Luanda - Tendo em conta o Club-k está a responder uma queixa apresentada pela Direcção Nacional de Investigação Criminal, devido a denuncia de torturas supostamente praticadas pelo seu efectivo como meio de obtenção de provas para obrigarem os detidos dos detidos na cadeia, com o processo 74/13. Retomamos aqui uma interessante matéria publicada pelo jornal O PAÍS sobre este assunto.

Fonte: O PAÍS

O número de detidos que acusam os investigadores da Polícia Nacional, em pleno tribunal, de os torturarem e os obrigarem a assumirem a autoria dos crimes que dizem não terem cometido tem sido frequente.

O líder do grupo de kuduro Os Lambas, Gelson Manuel Mendes “Nagrelha”, afirmou ao jornal A Capital que só assumiu que roubou uma motorizada e a tentativa de futar uma Hiace porque foi torturado e obrigado a confessar pelos investigadores da Direcção Provincial de Investigação Criminal (DPIC) destacados no Comando Municipal do Sambizanga.

Nagrelha revelou que “o tratamento dos presos que lá encontrei foi positivo, mas o que recebi dos agentes da Polícia que me levaram do Cine Atlântico foi diferente. Espancaram-me”. O músico disse que não mostrou resistência quando foi levado do local onde se encontrava até à Esquadra e ter-se mostrado disponível a colaborar com as investigações.

“O que eu sabia”, garante o detido, “respondi e aquilo que não tinha conhecimento não respondi”. “Mas eles achavam que estava a mentir e me espancaram por isso”, acrescentou. “Eu estava no meu local de trabalho, fui arrancado e espancado sem necessidade porque a Polícia sabe onde vivo. Como não fui apanhado em flagrante delito, então podia responder às acusações em liberdade, mas o que aconteceu é que fui preso e espancado sem fazer nada. Logo depois, toda a verdade surgiu e acabei, então, em liberdade”, garantiu Nagrelha.

Nagrelha contou que foi obrigado pela própria Polícia a assumir a infracção que lhe estava a ser imputada. Segundo ele, a Polícia esteve mais preocupada em apresenta-lo à imprensa no meio dos outros marginais do que em encontrar a verdade, o que fez com que ficasse quatro dias detido.

No ano passado, quatro jovens, que foram acusados de terem assassinado o juiz Gaspar Macumbi e o oficial da Polícia Niltom Janota, negaram a participação nos crimes e revelaram aos juízes da 6ª Secção do Tribunal Provincial de Luanda que só aceitaram assumir a autoria dos mesmos para se livrarem da tortura.

O réu Joaquim Miguel alegou que assinou os autos para se livrar da tortura a que estava sujeito. “Não tenho nada a ver com o assassinato do juiz e do polícia, só aceitei a história que consta nos autos e assinei-os porque os investigadores estavam a torturar-nos muito e como sofro de dor no peito não tive outra opção”, revelou o jovem, olhando friamente para a juíza que o interrogava.

Estas declarações não foram tidas em conta pela equipa de juízes, dirigida por Mariana Kalei, que o condenou a pena única de nove anos e oito meses de prisão maior e a multa de 10 mil kwanzas.


CULPADOS OU INOCENTES

A lista de detidos que acusam a Polícia de maus tratos é reforçada ainda pelos sete agentes da corporação que estão a ser acusados de assassinarem oito jovens no Largo da Frescura, no Sambizanga, em 2008.

Os réus revelaram, durante o julgamento, que foram mantidos em cativeiro e torturados por supostos investigadores da corporação enquanto decorriam os interrogatórios.

Faustino Alberto, então investigador da Direcção Provincial de Investigação Criminal (DPIC) destacado no Comando Municipal da Polícia Nacional no Sambizanga, negou a sua participação no assassinato. Ele disse que aceitou assumir a autoria do crime diante das câmaras da Televisão Pública de Angola porque os seus colegas, encarregues do processo, ameaçaram a sua integridade física.

Segundo o acusado, a declaração de autoria do crime que fez diante da imprensa estava num papel pequeno que lhe foi entregue pelos seus colegas para que decorasse as frases.

“Você vai falar o seguinte, nós quando estávamos em missão de serviço recebemos um comunicado a dizer que na área da Frescura existia um grupo de meliantes e quando lá chegamos fomos recebidos com armas e respondemos”, contou Faustino Alberto.

Faustino e os seus dois ex-colegas, nomeadamente Miguel Domingos Inácio “Micha” e João Miguel Florenço Francisco “Tchutchu”, explicaram aos juízes que estiveram detidos na Unidade Operativa de Luanda (UOL). Terá havido uma altura em que foram algemados e transferidos, segundo eles, com os olhos vendados para um lugar incerto, onde acabaram por ser torturados durante o interrogatório.

“Fiquei vários dias algemado com o rosto vendado no local onde fui torturado com catana e acabei por ficar com sinais no rosto, numa das pernas e nas costas”, disse o réu Faustino Alberto.

Durante a audiência, ele levantou as calças para mostrar aos membros da mesa do júri e aos advogados de acusação os sinais deixados pelas catanadas supostamente infringidas por agentes da Polícia Nacional.

O réu revelou que só deixaram de ser massacrados dias antes de terem sido apresentados a Procuradora.

Antes disso, eram movimentados de um lado para o outro com os olhos vendados.Sobre as transferências de locais, Faustino salientou que “não consigo dizer onde é que estávamos concretamente, porque havia momentos em que parecia que estava num quarto e outro que me encontrava num quarto de banho”.

“Notava que estava neste recinto devido ao cheiro que saía da sanita”, acrescentou Faustino, revelando que “só dormia no chão simples, algemado e me tiravam a venda no momento em que fazia a única refeição diária que tinha direito, com duração de cinco minutos. Mas nesta altura, o investigar aparecia com o rosto vendando”.

RÉUS DEVEM DENUNCIAR


O advogado Octávio Kapito defende que as pessoas que forem torturadas pelos agentes da Polícia Nacional enquanto estiverem detidos devem apresentar uma queixa diante do Ministério Público, porque não existe nenhum documento legal que permite este tipo de prática.

“As pessoas estão detidas de forma preventiva para serem apresentadas ao Ministério Público que encaminhará o caso ao Tribunal, e competirá a esta instituição aplicar a pena prevista em função dos documentos legais. Há situações que a Lei prevê o uso da força que não é a que está em questão”, explicou.

Octávio Kapito entende que “ao falarmos sobre este assunto somos obrigado a tipificar por quem e em nome de quem eles agem para se apurar a quem devem ser imputadas as responsabilidades”. “O facto dos agentes da Polícia serem servidores públicos leva-os a agirem em nome do Estado, mas é preciso esclarecer a quém devem recair as responsabilidades”, esclareceu o advogado.

Polícia nega acusações

O  Comando Provincial de Luanda, explicou a O PAÍS que as acções da sua corporação estão centralizadas na legalidade e no respeito pelos direitos humanos, por isso torna-se nula qualquer acusação sobre o recurso a torturas quer sejam físicas ou psicológicas para obter a verdade dos acusados.


“As acções da Polícia Nacional são todas fiscalizadas pelo Ministério Público e caso os seus funcionários constatem a aplicação de alguns meios ou técnicas inapropriadas durante o processo de investigação, para obter a verdade, somos punidos por isso”, explicou.

Na esperança de formar e refrescar os comandantes e oficiais em conhecimentos sobre a matéria de direitos humanos, o Comando Geral da Polícia Nacional rubricou em 2005 um acordo de cooperação com a Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD) com vista a implementar o projecto “Esquadra de Polícia Segura”.

A AJPD recomendou, em 2007, uma auditoria para avaliar os benefícios do projecto e concluíu que, a Polícia Nacional deixou de fazer prisões fora dos horários estabelecidos por Lei, reduzindo desta maneira as reclamações de violações à Lei de Buscas e apreensões e consequentemente aos direitos humanos.

Durante as formações, os participantes entraram em contacto os regulamentos da Polícia, as Medidas de Coerção Processual, a Lei de Prisão Preventiva e Liberdade Provisória, a lei das Revistas, Buscas e Apreensões: A Polícia de Investigação Criminal na Fase de Instrução do Processo, Direitos Humanos, os Direitos Humanos no Domínio da Aplicação da Lei, o Papel da Polícia numa Sociedade Democrática, Deveres e Funções da Polícia e o Uso da Força e da Arma de Fogo pela Polícia.

Atendendo aos resultados alcançados, a corporação previa alargar as formações até aos investigadores da Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC).

O programa foi criado com o objectivo de aumentar a consciência jurídica dos quadros da Polícia Nacional, capacitar técnica e juridicamente os comandantes de Divisão e Unidades Municipais bem como oficiais da Direcção Nacional de Investigação e dotar os quadros policiais de conhecimentos sobre os Direitos Humanos.

Contactada por este jornal, a coordenadora do programa de Reforma Penal da AJPD, Lúcia da Silveira, mostrou-se indisponível para se debruçar sobre este assunto, alegando que se encontrava doente.

Na tentativa de obter mais informações sobre o assunto, O PAÍS contactou esta quintafeira, 14, os advogados António Ventura e Inglês Pinto, mas não teve sucesso. O primeiro manifestou-se indisponível.