Luanda - A decisão do governo que orienta as empresas, designadamente do sector petrolífero, a pagar nas suas transacções comerciais no país em kwanzas está a pôr em xeque os cidadãos nacionais que trabalham como kinguilas. Nos últimos dias, com a entrada em vigor desta medida, muitos são os cidadãos que ganham o seu pão como kinguilas que se vêem a braços para conseguir trocar ou vender dólares.

Fonte: O País

Os clientes desapareceram de cena e muitos estão a ter dificuldades de continuar no negócio. A troca e venda de dólares que movimenta muita gente em Luanda, homens e mulheres já não estão a ser tão atractivas. Muitos já desistiram do negócio e outros estão em via disso, devido ao facto das empresas, principalmente do sector petrolífero, estarem a pagar aos seus trabalhadores em kwanza, a moeda nacional com curso legal no país.

O País percorreu algumas artérias de Luanda e verificou que há alguma diminuição dos kinguilas nas ruas. Manuel Gonçalves vive no bairro Golf II e trabalha como kinguila há dois anos na zona do Mundo Verde, Talatona. É pai de dois filhos. Depois de ter perdido o emprego como pedreiro, a solução foi entrar neste negócio. ‘O negócio de kinguila estes dias já não está a dar lucros’, disse, adiantando que isso se deve ao facto de que ‘o governo orientou as empresas que actuam no sector petrolífero e outras a pagar em kwanzas e agora, verificamos que este mês o dólar não está em circulação. Para conseguir 100 dólares é difícil estes dias. O dólar não está a sair mais, só o kwanza’, contou.

Como é que era antes? Perguntamos: ‘ Antes o kuanza estava a sair e o dólar também, mas agora esta difícil, não tem mais lucros. Podes comprar sem dólares a dez mil e vender a 10 e 50’, diz Manuel Gonçalves com um semblante carregado. Quanto a concorrência, o homem diz que agora já não aparece clientes. ‘ Já não aparece ninguém. As empresas agora estão a pagar em kwanzas, não tem pessoas que querem trocar os dólares’, realça.

A falta de dólares no mercado e as medidas empreendidas pelo governo está a levar muitos kinguilas a optar por outros negócios. Disse que há colegas que já abandonaram a profissão. ‘ Muita gente está a abandonar devido a falta de dólares. Eu também vou abandonar aqui há pouco. Vou começar a vender saldos’, prognostica.

DAS KINGUILAS ÀS RECARGAS

Há muitos kinguilas que agora revendem saldo. Quisemos saber porquê. E a resposta do nosso interlocutor disse peremptórioa: ‘Nós estamos a vender saldo porque temos contrato com a Unitel e no final do mês eles nos dão um bónus’, disse.

Manuel Gonçalves disse ainda que estes dois anos, como kinguila lhe deram algum dinheiro, tendo conseguido comprou um terreno. Estando a construir a sua casa. ‘A minha obra parou, mas porque estes dias o dólar não está a dar lucros’. Estes dias estão difíceis trocar os dólares’, contou. ‘Esta coisa das petrolíferas pagarem em kwanzas está a acabar connosco. Porque muitos dos nossos colegas já não estão a trabalhar mais devido às dificuldades que têm em trocar e vender’, sublinhou a dado passo.

Tal como Manuel Goncalves, outros cidadãos vivem o mesmo drama. É o caso do congolês Missik Gaston. Ele diz que por estes dias as coisas estão difíceis e remata: ‘Não estão a aparecer clientes e as empresas estão a pagar em kwanzas’, disse. Mas, mesmo assim, não desiste. ‘Vou continuar até conseguir uma outra coisa para sobreviver’, destaca.

Enquanto a troca de dólares é feita a ‘conta gotas’, devido à falta de clientes uma das opções que encontrou é igualmente a venda de cartões. ‘Com a venda de cartões dá para ter alguma coisa em casa. Não é muito mas dá para comer’, disse, realçando que ‘só assim temos alguma coisa a fazer e não se meter e outras coisas’.

ESTÁ DIFÍCIL

Matondo Carlos Afonso, vive no Golf II. Tem 4 filhos e está há 14 anos como kinguila. Graças a este trabalho construiu a sua casa. Diz que entrou no negócio como kinguila devido às dificuldades da vida. O seu posto de trabalho é junto ao SIAC. Está interessado em deixar esta vida caso lhe apareça um emprego. Refere ainda que a situação não está boa. ‘Antes estava tudo bem. Agora está difícil. Não há clientes. Há três anos que a coisa já não facilita’.

Diz também que antes apareciam muitos clientes para trocar, mas hoje não. ‘Por exemplo, hoje para trocar mil dólares é um caso sério. As empresas petrolíferas que pagavam os seus trabalhadores em dólares estão agora a pagar em kwanzas. Isso está a nos dificultar’, remata.

Na mesma senda, outra vendedora que não se quis identificar, mas que tem como ponto de troca e venda de dólares o Zamba II, conta que a situação nos últimos dias está difícil. ‘As coisas não vão bem. A nota está muito baixa. Já não temos lucros. Não sabemos como será o amanhã’, aponta.

FIM DAS KINGUILAS?

Matondo Carlos Afonso está apreensivo. Adianta que estão a desaparecer ‘porque ninguém vem trocar os dólares. Estes não estão a aparecer e já não temos como ficar nas ruas; o que vamos fazer?’, questionou-se. Conta ainda que o trabalho que realiza é de muito risco devido aos assaltos. ‘O nosso trabalho é de risco. Ficamos muitas horas na rua. Se estamos a insistir estar na rua é porque não temos outra opção’. Mas o seu sonho é conseguir emprego para mudar de vida. ‘Se aparecer trabalho, vou. Já meti muitos currículos e ainda não obtive respostas’.

Disse ainda que está em vias de desistir porque as empresas que pagavam aos seus trabalhadores em dólares agora estão a pagar em kWanzas. ‘ Não está a aparecer dólares e muito menos kwanzas e às vezes consegues 300 dólares por dia e não consegues trocar. Queremos é trabalhar’, pediu.

Perguntada se o que ganha dá para sustentar a família, a nossa entrevistada disse que antes dava e agora não. ‘Hoje já não dá’. Não aparece ninguém. Para trocar mil dólares é um problema sério…’, avança.

O pagamento em kwanzas pelas empresas petrolíferas, conta, está a criar imensas dificuldades e diz que muitas colegas já abandonaram o trabalho. ‘Nós estamos a desaparecer porque o nosso objectivo é trocar dólares e os dólares não aparecem e não temos como ficar nas ruas’, referiu.

O ‘drama’ de quem tem como ‘ganha-pão’ a troca e compra de dólares por estes dias está difícil. O cerco aperta e a ‘fuga’ para outros negócios é solução. ‘Quo vadis?’, kinguilas….