmites em curso.

De forma irónica, o juiz-presidente retorquiu dizendo que devia ter sido informado antes do início da leitura do acórdão, pelo que já não era possível deter-se. Insatisfeita, Yemanja Videira insistiu, fundamentando a sua posição e alertando o juiz  que se prosseguisse nas suas intenções estaria a coartar-lhe um direito.

“Eu estava à espera dos quesitos no meu gabinete para debatermos”, declarou a magistrada. O juiz  questionou-a três vezes, se ela pretendia discuti-los naquele instante.

A procuradora respondeu que o ideal seria o juiz da causa ter enviado uma fotocópia dos quesitos não só a ela e à sua colega, assim como às instâncias de defesa e de acusação para que lhes fosse dada a possibilidade de sugerir alguns pontos que deviam constar no documento.

“Assim como nós fizemos a entrega das nossas alegações finais, porque o processo é extremamente massudo, os quesitos também foram muitos e nós gostaríamos de tê-los em nossa posse com a devida antecedência para lermos e fazermos passar…”, tentou explicar a magistrada, que foi interrompida pelo juiz.

Devido à insistência da procuradora e à sustentação da sua posição perante a lei, Adriano Baptista não viu outra solução senão suspender a audiência por 15 minutos e reuniu-se com todos os membros da mesa no seu gabinete, para que fosse achada uma solução.

O advogado dos familiares das vítimas, Bruce Filipe, que foi questionado pela procuradora se concordava com os quesitos minutos antes de interromper o juiz, foi chamado a participar nas conversações.

O juiz regressou à sala de audiência e passado três minutos, as procuradoras e o advogado ocuparam os seus assentos e foram trocando impressões enquanto elas analisavam os quesitos. Uma das auxiliares do juiz  entregou aos  réus um documento que elas e as duas declarantes também deviam assinar.  Uma delas é a irmã mais nova da vítima.

OS ARGUMENTOS DOS JUÍZES

Nos quesitos lidos por Adriano Baptista, durante a sessão, consta que não ficou provado que a decisão sobre o assassínio de Eurídice Cândido foi tomada no último momento, descartando a possibilidade que se havia levantado, segundo a qual, os acusados tinham inicialmente a pretensão de simplesmente  raptá-la e que a ordem para linchá-la foi dada na fase derradeira.

O juiz declarou ainda não ter ficado provado que o réu Manuel Feraz dos Santos, vulgo  Filó, entregou dez mil dólares à pessoa que supostamente havia solicitado que contratasse os autores do crime e posteriormente mais  15 mil dólares. No seu entender, não ficou também provado que o arguido comprometeu-se a dar cinco casas na comuna do Panguila aos supostos assassinos, além do valor em espécime como consta nos autos de pronúncia.

Quanto à relação que terá existido entre os réus Filó e Edy, o magistrado judicial declarou que ficou provado que eles não se conheciam antes de terem sido detidos pelos investigadores da Polícia Nacional.

O juiz-presidente disse ainda que não ficou provada a tese de que o arguido Filó teria orientado o arguido Nice que procurasse um curandeiro para que lhe fizesse um tratamento tradicional de protecção para que não fosse descoberto pelo crime que terão cometido. O mesmo sucedeu com as informações que davam conta de que o arguido Filó terá contratado o curandeiro Edy Kuila para que submetesse Nice a um tratamento tradicional, muito menos qual seria a finalidade do mesmo.

O juiz declarou que ficou provado que Filó beneficiou de um tratamento tradicional realizado pelo suposto adivinha, mas descartou a possibilidade deste se ter deslocado ao mercado dos Kwanzas, em companhia de Nice, com o intuito de comprar os produtos tradicionais que serviram para o seu tratamento.

“Ficou provado que o réu Filó permaneceu durante três dias na Pensão Ngaga Caju a assistir Nice a fazer o tratamento tradicional? Não provado”, declarou o juiz.

Ele disse ainda que não ficou também provado que o jovem Nice foi morto e muito menos que os seus algozes terão usado veneno para pôr fim à sua vida.

Ainda sobre o curandeiro, o juiz disse que não ficou provado que ele participou na actividade criminosa de que é acusado, mas que se beneficiou financeiramente da mesma acção. Acrescentando de seguida que ficou provado que os arguidos faziam-se acompanhar de uma arma de fogo com intenção de matar a ex-funcionária do Banco de Fomento Angola.

“Ficou provado que o réu Massidi recebeu bastante dinheiro, conforme a informação da folha 64? Não provado”, disse.

MINISTÉRIO PÚBLICO EM ACÇÃO

Antes de propor as alterações que seriam feitas aos quesitos acima mencionados, Yemanja Videira explicou aos presentes na sala o que são quesitos e para que servem. Dos 22 pontos apresentados pelo juiz-presidente, sugeriu que dez fossem alterados por classificá-los “vagos e difusos”. Nesta altura, o juiz Adriano Baptista olhava-a atentamente e abanava a cabeça.

Quanto ao facto de ter o juiz declarado nos quesitos que ficou provado que Filó contactou Nice, a magistrada sugeriu que fosse especificado o dia, a hora e o local onde o mesmo teria sido realizado, com base nas informações que constam dos autos.

Quanto à dúvida sobre se a conversa mantida entre Filó e Nice, fora sobre o rapto da ex-funcionária do BFA, considerou que este assunto ficou esclarecido ao longo das sessões anteriores. De forma inesperada e surpreendendo todos os presentes, Adriano Baptista apenas exclamou :“eh, eh, eh, eh, eh…”.

Foi ainda proposto que fossem refeitos os quesitos que abordam o momento em que foi tomada a decisão de assassinar Eurídice Cândido, por se achar inadequada a forma em que se encontravam elaborados, não permitindo aos procuradores e advogados precisar ao que, ao certo, o meritíssimo se referia.

“Ficou provado que o réu Filó deu dez mil e depois mais 15… Não se especifica neste quesito a quem, porquê, onde e quando, o que deveria ter sido feito”, explicou a procuradora.

A inclusão da forma como o malogrado Nice perdeu a vida, bem como o que originou o facto, não deviam ser retirados dos mesmos pelo facto de a sua morte não ser o objecto de discussão em julgamento.

Ela é ainda de opinião que se devia  especificar em que actividade criminosa o arguido Matumona não teria participado, bem como qual dos seus companheiros de cela beneficiou financeiramente da mesma acção.

“É preciso explicar concretamente qual dos réus participou e que vítima tinham a intenção de matar”, disse, classificando de seguida como sendo bastante vago o quesito que se refere à quantidade de dinheiro que o arguido Massidi terá recebido por não especificar o valor, o tipo de moeda e quem os entregou.

DEFESA CONFIANTE NA LIBERTAÇÃO  DOS ARGUIDOS

O advogado de defesa dos réus, Ildefonso Mánico, declarou, em nome dos seus colegas que compõe a mesa, que estão bastante confiantes que o Tribunal poderá inocentar os seus constituintes pelo facto de quase não existirem provas que justifiquem as acusações a que estão a ser vítimas.

Quanto ao protesto manifestado pela procuradora em relação ao requerimento e à breve troca de palavras que houve entre ambos, o advogado classificou como normal este tipo de atitude.

“Acredito que a nossa mensagem passou porque a reclamação que fiz tem respaldo legal e o meritíssimo juiz sabe que é do conhecimento oficioso e, no momento certo, isto é, ao responder aos quesitos e proferir a sentença, vai levá-lo em consideração”, explicou.

O defensor justificou ainda o facto de não terem formulado nenhum quesito adicional, alegando que se reviam naqueles que os juízes elaboraram e que os seus “adversários” adicionaram quesitos dispensáveis, por ter sido a reprodução da acusação.

“Estamos confiantes que a sentença será favorável aos nossos constituintes, mas se o tribunal tiver uma posição diferente, nós sabemos como agir em termos legais”, concluiu.

Na qualidade de único representante da instância de defesa, Bruce Filipe optou por não se pronunciar sobre o processo em si. Disse apenas que o mesmo está a seguir os trâmites normais.

“Nós, os assistentes, achamos melhor não nos pronunciarmos durante o processo para não perturbarmos a própria tramitação que se encontra em curso. Ainda não temos nada a dizer, mas no momento e em fórum próprio vamos trazer a público alguns elementos que consideramos fundamentais para a descoberta da verdade material”, garantiu.

Quanto ao comportamento do juiz em relação à leitura dos quesitos, o advogado considerou que “infelizmente o tribunal atropelou uma norma jurídica que determina que primeiro deve ser feita a discussão dos quesitos, para a posteriori ser feita a sua apreciação e tomada uma decisão de forma imparcial por parte deste órgão”.

Bruce Filipe disse que, apesar de se ter limitado a acrescentar aquilo que achava conveniente,  o Tribunal é livre de tomar qualquer posição relativamente ao processo.

“O erro é natural e o juiz não está isento do mesmo, por isso consideramos aquilo como um erro cometido por ele em função da sobrecarga e a pressão que os magistrados judiciais têm. Mas é uma situação que pode ser facilmente ultrapassada”, disse o advogado. E acrescentou: “defendemos a aplicação de uma pena pesada para os acusados, caso isso não acontecer poderemos recorrer à instância superior”.

De referir que na penúltima sessão, Yemanja Videira defendeu, aquando da apresentação das alegações finais, que os acusados sejam condenados à pena de prisão maior por terem  posto fim à vida da ex-funcionária da direcção de Créditos a Particulares e Negócios do Banco de Fomento Angola (BFA), Eurídice Cândido.

De acordo com informações que tivemos acesso, os advogados procuraram a todo o custo sustentar a tese de que os arguidos estavam a ser vítimas de uma trama e que as provas que constam nos autos terão sido forjadas.