Huambo –Texto apresentado pelo autor quando dissertava o tema “Cooperação Angola/China: Ameaças, e Oportunidades. A Pertinência da Transparência e do Comercio Justo” no último sábado, 19, na cidade do Huambo, província com o mesmo nome, a convite do FORDU.

Fonte: Club-k.net

Aceitei, com muito prazer, o convite que me foi dirigido  pela direcção do Fórum Regional para o Desenvolvimento Universitário, na pessoa do doutor Kapwacha para falar, aqui, na cidade do Huambo, sobre  a “Cooperação Angola/China: Ameaças, e Oportunidades. A Pertinência da Transparência e do Comercio Justo”, um tema, que considero de grande actualidade política nas circunstâncias actuais do nosso país.

Faremos, em primeiro lugar, uma breve retrospectiva da história recente da República Popular da China e, em seguida, falaremos da cooperação entre os dois países, Angola e China, à luz das oportunidades e das ameaças, no âmbito da pertinência da transparência e do comercio justo, entre os dois Estados.
 
Assim dito, é importante sublinhar, antes de tudo, que uma das figuras decisivas da história moderna da China foi o Presidente Mao Tsé Tung, que proclamou a República Popular da China, a 1 de Outubro de 1949.

Os seus restos mortais e o seu retrato continuam expostos na Praça Tiananmen, no centro da capital Chinesa, Pequim, como legado histórico e reconhecimento da sua contribuição na luta pela emancipação dos povos da China.

Deste modo, o partido comunista chinês, que governa o país desde a proclamação da República Comunista da China, tem procurado, com este gesto, perpetuar os feitos de Mao Tsé Tung, declarando-se herdeiro do seu pensamento.
 
BREVE RETROSPECTIVA HISTÓRICA
 
A República da China foi fundada em 1911, após a queda da dinastia Qing, a última dinastia da China imperial. De 1946 a 1949, a República da China viveu um período de guerra civil, entre comunistas e nacionalistas de Kuomitang, tendo o partido comunista Chinês saído vitorioso.
 
Derrotado o movimento nacionalista, os seus dirigentes e seguidores refugiaram-se em Taipei, capital de Taiwan.Pouco depois  da vitória do Partido Comunista Chinês, Mao Tsé Tung proclamou a República Popular da China, a 1 de Outubro de 1949.

Após a sua morte, em 1976, os comunistas chineses, mais pragmáticos, introduziram no país profundas reformas económicas; criando um sistema político muito peculiar, inspirado por Deng Xiaoping, sob o slogan, “ um país, dois sistemas”.
 
Do ponto de vista das liberdades políticas, o sistema politico chines não permite o pluralismo nem se guia pelo respeito pelos direitos e liberdades fundamentais do homem. Não há direitos políticos na Republica Popular da China. Não há democracia multipartidária. Há, sim, um só Partido, que dirige o Estado: o Partido Comunista Chinês.

Do ponto de vista económico e financeiro, o sistema utiliza o modelo capitalista para orientar as relações de produção e utiliza o modelo socialista para orientar as relações de distribuição da riqueza nacional produzida.
 
Neste sistema, que se pode considerar “único”, a acção política é dominada pelo partido comunista, que mantém as suas estruturas  centralizadas a todos os  níveis, paralelamente a uma economia regulada pelos mercados, mas dirigida pelo Estado. Este modelo de “ desenvolvimento dirigido”foi também utilizado pelo Japão, logo após a II Guerra, mas no contexto de um sistema político aberto.
 
É importante enfatizar que os membros dirigentes do Partido Comunista Chinês são os principais capitalistas do país. De facto, são eles, e somente eles, os grandes capitalistas do País.

Dividem entre si as oportunidades de negócio e de enriquecimento pessoal, quer por via de empresas tituladas pelo Estado, que eles controlam, quer via de oligopólios e outras empresas tituladas por eles mesmos, ou seus familiares, que eles também controlam.

Transaccionam as suas empresas nas bolsas internacionais e estão integrados na economia e na alta finança mundiais. Deste modo, para efeitos internos de suprimir novos concorrentes, na política ou na economia, actuam como de facto, como partido único.

Para efeitos de expandir os seus interesses, pessoais e colectivos, actuam como Estado.Assim, o termo ‘comunista’, que a China Popular utiliza, deve, por isso, ser bem estudado e compreendido por todos, porque ele não reflecte de facto, o sentido político que encerra no mundo das ideias políticas, onde o ‘comunista’, por natureza, não é ‘capitalista’.

Foi com base nesse sistema que o sonho do Presidente Mao de transformar a China, então subdesenvolvida, numa potência industrializada, tornou-se realidade nas últimas duas décadas.
 
QUAL É, ASSIM, A VISÃO GEOPOLÍTICA DOS DIRIGENTES DA CHINA?
 
A China, como qualquer potência emergente, com o seu poderio económico e demográfico, ocupando a maior parte da Ásia oriental, tem a sua própria visão do mundo, construída em função do seus interesses globais, e procura a todo o custo influenciar os grandes acontecimentos que ocorrem no seio do sistema das relações internacionais. No seio da presente conjuntura do sistema das relações internacionais, ela assume-se como uma potência global emergente, de facto, a potência do futuro.
 
Henry Kissinger, um diplomata americano de renome internacional, galardoado em 1973 com o Prémio Nobel da Paz, disse , na sua obra, intitulada “ Diplomacia”  e cito “quase como por uma lei natural qualquer, em cada século parece emergir um país com o poder, a vontade e o ímpeto intelectual e moral para moldar todo o sistema internacional de acordo com os seus próprios valores”.
 
Por ser o maior país da Ásia oriental, politicamente estável e o mais populoso do mundo, habitado por uma população avaliada em 1 bilião e 300 milhões de habitantes, com alto nível de industrialização, inovação e modernização tecnológica, a China pode em breve deixar de ser uma ‘potência emergente’ para afirmar-se ‘uma potência mundial’, capaz de influenciar os grandes mercados e os grandes acontecimentos mundiais.

A República popular da China é membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, e tem presença em várias organizações internacionais multilaterais, como no G20, na OMC e nos  BRICS, constituído pelo Brasil, pela Rússia, pela Índia e pela China, todos potências emergentes. A China é também uma potência nuclear e tem o maior exercito do mundo em número de homens.
 
A CHINA NO MUNDO
 
No contexto da globalização, a visão geopolítica da China enquadra-se perfeitamente nas doutrinas de poder global que os Estados com tendências hegemónicas perseguem.

Estas doutrinas surgiram  na Europa, em finais do século 19 e princípios do século 20,  e deram sustentabilidade  as estratégias   hegemónicas dos grandes poderes da época, como a França, a Alemanha e a Inglaterra.
 
Fundaram-se, então, nessa época, várias escolas de pensamento geopolítico, na Inglaterra, na França, na Alemanha, e nos Estados Unidos da América que desenvolveram teorias globais de poder mundial.

Todas estas escolas de geopolitica defendiam a importância do espaço como factor essencial para aquisição de poder mundial, aquilo a que os alemães chamaram de espaço vital, como sendo “ o espaço geográfico necessário para atender as necessidades da sociedade humana que o habita.”
 
Para estas doutrinas, o poder mundial das grandes potências, reside na capacidade de controlar as grandes massas geográficas, ou seja, ter a capacidade de controlar território, população e recursos naturais em qualquer parte do globo.

A escola de geopolítica britânica defendia que “ quem dominasse a Eurásia, uma grande massa continental, considerada a área pivot,  que é o espaço russo-asiático, teria maiores possibilidades de atingir o poder mundial”.
 
John Mackinder, um dos ideólogos da escola britânica de geopolítica, dizia que “ quem controlasse a Europa de Leste, comandaria o heartland; quem controlasse o heartland, comandaria a ilha mundial, e quem controlasse a ilha mundial, a eurásia mais a África, comandaria o mundo”.

Por conseguinte, a presença chinesa em quase todos os países do mundo, particularmente em África, tem de ser entendida como parte da sua estratégia global para atingir o poder hegemónico; e a sua presença em Angola tem de ser percebida como parte  da sua estratégia de ocupação do espaço geopolítico útil, ou seja, do espaço vital para a sua economia.
 
QUAL É, ASSIM, O ESTADO DAS RELAÇÕES ANGOLA/CHINA
 
É importante ter em mente que as relações comerciais da China com Angola são antigas. Remontam ao período colonial. Mas as relações políticas da China com Angola iniciaram com a União Nacional Para a Independência Total de Angola – UNITA-, na década dos anos 60.
 
A China apoiou a justa luta dos angolanos pela independência. Nos anos sessenta, o Presidente Mao Tsé Tung  formou em território chinês, em Nanquim, os 12 primeiros quadros da UNITA, entre eles o Dr. Savimbi e o Deputado Samuel Chiwale, tendo proporcionado a UNITA apoio político, diplomático e militar na luta contra o colonialismo português até 1974, quando se dá o golpe militar em Portugal, que pôs  fim a guerra colonial.
 
No auge da guerra-fria, e da guerra civil angolana, particularmente nos anos setenta e oitenta, a República Popular da China manteve algum distanciamento em relação a Angola, adoptando uma política diplomática de “ low profile”.

Com o fim da guerra civil angolana,  a China surgiu em força em Angola, no quadro da actual parceria estratégica, acordada entre Pequim e Luanda, no âmbito da cooperação sul/sul.  Uma cooperação mais cómoda para os países africanos, sobretudo os que são dirigidos por sistemas centralizados, totalitários e corruptos.
 
De facto, Angola virou-se para a China quando lhe foi recusada ajuda internacional de instituições financeiras ocidentais, quando quis organizar uma conferência internacional de doadores, que pões condições de transparência e boa gestão dos fundos públicos.

Perante a recusa do Ocidente, Angola virou-se para a China que se predispôs a abrir uma linha de crédito sem restrições, apenas com a condição de ser paga com petróleo, não ao preço do barril por dia, mas por um número de barris estabelecidos.
 
A China não impõe, assim, limitações à cooperação e ao estabelecimento de parcerias estrategicas; muito menos condições, como fazem os europeus e os americanos, que condicionam a sua cooperação internacional ao respeito dos direitos humanos, ao combate a corrupção, a boa governação e transparência, por outras palavras, à democratização e liberalização da economia. A própria China, por sua vez, é igualmente acusada de violar os direitos humanos dos seus próprios cidadãos, como ficou claro nos incidentes de Tiananmen
 
Para Paul Hare, um diplomata americano, enviado especial do Presidente Clinton a Luanda e Bailundo e Andulo, nos anos noventa, “as motivações estratégicas da China em relação a Angola são multiformes”  e têm como pano de fundo o fim da guerra civil, que oferece oportunidades inúmeras, e a disponibilidade de recursos estratégicos,  entre eles o petróleo.
 
A TRANSPARÊNCIA O COMÉRCIO JUSTO
 
Logo, entende-se, perfeitamente, que a própria motivação das Partes para o estabelecimento de relações comerciais, e a natureza dos dois regimes, constituem obstáculos óbvios à transparência e ao comércio justo.

Angola juntou-se à China para fugir aos requisistos da transparência internacional. E a China voltou-se apara Angola e para a África para oferecer dinheiro e serviços sem as garantias de transparência que as regras internacionais da boa governação exigem. Como na China a corrupção é praticada pelos dirigentes do PCC e controlada pelos mesmos dirigentes do PCC, tudo fica em família.

Deste modo, os líderes africanos, em particular os angolanos, viram nos negócios com a China grandes oportunidades para enriquecer. Estabeleceram Fundos comuns de investimento, onde a fronteira entre o que ‘e público e o que é privado não é nítida.

Não é possível garantir o ‘preço justo’ dos serviços e contratos chineses, porque não há concorrência. O modelo ‘chave na mão’, não permite verificar a concorrência. Ninguém está do ‘outro lado’ das linhas de crédito, para verificar os preços facturados e descontados directamente do petróleo que a China leva de Angola.
 
Ninguém sabe também quem são de facto os verdadeiros beneficiários dos negócios da China feitos com a República da China!

A China participa activamente na construção da refinaria do Porto do Lobito, como também na construção do novo aeroporto de Luanda, tendo igualmente construído o caminho de ferro de Malanje e de Benguela. Também está presente nas telecomunicações militares e civis.

A China tem estado a construir igualmente as grandes centralidades em algumas capitais províncias, como a de Kilamba, em Luanda, a que se juntam escolas, clínicas, hospitais e habitações de baixa renda, algumas de qualidade questionável. Mas não se enganem. Tudo isso já está pago com o nosso dinheiro! Nada é de borla!
 
Logo, esta cooperação não é feita de graça. É paga com petróleo, já hipotecado, que Angola exporta para China, através de um processo que levará muitos anos para finalizar.

Por esta razão, Angola é o maior exportador de petróleo para a china, como meio de pagamento das várias linhas de crédito estabelecidas por Pequim, para Angola, cujas transacções bancárias são realizadas  por intermédio do “ Eximbank”.
 
Como reconhece ainda Paul Hare, a “ injecção de dinheiros chineses em Angola, diminui em grande medida a influencia do Fundo Monetário Internacional e de outros actores internacionais que gostariam de promover em Angola “ importantes reformas económicas” e tudo indica que o partido que sustenta o poder em Angola tenciona adoptar o sistema política chinês, de “um país, dois sistemas.”

Atrás das linhas de crédito vêm milhares de cidadãos chineses, que trabalham nas empresas chinesas criadas no âmbito desta cooperação, que trazem os seus próprios trabalhadores, presentemente espalhadas em quase todo o país.
 
Desconhece-se, no entanto, o número exacto de cidadãos chineses a residir e a trabalhar em Angola. Alguns estimam a sua presença em mais  de 100.000  cidadãos chineses, com tendência a crescer. Deste modo, Angola transformou-se, de facto, numa mina de ouro para os chineses, e as respectivas empresas que beneficiam das suas próprias linhas de crédito.

O mais grave ainda é a falta de transparência sobre os pressupostos desta cooperação.  O circuito dos grandes negócios de Angola com a China mantém-se muito fechados. Beneficiam apenas um pequeno número de Angolanos, ligados a Casa Militar e a Presidência da República.
 
Por conseguinte, o volume de negócios, entre Angola e a China exige maior transparência relativamente aos valores financeiros envolvidos nos compromissos assumidos entre os dois Estados,  como também a divulgação dos termos dos acordos de cooperação estabelecidos para que sejam conhecidos por todos os angolanos.

Infelizmente, o executivo angolano recusa-se peremptoriamente a abordar este assunto, que é de interesse nacional, junto dos Deputados, na Assembleia Nacional, desde a primeira legislatura até aos dias de hoje.
 
Para terminar, podemos, assim, tirar as seguintes conclusões:
 
(1) Impõe-se repensar a cooperação do Estado angolano com a Republica Popular da China, com vista a definição de um novo quadro juridico-legal que satisfaça também os interesses da maioria dos angolanos,

(2) Levar a reflexão e debate, no parlamento angolano, os termos de compromisso dos vários acordos de cooperação celebrados entre a República de Angola e a República Popular da China para uma melhor  regulamentação jurídica, que garanta durabilidade das relações de cooperação e amizade.

(3) No plano global, os chineses defendem os seus interesses, através de acordos que são, muitas vezes, mal elaborados e negociados pela parte angolana, porque não levam em consideração o interesse nacional, tendo na “ chinanização do país “ um modo de enriquecimento ilícito.

(4) Devem-se criar leis em Angola que proibam as empresas chinesas alimentar os circuitos de corrupção. Assim, o intercâmbio com a China, se for feito na base da transparência para um comercio justo poderá significar maior durabilidade e mais oportunidades para a maioria dos angolanos, para beneficio de ambos os povos.

(5) Desencorajar José Eduardo dos Santos, Presidente de Angola, a adoptar o sistema político chinês de um “ pais: dois sistema “, como parece ser sua vontade política.
 
Luanda, 19 de Outubro de 2013
Alcides Sakala Simões