*Discurso do Presidente da UNITA, Isaías Samakuva, no Encerramento das Jornadas Parlamentares da UNITA no Lubango.

Exmo. Senhor Vice-Presidente da UNITA
Exmo. Senhor Secretário Geral da UNITA
Exmo. Senhor Secretário Geral Adjunto da UNITA
Exmo. Senhor Presidente do Grupo Parlamentar da UNITA
Exmos. Senhores Deputados à Assembleia Nacional
Exma. Senhora Secretaria Provincial da UNITA na HUILA
Exmos. Senhores Secretários Provinciais e membros da Comissão Politica da UNITA
Exmo. Senhor Representante do Governo da Província da HUILA
Exmos. Senhores Representantes de Partidos Políticos
Exmos. Senhores Representantes da Sociedade Civil
Minhas senhoras e meus senhores

Caros Compatriotas:

Quero, antes de mais nada, agradecer o convite que o Presidente do Grupo Parlamentar do nosso Partido, a UNITA, me fez para encerrar estas jornadas parlamentares. Elas tiveram a particularidade de colocar os deputados a trabalhar junto dos cidadãos em duas províncias, durante quatro dias! Não foram momentos de ‘palestras’, convívios e passeatas. Foram momentos de auscultação do eleitor, de captação das suas ansiedades e aspirações. Momentos de ‘trabalho de campo’, como se costuma dizer. E nesse sentido, foram diferentes.

Ao aceitar o convite para vir encerrá-las, achei que devia marcar ainda mais esta diferença partilhando convosco algumas reflexões sobre a natureza do vosso mandato e lançar-vos alguns desafios relativos à relação contratual existente entre o Deputado e o cidadão. Vim convidar-vos a transformar o vosso mandato num Mandato-cidadão.

O que será um mandato-cidadão?

O mandato-cidadão é aquele em que o Deputado reconhece o cidadão como senhor do seu mandato. O Deputado faz a sua agenda junto do cidadão, com o cidadão e para o cidadão. Trabalha para o cidadão todos os dias. Sendo cada dia uma jornada parlamentar!

O que significa para o Deputado angolano colocar-se próximo do cidadão?

Significa, acima de tudo, adoptar uma nova atitude para com o mandato do povo. Significa aceitar o mandato como um Contrato de Representação Política entre o cidadão e o seu representante político. Significa assumir plenamente os compromissos inerentes ao mandato-cidadão.

O meu objectivo esta tarde é recordar e partilhar convosco o que considero ser os sete compromissos inerentes ao mandato-cidadão bem assim como a sua essência:

1° Compromisso: Reconhecer o cidadão como senhor do mandato do Deputado

Diferentemente do instituto de representação do Direito privado, baseado numa solução de ordem-orientação entre representado e representante, a representação jurídico-constitucional, significa basicamente que os deputados do órgão representativo, não estando sujeitos à ordens dos cidadãos eleitores, têm capacidade de percepção e sensibilidade para captarem os interesses reais e actuais dos cidadãos representados.

São as preocupações dos cidadãos que ocupam a agenda e o tempo do deputado. O Deputado não espera que o cidadão o procure. O Deputado toma a iniciativa e procura o cidadão. Comunica-se com ele permanentemente, quer através das redes sociais, quer através da Rádio, quer através de visitas in loco nas comunidades.

Ao exprimir a sua vontade e as suas escolhas, o Deputado deve assegurar-se que está a exprimir a vontade e os interesses da comunidade representada, porque ao definir a Assembleia Nacional como Assembleia representativa de todos os angolanos, a Constituição da Republica de Angola (CRA) exprime a ideia de representação plural das correntes políticas existentes e vinculadas por esses mesmos cidadãos.

Isto significa que os senhores deputados representam tanto os ideiais dos chamados jovens revolucionários como os direitos dos jornalistas, as aspirações dos empresários, os anseios dos desalojados e até o medo dos vossos colegas do Parlamento. Representam tanto as aspirações de uns como a coragem de outros. Representam tanto o medo de uns como a determinação de outros.

O sentido de representação que está presente no enunciado textual, é, desde logo, segundo a doutrina, um sentido funcional: a representação como função do representante em face do representado, basicamente reconduzível à ideia da constituição do representado como unidade política. Isto implica não apenas ter a capacidade de captar e agir em prol dos interesses reais e actuais dos cidadãos representados, mas também ser responsável perante eles. Implica, naturalmente, Transformar o mandato numa jornada parlamentar permanente, mantendo o cidadão sempre informado sobre todas as suas acções no decorrer do mandato.

2° Compromisso: Romper a partir de agora com a cultura de dependência do Poder Legislativo ao Poder Executivo.

A dependência que se verifica hoje não é estrutural nem orgânica. É cultural e funcional. Radica na psicologia subtil de que tudo deve ser aprovado pelo “Chefe” e nada deve incomodar o “Chefe”. Esta cultura está errada e deve ser erradicada das mentes dos Deputados e demais cidadãos. O PR não é ‘Chefe’ dos Deputados à Assembleia Nacional.

A designação “Chefe de Estado” não significa que o Presidente chefia o Parlamento, os Tribunais, a Procuradoria e todos os outros órgãos do Estado, porque são poderes distintos, com vários “chefes,” não subordinados ao Presidente da Republica. Significa apenas que o Presidente da República representa juridicamente o Estado no plano internacional (sobretudo nas dimensões de permanência, continuidade e direcção do Estado.) A designação Presidente da República testemunha sobretudo o papel por ele desempenhado de representante da comunidade nacional.

Sendo ambos órgãos representativos da soberania nacional, a representação coloca-se em níveis distintos, a Assembleia Nacional representa os cidadãos, eles mesmos, na pluralidade das correntes políticas existentes; e o PR representa a República, ou seja, a colectividade política em si mesma, como unidade nacional.

Os agentes da ditadura sobrevalorizam intencionalmente a designação “Chefe de Estado” para emprestar ao poder total do seu Presidente uma falsa legitimidade. A designação de Chefe de Estado remonta às constituições monárquicas outorgadas, nas quais o Rei era qualificado como órgão supremo ou Chefe do Estado. Nas constituições republicanas, o Presidente não “encarna“ o Estado como nas monarquias constitucionais: é, sim, um representante da República.

Por isso, companheiros, temos de romper com a cultura da dependência funcional da Assembleia em relação à Cidade Alta. A Assembleia deve ter a sua própria agenda política e legislativa. Deve reunir-se mais vezes. Deve ser mais actuante. Deve ter o seu próprio calendário para a implementação das autarquias locais em todo o país.

Recorde-se também que a Assembleia Nacional ocupa um lugar de relevo no sistema de órgãos do poder político. É o órgão legislativo por excelência. É o principal fórum de debate político e de fiscalização da actividade governamental.

É ela que aprova as leis sobre todas as matérias; é ela que aprova a desvinculação de tratados, convenções, acordos e outros instrumentos internacionais; cabe a ela, e só a ela, autorizar o Executivo a contrair e a conceder empréstimos, definindo as respectivas condições gerais, e fixar o limite máximo das avales a conceder em cada ano ao Executivo, no quadro da aprovação do Orçamento Geral do Estado.

De facto, a Constituição não coloca a AN na dependência funcional do Presidente da Republica. Se é verdade que a auto-demissão do Presidente da Republica implica a dissolução da Assembleia Nacional, também é verdade que a Assembleia Nacional pode promover o processo de acusação e destituição do Presidente da República, nos termos do artigo 129° da Constituição.

Terceiro compromisso: Lutar e legislar pelo triunfo de uma democracia participativa e representativa que defenda mais os cidadãos eleitores do que os políticos eleitos.

Neste capítulo, quero realçar o projecto de lei orgânica do sistema de organização e funcionamento do poder local. A discussão sobre a criação efectiva das autarquias municipais e supra-municipais; as bases gerais do sistema de governo autárquico, do regime financeiro, do exercício da tutela legal; a definição do calendário de implementação das autarquias, o estatuto dos autarcas e tudo que diga respeito às eleições autárquicas, constitui matéria da reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia Nacional (CRA artigo 164.º, alínea d).

Os cidadãos querem as autarquias agora e os seus representantes na Assembleia Nacional devem colocar este assunto no topo das prioridades da agenda parlamentar. E lembrem-se:

Quando a Constituição, no artigo 242.º, especifica que os órgãos competentes do Estado determinam por lei a oportunidade da criação das autarquias locais, o alargamento gradual das suas atribuições, o doseamento da tutela e a transitoriedade entre a administração local do Estado e as autarquias locais, estes “órgãos competentes do Estado” não são os órgãos auxiliares do Presidente da República. A CRA atribui à Assembleia Nacional, e só a ela:

• Competência política para fixar e alterar a divisão administrativa do território (artigo 161.º, alínea f));

• Reserva absoluta de competência legislativa sobre as “bases do sistema de organização do poder local e da participação dos cidadãos e das autoridades tradicionais no seu exercício” (artigo 164.º/alínea f);

• Reserva absoluta de competência legislativa em matéria de eleição e estatuto dos titulares do poder local (artigo 164.º, alínea d);

• Competência política e legislativa para definir os termos de partilha dos recursos públicos entre o Estado e as autarquias, bem como todos os demais elementos relativos aos poderes financeiros, impostos locais e tutela administrativa (artigos 215.º e 217.º, n.º 3).

Por isso, não nos deixemos enganar. O Conselho da República em Angola, não é um órgão colegial que toma decisões vinculativas, como os Conselhos de Estado de outros países. O Conselho da República, não é um órgão de soberania. Não delibera nada. Apesar do seu nome charmoso, o Conselho da República é um órgão interno do Presidente da República. Não passa de um expediente que o Presidente da República tem para conferir uma falsa legitimidade democrática a algumas das suas decisões pessoais.

Os Deputados não devem esperar pelo Presidente da República e muito menos pelos seus conselheiros, que, aliás, não têm nenhum mandato do povo para legislar sobre o poder local. Os cidadãos querem as autarquias já, para defender os seus interesses. A ditadura não quer as autarquias já. Quer mais tempo para manipular as coisas e continuar a delapidar os recursos públicos.

Quarto compromisso: exercer a função fiscalizadora do executivo, por todos os meios jurídicos, políticos e diplomáticos. E sem medo.

O governo democrático, seja ele de matriz parlamentar ou presidencial, encerra uma dupla função: a função executiva e a função fiscalizadora. Não há governo democrático e representativo sem fiscalização da parte dos representados.

No dia da eleição, o cidadão elege representantes para o exercício da função executiva e elege também representantes para o exercício da função fiscalizadora.

Ao eleger cada um desses representantes, o cidadão tem uma expectativa e ele espera que, tanto o representante eleito para governar como o representante eleito para fiscalizar a governação respondam a esta expectativa.

Pela sua própria natureza, o contrato que o deputado firmou com o cidadão é um contrato contra a violação da lei e contra a violência e a injustiça social! É um contrato contra a corrupção e a impunidade! É um contrato por um país mais justo e por uma sociedade mais culta para os nossos filhos!

Se o Executivo arranjou expedientes para inviabilizar a utilização, pelos Deputados, dos instrumentos convencionais de fiscalização previstos no Regulamento da Assembleia Nacional, a democracia exige que os Deputados contornem estes expedientes para inviabilizá-los. Porque a fiscalização tem de ser feita. Quer o executivo queira, quer não. E porquê?

Porque ao definir a Assembleia Nacional como órgão representativo de todos os angolanos, a CRA salienta também o princípio do parlamentarismo como princípio estruturante da organização do poder político. Esta dimensão estruturante resulta da articulação de vários sub-princípios:

(1) do princípio democrático, porque é através do parlamento democraticamente eleito que o povo ganha capacidade de acção e decisão;

(2) do princípio da representação, porque o parlamento livremente escolhido pelo povo representa todo o povo (a Nação), daí resultando um título de legitimação neutralizador de qualquer tentativa de esvaziamento funcional deste órgão, seja por Despacho de qualquer Presidente da Assembleia Nacional, seja por Acórdão de qualquer Tribunal que pretenda defender a ditadura;

(3) do princípio pluralista, porque o parlamento, com os seus deputados e os seus grupos parlamentares, representa os cidadãos no quadro da pluralidade de correntes políticas;

(4) do princípio da forma de governo parlamentar, legitimador da responsabilidade do governo face ao parlamento;

(5) do princípio da legalidade da acção do Estado pertencendo ao órgão representativo uma competência central na edição de actos legislativos, sobretudo do esquema de reserva de lei (absoluta ou relativa) destinado a assegurar a própria legalidade da acção do Estado e demais entidades públicas.

Portanto, prezados companheiros, do ponto de vista jurídico-constitucional, há respaldo bastante para os deputados utilizarem o seu poder de fiscalização de forma original ou não convencional. E nesse sentido, exorto-vos a utilizar a arena internacional, a diplomacia. Lá onde o regime quer parecer o que não é. As redes sociais, os jornais e rádios internacionais e todos os fóruns internacionais.

Quinto compromisso: Recusar e denunciar qualquer proposta de barganha política para votar matérias de interesse do Executivo em troca de vantagens, cargos, nomeações, mordomias, etc.

O regime que se apoderou de Angola e sequestrou o próprio Partido-Estado, já tem estado a ser repudiado pelos angolanos. Ele sabe que está nos seus últimos dias. Por isso, tudo fará para recuperar alguma ‘legitimidade’, mesmo aparente. E esta legitimidade é-lhe conferida pelos votos da UNITA no Parlamento.

Qualquer coisa que não seja o voto contra já lhe serve. Por isso, vai continuar a fazer investidas individuais em muitos de nós, directamente ou através de terceiros que nos são próximos. Estejamos vigilantes.

Aritmeticamente, o voto dos Deputados da UNITA não viabiliza nem obstaculiza medida alguma. Mas viabiliza politicamente, porquanto, se o voto a favor exprime a aprovação da UNITA, a abstenção representa sempre uma não oposição.

Nesse sentido, sabendo que o regime viola sistematicamente os direitos fundamentais dos cidadãos; sabendo que o regime não cumpre as leis que aprova; sabendo que o regime boicotou a actividade política e fiscalizadora do Parlamento; sabendo que o regime utiliza o Estado para promover a corrupção, os momentos de votação no Parlamento devem ser utilizados como momentos para se exibir os ‘trunfos’ da minoria. Tal como num jogo de cartas.

Não importa a corrente do jogo, a ‘carta do trunfo’ anula tudo. Por exemplo:
• Porquê votar a favor de um Orçamento cuja execução não poderemos fiscalizar? E qual o mérito da abstenção nesse caso?
• Os sacos azuis para a AJAPRAZ, Cangambas & Ca. estão incluídos no OGE. De forma invisível, claro. Mas o executivo que elaborou o Orçamento sabe onde sai o dinheiro para alimentar a corrupção. Enquanto não esclarecerem, não há aprovação da parte da UNITA. É o nosso trunfo.

O período de graça para darmos ao regime o benefício da dúvida, já expirou! Agora é tempo de oposição democrática activa e permanente. É tempo do exercício activo do mandato-cidadão! É tempo de reflectir, no Parlamento, as frustrações dos cidadãos!

Muitos de vos serão persuadidos para furar o barco. Mantenham-se firmes na defesa dos princípios da democracia, do estado de direito e da probidade pública.

Sexto compromisso: Não fazer compromissos com a corrupção e, diante de qualquer tipo de pressão, denunciá-los publicamente, reiterando antes de quaisquer outros os compromissos com os eleitores.

Quando se diz que a democracia é o regime de compromissos, não se incluem os princípios de conduta. Trata-se de comprometer opções e alternativas de políticas públicas, e não a ética e a probidade pública. Não se comprometem princípios. Não há compromissos com a corrupção. Repito: a UNITA não se vende.

A UNITA deve marcar a diferença! A UNITA pugna pela ética acima dos interesses do jogo do poder. A ética na política é um princípio sagrado da UNITA.

O dirigente que violar este princípio, não importa o seu cargo no Partido, não importa a sua idade, não importa a sua história, será sancionado e destituído, nos termos dos Estatutos do Partido!

Alguém tem de dizer ‘BASTA’ a este flagelo da corrupção. Não queremos o poder a qualquer preço, nem o prazer a qualquer momento, nem a riqueza a custo da injustiça e da negação de nós mesmos. Rejeitamos estes valores, porque são falsos e enganosos.

Vamos denunciar vigorosamente todas as ofertas e indícios de corrupção. E não vamos vacilar. Esta é a essência da nossa luta actual. A luta contra a corrupção. A luta contra os falsos valores. A luta contra a corrosão da nossa identidade. A luta pela preservação da alma angolana. A luta pela dignidade da pessoa humana!

Sétimo compromisso: Não aprovar as contas do Estado nem quaisquer prestações de contas do Executivo sem um exame prévio dessas contas por uma autoridade idónea e independente.

Por tudo o que se publicou sobre os desvios dos fundos públicos de Angola pelos titulares de cargos públicos, por tudo o que sabemos, qualquer balanço, relatório e contas do Estado que for apresentado, tem de incluir, no mínimo o seguinte:

• Identificação dos accionistas dos principais grupos económicos que transaccionaram com o Estado, incluindo os accionistas nominais e os beneficiários finais do capital investido nos últimos dez anos;

• demonstração da origem dos fundos titulados como ‘privados’ investidos em projectos, sociedades comerciais e outros empreendimentos nos últimos dez anos;

• Evidência da observância das regras de competitividade e dos preceitos da probidade nos negócios e transacções subjacentes às contas do Estado;

• Relatório de auditoria às contas do Estado por uma entidade independente e parecer do Tribunal de Contas.

Minhas senhoras e meus senhores:

Os cidadãos esperam que os seus representantes defendam os seus interesses. Se os deputados reconhecerem o cidadão como senhor do seu mandato; Se romperem, a partir de agora, com a cultura de dependência do Poder Legislativo ao Poder Executivo; se utilizarem o marketing político e outros canais para exercerem a fiscalização dos actos do Executivo e resistirem e denunciarem publicamente todas as tentativas de corrupção, o mundo saberá que o vosso compromisso é com o cidadão. Que estais do lado do cidadão. E que os Deputados eleitos pela UNITA representam de facto os interesses da cidadania angolana.

Muito obrigado