Luanda – Luís (Loló) Neto Kiambata é uma daquelas figuras incontornáveis do movimento libertador de Angola e que com grande frontalidade, nunca se nega a abordar qualquer questão relacionada com o país, mas com um gosto muito especial, também sobre política internacional, e particularmente com África. 

Fonte: Agora


Está na Presidência, na secretaria vocacionada para os assuntos dos Antigos Combatentes, desde 1995. O que fez, como disse, é conhecido e mantém-se aqui até ao dia de amanhã. Um tanto ou quanto debilitado por um problema de saúde que o apoquenta, recebeu nos em sua casa, e como sempre, na maior simplicidade.
E depois das devidas saudações, entramos de rompante:

As questões dos antigos combatentes continuam a ser candentes?
Os problemas continuam mas, é preciso dizer que ocorre também o mesmo noutras partes do mundo, incluindo em países com mais anos de independência. Houve muitas mudanças e há pessoas que não entendem bem porque lutaram. Muitos dos que combateram estão frustrados porque não recebem sequer o mínimo para poder dizer: valeu a pena. Falando concretamente do nosso caso, o governo faz o melhor possível para agradar e dar aquilo que foi prometido aos antigos combatentes.

Quando se fez a luta de libertação foi para libertar o país, naturalmente, e para vivermos bem. As faltas que os povos atribuíam a colonização foram a causa por que se pegou em armas. Não é fácil a satisfação desses anseios, porque existem outros intervenientes, o mundo está em mutação, há outras simpatias, outras realidades, outras amizades, outro clima. O mundo hoje não é só pegar em armas e lutar. Isso é muito fácil. Reconstruir um país é que é difícil.

Falta dignificação, ou os antigos combatentes lutam essencialmente por um certo equilíbrio na distribuição de compensações materiais, financeiras e para o reconhecimento do que fizeram ou deram pela Pátria?
Está tudo interligado, porque hoje há pessoas envolvidas na resolução dos problemas dos antigos combatentes com visão diferente. Ainda há ódios que não desapareceram, porque dum lado estiveram os que fizeram a independência nacional e do outro, muitos dos que se aliaram a colonização.
Mas estamos todos juntos, porque há reconciliação. Isso tudo representa um conjunto de problemas que as nossas administrações muitas vezes não solucionam: dizem que agora ainda não é o momento e que devemos aguardar para amanhã, que as vezes nunca chegam. E depois, como no caso de Angola que é um país subdesenvolvimento, que tem muita coisa para se fazer, o país é grande e as pessoas não se conhecem. Nas zonas rurais, nos grandes centros urbanos, há diferenças abismais. O Executivo tem que lidar com todos e as vezes é mal-entendido.

Há um certo esquecimento de quem governa em relação ao passado de luta?
Isso prende-se muitas vezes com a identidade que está abalada. Aquelas pessoas que combateram, muitas vezes são esquecidas porque as realidades são diferentes. Mas o que os antigos combatentes querem é que se reponha a dignidade em muitos sectores. Depois há políticas de apoio. O que acontece por vezes é que, na execução de tais medidas os actores falham.

Não é isso também resultado de um grande défice de solidariedade de todos nós angolanos para connosco mesmo?
Também existe essa parte mas que já foi maior. O Executivo está a fazer mais e melhor, até para não seremos incomodados por organismos de direito internacional porque há houve violação dos direitos humanos. O antigo combatente ainda não tem o que sempre esperou e são coisas mínimas.

Mas, o país, depois da guerra civil, ficou destruído e é preciso reconstruir. A comunidade internacional não ajudou Angola. Estamos a fazer isso sozinhos e aqueles indivíduos que foram buscar apoios na África do Sul racista e noutros países na luta contra o povo angolano, contra o governo que estava instituído, hoje não procuram apoios para ajudar o governo a resolver os problemas do desenvolvimento e dos antigos combatentes.

Ao longo desses anos Já apresentou alguma proposta concreta para solução dos problemas dos antigos combatentes?
Desde 1995, e cingi-me muito noutras experiências. Falei por exemplo com Muammar al-Kadafi, com Saddam Hussein e com outros líderes mundiais nas Nações Unidas, nos Não Alinhados, estive em Cuba com Fidel Castro, falei mesmo com os americanos sobre os combatentes da guerra civil e outras, para saber o que fizeram para resolver os seus casos.

Deram-nos alguns tópicos. Aqui, com as matérias- primas que temos, propus a entrega de dois poços de petróleo renováveis para gestão de uma instituição idónea (ou grupo de pessoas) cujos fundos seriam direccionados para o apoio dos antigos combatentes. Isso antes de começarmos com as cooperativas, porque muitas vezes as questões não andam porque falta autonomia. E em África quando se fala em dinheiro, todos querem pegar. E houve factores que foram contra esses planos. E não é só isso. Cada pessoa que combateu gosta de ver o seu local de nascença bem arranjado. Quer voltar.

O país esteve em guerra mas havia localidades onde havia paz. Muita gente procurou refúgio nas capitais de províncias como Luanda, encontraram novas realidades, incluindo vida fácil, televisão, etc. Quando terminou a guerra - e isso é uma falta de muitos países que viveram a guerra - o processo de reconstrução e de desenvolvimento começou a partir das cidades e não das zonas rurais.

Se tivéssemos feito o que está a ocorrer hoje nas províncias, as cidades hoje estariam descongestionadas e então teríamos criado condições para os quadros trabalharem no interior. Hoje a maior parte não quer trabalhar no interior, porque lá não há do bem bom, têm que começar tudo do princípio e nem todos gostam de encontrar uma obra do princípio. Querem tudo feito.

Falou de distribuição de um recurso (poços de petróleo).Não acha que o que existiu aqui foi o direccionamento de privilégios para um grupo de cidadãos ou sectores da sociedade, em vez de se pensar no colectivo?
É só ver como o país está hoje e a resposta está dada. Temos o novo-riquismo, há pobreza extrema. Aliás, falamos em luta contra a pobreza, o que por si só, confirma que ela existe. E já não é do tempo do colono. É necessário separar as águas. Nós aprofundamos a pobreza dos nossos povos. Não é só a guerra que fez isso, mas também um certo descuido nosso.

No largo primeiro de Maio, ao lado da estátua do fundador da Nação pode-se ver que há pobreza extrema…
Sim! E isso é aqui. Conheço toda Angola (só há uma província onde nunca estive nem nunca me convidaram para lá ir, falo do Namibe) e verifico isso. Falta água, as infra-estruturas não estão bem assentes, mas está a melhorar. Já temos boas redes rodoviária e ferroviária, os aviões já vão a todas as províncias e já se faz melhor intercâmbio nacional. E isto é um benefício que podemos ver todos os dias. Mas é necessário investir mais ainda na formação de quadros.

Não acha que esse combate a pobreza deve iniciar com o MPLA reconciliando-se com a sociedade a tempo inteiro e não apenas no desenrolar de campanhas eleitorais?
O processo de reconciliação é nacional e deve ser feito com todos os cidadãos. Não só com quem esteve na luta armada.

Não é dessa reconciliação que falo. Por exemplo, dos milionários do MPLA que se confundem com o povo pobre durante as eleições, mas que ganho o poder, sente-se que voltam a divorciar-se desse povo…
Isso constata-se embora não conheça as pessoas. Mas há ricos aqui…

Que são pouco ou nada solidários como povo…
Não sei, porque cada um sabe como manusear o seu dinheiro e acredito que há muitos, empresários, que prestam a sua ajuda, mas há outros que se fecham em copas e não querem saber nada disso.

Mas é um facto que os ricos angolanos são maioritariamente afectos ao MPLA…
Não vou dizer isso. Há angolanos ricos e de todas as classes sociais. Inclusive aqueles que a gente olha e pensa que são pobres, mas não. São ricos ou têm um bocadinho e não estão nem no partido, nem no Governo e desfrutam de riqueza.

Do seu ponto de vista, qual seria uma solução para redução da pobreza?
Educação primeiro e toda a gente devia declarar os bens que tem. E depois, dizer como conseguiu isso. Fazer contas à vida. E o dinheiro daqueles que não conseguirem justificar devia reverter para os cofres do Estado, ficando apenas com uma parte. É preciso aumentar os postos de emprego, a educação e formação de quadros e saber dos problemas concretos de cada município, província, etc. Mas isto está a ser feito. O MPLA está a fazer isso e estou satisfeito porque lá nos lugares mais recônditos, existe aquele querer saber quais os problemas que afligem as populações: se falta de água, de luz, disto ou daquilo.

Identifica-se com essa elite política nova e rica?
Não!

Porquê?
Porque não sou rico. Já viu um pobre ser amigo de rico. Considero-me pobre. Privilegiado possivelmente, mas não me identifico com nenhum rico. E eu não entrei para a luta de libertação para ser rico. Não senhor! E há muita gente nessa condição. Mudar as condições políticas, económicas e sociais, dar à maioria aquele bocado que nós criticamos o colono por não dar. E muitos de nós está a fazer o mesmo. É necessário ver que não foi para sermos ricos que houve a luta de libertação.

Se lhe oferecessem agora um milhão de dólares não aceitaria?
Primeiro perguntava por que motivo. Fiz anos?

Concorda que há corrupção em Angola?
Toda a gente diz. Há sim corrupção em Angola?

Os corruptos estão identificados?
A corrupção é que está identificada. Agora quem diz que há corruptos, também seria bom que identificasse quem é corrupto. Para acabar com a corrupção, é necessário identificar os corruptos.

O que é que acha da nossa oposição. Considera que ela está preparada para o jogo democrático?
Qualquer país tem oposição e a democracia evoluiu de tal modo que o opositor, hoje, não é só aquele que critica quem governa. O opositor é também por vezes parceiro do Governo. Ele está ali onde o Governo precisa de apoio para fazer bem, mas também está quando faz mal e pode criticar. Na oposição angolana há actores que não se falam. Em países com tradição democrática, os opositores durante as discussões ofendem se mas, quando termina a sessão vão para o mesmo botequim tomar copos. Vemos isso na Inglaterra. Aqui os opositores comportam-se como inimigos. O nível está muito baixo. Os problemas que levantam não são de uma oposição séria. É necessário criticar o sistema ou o regime quando faz mal, mas não atacar as pessoas, salvo quando há mesmo provas.

A razão prende-se com a formação de quem faz oposição ou à tendência de se combater apenas quem está no poder?
Aqui tem sido de combate a quem está no poder, de abatê-lo a qualquer preço. A oposição é alimentada por partidos políticos e nos seus programas não consta nada referente a ataques a pessoas. Mas os actores têm essa postura. Podem fazer oposição digna e séria e até dá-lhes o valor acrescentado que pode cativar o eleitorado. Uma oposição digna é útil a paz e ao desenvolvimento do país.

As más relações com Portugal resultam de resquícios do facto de Angola ser um país independente ou tem mesmo relação com a tal questão da corrupção de que os dirigentes e empresários angolanos são acusados?
Os dirigentes portugueses actuais são novos, jovens politicamente. Não conhecem bem Angola. Eles saíram de um sistema colonial e fascista há muito tempo e alguns fizeram guerra colonial. Desses tempos, só o Sampaio e o Mário Soares é que não fizeram. Os outros tinham vínculos estreitos com o colonialismo como é por exemplo o caso do actual presidente. E esses indivíduos não se comportaram como libertadores de ninguém. Tirando o Mário Soares e o Sampaio que até foram presos pela PIDE, os outros todos serviram Salazar nas colónias. Hoje, com as mudanças que existem, há dirigentes que estão mais interessados nos negócios e no comércio. Então há um certo ciúme, porque eles pensam que a África é a continuação da Europa e no caso de Angola, que é a continuação de Portugal. Não! Quem conhece bem Portugal e quem conhece bem Angola sabe que os dois são países irmãos, mas que devem ser tratados com respeito. Há processos contra dirigentes angolanos lá. Eu não percebo sinceramente o que é que eles fizeram? Foram lá pôr dinheiro? São os únicos no mundo que põem dinheiro em Portugal? Investir dinheiro lá é algum crime? Se estão em desacordo, têm que explicar pelos canais apropriados o que se passa. Quando as questões são tratadas em praça pública, não têm valor. E os portugueses que estão a investir em Angola?

Isso não será também consequência do facto dos próprios governantes angolanos defenderem pouco a imagem de dignidade que o país merece?
Esse é um assunto que já abordei com várias pessoas. Alguns de nós não se sabe comportar quanto estamos na Europa. Comportam- -se em função do dinheiro e até recebem reprimendas. Indivíduos que na sanzala onde nasceram não têm uma palhota vão lá comprar um arranha-céus? Não nos devemos esquecer que os portugueses estiveram aqui 492 anos e conhecem bem as famílias, quem é quem. Muitas das coisas que dizem têm sempre alguma coisa de verdade. Há sim senhora. Compete aos nossos líderes, aos nossos governantes, aos nossos cidadãos comportarem- se melhor. Invistam em Angola. Mas, é preciso respeito do outro lado. Que fique um dia só sem sair um avião daqui para lá e vamos ver a confusão. As pessoas que saem daqui levam dinheiro. Isso iria desestabilizar tudo. Por isso sou de opinião que os dois países devem manter o respeito, têm que agir como dois Estados soberanos e não se deixarem influenciar por essas macas de sanzala, pugnando por maior desenvolvimento. Estamos condenados a viver juntos e com isso podem um dia apagar a história que nos une.

Não acha que do lado português há exactamente essa falta de sensibilidade, essa interpretação de que nós não nos devemos guerrear, mas sim unirmo-nos em prol de objectivos comuns?
Dos dois lados há virtudes e defeitos, porque uma guerra não se faz só de um lado. E é bom que as pessoas que estão ligadas aos contactos entre os dois Estados tenham o bom senso de resolver os problemas de forma em que a amizade e a solidariedade estejam em primeiro lugar. Deixem lá quem pôs ou não dinheiro, porque também há canais para abordar isso. Portugal reconheceu a independência de Angola tarde e chegaram outros parceiros. Perderam muito e não aprenderam as lições. E depois, essa gente que está lá, pior ainda porque continuam a pôr primeiro Portugal na Europa e todos sabemos agora qual é o seu lugar. Sim senhora é um país europeu mas, é necessário manter a amizade com outros países que lhe são mais queridos. Na tabela da Europa está na cauda. E a crise que enfrentam prova isso.

A Guiné-Bissau é um caso perdido?
Costumo dizer que é uma telenovela. Aquilo é fruto de ignorância, de pessoas que não são de lá, apareceram e tomaram conta do poder. São vândalos. Há lá pessoas valiosas mas ninguém sabe quem é que manda. E tudo isso começou durante a luta armada quando mataram Amílcar Cabral. Eles têm maneiras muito sui generis de matar pessoas com machados, facas e continuam até agora. São indivíduos que nós aqui classificamos como matumbos. E continuam, não têm noção de civismo e depois há outros problemas que entraram no meio como é o caso da droga, que dá muito dinheiro a muita gente e com ele fazem tudo. Aquilo ali é uma selva e agora começaram a perseguir pessoas. Não há lei e um Estado sem lei é um Estado fracassado. Por isso eu defendo que Angola não deve voltar a apoiar. As eleições não vão acontecer porque não há dinheiro e nem a Nigéria (que não gosta de Angola) está em condições de injectar. Tudo indica que haverá outro golpe para substituir o actual presidente interino. Os golpistas beneficiaram um pouco da contemplação de vários países por causa da posição que a França tomou no golpe do Malí. A União Africana condena os golpes de Estado mas nesse caso, houve uma grande complacência.

Não lhe parece que essa União Africana é muito meiguinha?
Os tempos são outros. A União Africana flutua no vazio, perdeu expressão e até para eleger uma directora teve sérios problemas. Já quase ninguém se revê no que se trata na União. Necessita de refundação? Acho que é necessário um chekup para estremecer a organização para a nova realidade, para essa nova fase em que as questões são predominantemente económicas e financeiras, e grande parte dos Estados africanos fracassaram. Há problemas comuns, e um deles e o principal, é a corrupção. E o desenvolvimento não se faz. Quem viaja por Angola encontra asfalto no meio do capim, lá longe. Em boa parte dos países africanos, o asfalto termina cinco quilómetros depois da cidade e muita população está como nos tempos da idade média. E é dessa população que toda a gente fala, que está a errar de um lado para o outro. Está aí o Congo (Kinshasa).

Angola pode marcar a diferença nos próximos 20 anos?
Se nos portarmos com mais dignidade e resolvermos problemas nossos, que podem conferir dignidade ao nosso povo, como formação, informação, podemos ter força de vontade e moral para dizer: estamos aqui para ajudar. Os Estados Unidos fizeram isso depois da guerra civil. Fecharam-se, desenvolveram a sua economia e agora prestam ajuda. Temos que ter cuidado, porque essa nova geração que estamos a ver agora, que já não tem aquela noção de patriotismo das anteriores, pode mudar o curso da história. É imediatista, portam-se como marias que vão com as outras e isso é um problema que pode levantar outros para as gerações vindouras. Essa geração não vai defender as populações mais desfavorecidas. Vão continuar a cultivar o elitismo, e isso vai agradar mais pessoas fora do país.

Circulou nalgumas redes sociais que não foi ao casamento da sua sobrinha, que é uma dirigente da UNITA porque se casou com outro quadro desse partido. É verdade?
Em Janeiro quando soube que estavam a namorar, mandei chamar o casal e sentaram-se nesta mesma sala, naquele cadeirão. Como tio, mandei o recado a minha sobrinha: traga cá o teu noivo. Falei com ele muito bem e até fiquei a saber que é sobrinho de um amigo meu, o Dr. Ornela Sangumba, que estava na UNITA e que o Savimbi mandou matar. E eu sei como é que ele foi morto.

As redes sociais deviam é procurar saber por que o Sangumba, que é tio dele direito, não foi ao casamento. Eu fui a igreja e lá dentro falei com o Samakuva e alertei-o para tomar medidas, naquela semana em que se falava do seu secretário da juventude. Devo dizer que a nossa relação é saudável, porque só assim se resolvem os problemas. Acha que me devo preocupar com esses rapazes do Club K? Não! Estou com problemas de saúde, acham que deveria ir a festa para dançar? Não tenho problema nenhum com a minha sobrinha porque filiou-se na UNITA. O problema, se é que existe, é dela e não tenho nada a ver com isso. Que façam muitos filhos, que os eduquem bem e que nenhum saia com o espírito de Muangai.