Luanda – O coordenador do Observatório Político e Social de Angola defende mais contraditório nos órgãos de comunicação social públicos. Critica a falta de apoios à agricultura e o dinheiro gasto no Mundial de Hóquei.

Fonte: Sol
Como avalia o ano legislativo 2013?
É difícil avaliar porque tenho muito pouca informação, na medida em que os órgãos de comunicação social públicos não cumprem com o seu papel, de informar toda a verdade, com isenção. Esses órgãos divulgam apenas parte da verdade, divulgam actividade dos deputados e da bancada do partido maioritário e falam muito pouco dos outros. São os jornalistas a repetirem aquilo que o deputado disse. E o mais grave é que a pouca informação veiculada é feita sem o contraditório. Esquecemos muitas vezes que os deputados são dirigentes do Estado. Assim não posso avaliar de forma positiva o funcionamento deste ano legislativo independentemente de alguns aspectos positivos.

Os deputados estão divididos quanto à fiscalização dos actos do Executivo: a oposição não vê inconstitucionalidade, a bancada maioritária pensa o contrário e submeteu um documento ao Tribunal Constitucional solicitando um parecer. Como comenta?
Por aquilo que conheço da Constituição, parece-me que uma das funções dos deputados é exactamente fiscalizar o funcionamento do Executivo. E outra é legislar e velar pelo cumprimento das leis que a própria Assembleia aprova. Parece-me que é o que compete a qualquer democracia parlamentar. Se a nossa Constituição não prevê isto, tem uma grande falha.

A oposição também alega falta de transparência de contas.
A falta de prestação de contas é um problema recorrente do nosso Executivo. E quando o faz é numa altura em que não permite correcções que possam incidir ao OGE seguinte. Além disso, do ponto de vista da metodologia também não se verifica uma apresentação sistemática de informação que permita comparações imediatas entre aquilo que deveria ser feito e aquilo que foi realizado. Se as contas e os relatórios não forem apresentados de forma simples e directa, os deputados terão dificuldade de fazer análise. Mas também os partidos da oposição não fazem um esforço para que eles próprios possam encontrar mecanismos simples de verificação.

Foi também levantada a questão dos debates públicos das plenárias nos órgãos de comunicação social públicos. A oposição concorda, o MPLA está reticente. O deputado João Pinto acha que antes deve haver uma preparação psicológica da sociedade, já que Angola vem de uma guerra. Pensa o mesmo?
Ao dizer isto, o próprio deputado põe em causa a sua eleição. Porque se os eleitores têm capacidade cívica e política para elegerem, como não podem ter capacidade para ouvirem os debates? Admito que por vezes possa haver questões sensíveis e confidenciais – e restrições na divulgação. Agora, discutir o OGE, discutir os actos de governação por parte do Executivo não tem nada que ver com a capacidade dos cidadãos. A transmissão em directo dos debates não provoca problemas e contribui para o crescimento da cultura democrática. A não ser que não se queira que os cidadãos melhorem a sua cultura democrática. Este tipo de discursos por vezes era recorrente no tempo colonial por parte do colono, dizer que os angolanos não estavam preparados para isto e aquilo.

Onze anos depois do alcance da paz, como avalia o processo reconciliação nacional?
Diz-se que o nosso processo de reconciliação nacional é excelente e exemplar. Não sou da mesma opinião. O nosso processo de reconciliação nacional tem aspectos positivos: o facto de não se ter humilhado o perdedor da guerra. Mas infelizmente, depois de alcançada a paz, não tem havido actos suficientemente avançados no sentido de se criar um ambiente propício à consolidação da reconciliação nacional. A reconciliação nacional exige, por exemplo, que o partido que foi beligerante não pode ter impedimentos no acesso à comunicação social.

Sobre as eleições autárquicas, concorda com a ideia da oposição segundo a qual o Executivo está lento?
O Executivo realmente está lento. A lentidão não tem que ver com o facto de não se realizar as eleições, tem que ver com o facto de não haver passos mais ousados na preparação das condições para as eleições. Mais do que exigir eleições autárquicas imediatas, a oposição deveria exigir uma comunicação social isenta. Se isso não acontecer não creio que valha a pena fazer autárquicas. E não estou a fazer apologia dos partidos da oposição.

Vêm aí as discussões sobre o OGE. Nos últimos anos a área social sofreu um incremento. O que opina?
No OGE deste ano, por exemplo, verifica-se que há muito mais verbas atribuídas à terceira idade do que à criança, o que é um contra-senso absoluto. É também necessário que haja mais transparência no sentido de, por um lado, melhorar a informação que se passa ao cidadão e, por outro lado, permitir que as opiniões dos cidadãos sejam utilizadas pelo Executivo e deputados. Por outro lado, enquanto não resolvermos os problemas do emprego e do rendimento das famílias, não será apenas pela via do Orçamento que vamos resolvê-los. A agricultura não tem merecido o devido apoio, tem tido como resultado o abandono por parte da população rural – mais por parte dos jovens, que migram para os centros urbanos onde dificilmente encontram empregos e facilmente acabam na marginalização e criminalidade. As verbas para este sector têm sido muito exíguas.

Como acha que o Governo tem tratado a agricultura?
A política agrícola do país não é boa, não está a permitir o desenvolvimento dos agricultores e está a permitir o abandono dos pequenos agricultores jovens que não se sentem atraídos por uma agricultura obsoleta. A actual política agrícola privilegia os gastos significativos fomentando produção em empresas públicas, o que não tem permitido bons resultados. Temos uma experiência que não foi boa no tempo do partido único e não tem sido boa depois de obtida a paz. Os resultados de modo algum justificam os investimentos. É necessário pensarmos que nenhum agricultor vai aumentar a produção se não estiver resolvido o problema do comércio: estamos em paz há mais de 11 anos e continuamos a não ter comércio e serviços nas áreas rurais.

Como avalia o nível de formação técnico-científica dos agricultores angolanos?
O nosso nível técnico-científico é muito baixo. Esta é uma das razões pelas quais não estou de acordo com grandes investimentos nas grandes empresas públicas – depois não há capacidade de se implementarem estes projectos e não dominamos a técnica e a ciência. Mais grave do que isso é o facto de os nossos pequenos agricultores continuarem com técnica e tecnologia de há 50 ou 60 anos. Esta é uma das razões que fazem com que os jovens abandonem as áreas rurais. O Estado angolano tem de investir na assistência técnica aos agricultores e transformá-los em grandes empresários.

A nova pauta aduaneira encarece a entrada do café, com o objectivo de incentivar a produção interna. O que acha?
A melhor solução é encontrar equilíbrio. Ou seja, proteccionismo sim, mas que se vá reduzindo de forma gradual de modo a não permitir a criação de vícios na área da economia, que depois podem prejudicar os consumidores. Falando do café, sou das pessoas que acham que essa ideia de que Angola não vai voltar a ser um produtor de café é errada. É necessário que se invista seriamente na recuperação das plantações. Temos de pensar que para recuperar precisamos entre cinco e dez anos: nesse período tem de haver uma política de Estado que permita que o agricultor possa ter subvenções.

Opõe-se à realização do campeonato de Hóquei em Patins?
Sou das pessoas que não estão de acordo com a realização do campeonato de hóquei em patins pelos custos que acarreta. Oficialmente, ouvi dizer que os custos estão à volta dos 130 milhões de dólares. Há quem diga que são muito superiores. Um encargo deste tipo canalizado para a produção agrícola e para a recuperação do café teria muito mais impacto na vida das pessoas, quer político, quer económico e social.