Luanda - A matéria sobre o Movimento Revolucionário Juvenil inserida na Edição no 513 de 13 de Julho de 2013 do Semanário Angolense (SA) ilustra bem a degeneração cancerígena que perniciosamente vem infectando o tecido jornalíistico angolano no quadro da estratégia, pensada ao pormenor, que visa em última instância a manutenção do poder por uma elite altamente predadora.

Fonte: Club-k.net

Sob o sugestivo título “Revus”Aliados ao Crime?, com direito a uma garrafal chamada de capa, o trabalho ocupa três das principais páginas daquele semanário com inverdades e meias verdades maquiavelicamente articuladas com o propósito único de desqualificar aquele movimento social aos olhos da sociedade. Assinado por Celso Malavoloneke, jornalista que jamais perde uma oportunidade para enfatizar a sua condição de estudioso do fenômeno comunicação e jornalista sénior, parecia ensejar uma oportunidade para discutir a questão das maifestações em Angola. Acalentei, por isso, uma secreta esperança de encontrar um trabalho algo profundo sobre a gênese do movimento, suas motivações, positivas ou negativas e outras nuances que permitissem compreender não apenas a sua acção mas também, e sobretudo, a atitude e reacção demasiado musculada das autoridades contra um grupo que elas próprias fazem questão de sublinhar o seu carácter minúsculo. Assim, o grande enigma que todos temos procurado decifrar é, sem dúvida, este paradoxo entre a reacção musculada das autoridades e a microdimensão que elas próprias atribuem ao movimento.

Pensava, pois, que o jornalista Celso Malavoloneke trouxesse nesta matéria subsídios valiosos que nos ajudassem a decifrar este enigma fornecendo insights sociológicos, políticos e ideológicos ou mesmo da psicologia social que pudessem explicar a gênese, a estrutura do movimento, o seu modo de actuação, enfim, diferentes perspectivas que permitissem construir uma visão diferente do movimento seja ela positiva ou negativa. É que, no meu pobre entendimmento, um problema só é problema na medida em que se apresenta com muitas faces. Como fica difícil obter uma visão que abranja a totalidade dos ângulos, isto é, ter uma visão completa, esta fica condicionada e dependenete do ângulo a partir do qual o observamos e das lentes teóricas, ideológicas ou mesmo tradicionais que usamos para radiografá-lo. Ampliar a nossa visão do problema significa experimentar diversos angulos e lentes e isso só é possível mediante um exercício de permuta de subjectividades (intersubjectividades) que favorece a alteridade. O debate de ideias, a busca incessante de informações, enfim, o estudo crítico e isento do problema são formas que operacionalizam este exercício salutar que permite a compreensão do outro e ameniza a aceitação do diferente e das diferenças. No caso em epígrafe (do Movimento Revolucionário) sempre considerei a atitude do Governo totalmente despropositada e, portanto equivocada na sua essência.


É justamente, por isso, que ao confrontar-me com esta chamada de capa do SA cresceu dentro de mim um intenso interesse e, infelizmente, tenho que confessar aqui que as minhas expectativas foram totalmente defraudadas. É que, longe dos insights que acima referi, o texto em causa estava preenchido por informações especulativas do tipo “ouvi dizer”, muitas delas não confirmadas e até mesmo negadas, a partir das quais o jornalista emitiu juízos de valor para qualificar negativamente o movimento. Se considerararmos que o jornalista não foi movido por má fé (ainda acredito na boa fé dos homens) restam apenas duas hipóteses para explicar o facto de ter sido trazida a estampa matéria tão depreciativa. Ou foi matéria encomendada por sectores que facilmente se adivinham, ou, então as paixões calaram fundo no coração do Celso e ofuscaram a razão, o que explicaria o total distanciamento da objectividade que caracteriza o texto em causa, desvirtuando por completo o sentido jornalístico de que se reveste. As alusões à emergência de novas lideranças no Movimento deixam subentendido que uma das razões pelas quais Malavoloneke decidiu mimosear os “Revus”com tamanho acinte tem a ver com a ascenção de Pedrowiski Teca no movimento, “revu” com quem trocou farpas no Facebook indo a ponto de bloqueá-lo. Obcecado pela fúria que nutre por Teca, o jornalista não foi capaz de compreender que os movimentos sociais, ainda para mais juvenis, se movem por dinâmicas intensas, diria mesmo dromotrópicas, que explicam as constantes renovações nos rostos visíveis destes movimentos o que é parte da sua intrínseca vitalidade.

Quanto as alusões ao apoio americano ao movimento nos remetem a um tempo que julgavamos ultrapassado. Apesar da USAID e Open Society terem negado este apoio (segundo o próprio jornalista) insistiu em dar como facto o alegado financiammento e de imediato soltou as habituais notas anti-americanas do tempo da guerra fria agora entoadas tão afinadammente, talvez como parte do ensaio para a performance que o jornalista se apresta a protagonizar no quadro do programa religioso das festas do Lubango.

Enfim, me parece que o SA desperdiçou uma soberana oportunidade para discutir desapaixonadamente e de forma isenta a problemática das manifestações em Angola no que tange à sua legitimidade à luz da Constituição e, sobretudo, no que diz respeito à justeza, ou não, das reivindicações que têm sido levantadas pelos jovens “Revus” e, de certo modo, fazem eco em outros segmentos da sociedade. Taxar o Movimento de fundamentalista por causa do slogan “32 é muito” ou ainda destacar um gesto obsceno de Luaty Beirão e generalizá-lo ao comportamento do grupo é no mínimo olhar para a árvore ignorando a floresta. E o que dizer da afirmação segundo a qual Gaspar Luamba e Pedrowiski Teca “assumem agora as horas da casa (ou seriam honras?), alegadamente (??) com fundos americanos...” e que por força disso “fica a ideia de que entre ser revús e alguém com comportamento antissocial não há nenhuma diferença” senão uma assustadora superficialidade na análise que nunca deveria ser apanágio deste gênero de trabalho! Mais grave ainda se considerarmos que, alguns parágrafos adiante, o jornalista afirma “...ao ponto da embaixada dos EUA em Angola que os apoiava abertamente, ter optado por um alegado financiamento encoberto...” E assim entre alegados e encobertos segue a prosa do jornalista. Pode-se levar isto a sério?

O que deveria nos evergonhar não são os gestos insultuosos dos jovens revús, porventura debitáveis na conta da “ïrreverência juvenil” e, por isso, em certa medida, toleráveis. O que sim, não pode ser ignorado são as gravíssimas violações aos direitos humanos protagonizadas por adultos nas reacções às manifestações de que são exemplos o sumiço de Alves Kamulingue e Isaías Cassule. Como ignorar isso? O que deveria nos evergonhar é a absurda nuvem de fumo que encobre os esquemas de distribuição da renda nacional pautados por um descarado nepotismo que tem o condão de aprofundar desigualdades sociais, assimetrias regionais e escancara pungentemente tamanha injustiça social. O que nos deveria envergonhar, enfim, é a forma tão venal como quotidianamente se espezinha a nossa Constituição justamente por aqueles (adultos, ressalte-se) que a deveriam defender e protegê-la. Isso sim é um insulto à Pátria e aos cidadãos que não deve ser, de maneira nenhuma, ignorado por ninguém minimamente imbuído de espírito patriótico.

Arrolados assim estes argumentos, não consigo conceber esta matéria trazida à estampa pelo SA e assinada por Celso Malavoloneke senão como parte de uma estratégia tendente a desqualificar o Movimento Revolucionário Juvenil como um dos interlocutores no propalado diálogo com a juventude. Ora, o diálogo com a juventude na perspectiva de se alcançar alguma distensão social só puderá ser profícuo ser for, antes de mais inclusivo, o que significa que não deve excluir parte alguma, mesmo se considerada incómoda. Falar em diálogo começando por excluir potenciais interlocutores é viciar o processo e semear a desconfiança que é o vírus da esterilidade no diálogo. Deste modo, fica a partida suspeita a intenção de dialogar com os jovens, pois, fica subentendido que os promotores pretendem tão somente ganhar tempo e, como já é habitual, espreitar a oportunidade para, no momento certo, arregimentar consciências que, como rebanho, poderão engrossar as hordas daqueles que se acham os únicos capazes de governar este país, mesmo diante de evidências inquestionáveis de má governação.

A nossa história mais recente está repleta de exemplos em que o diálogo dissimulado se processou a custa do sacrifício de potenciais franjas interlocutoras, com repercussões óbvias nos resultados obtidos. Seria bom que não se repetissem tais erros, e é para isso que serve a história, e se enveredasse por um diálogo profundo e inclusivo, despido de tabús e que seja capaz de nos colcar a todos numa plataforma comum. É hora, e já vamos atrasados, de sabermos lidar com as nossas incontornáveis diferenças e percebermos de uma vez por todas que é na diversidade que reside, de facto, a nossa riqueza.