Luanda - Após a feitura da entrevista, passaram três edições e não veio ao público. Tal matéria estava prevista para a edição da semana em que foi realizada. A entrevista foi conduzida pelo jornalista Fernando Guelengue. Segundo Domingos da Cruz, depois de pedidos de exclarecimentos ao jornalista e a  Directora do NJ, Verónica Pereira, esta última confirmou as 11h do dia 05 ao telefone que ela não será publicada. A entrevista censurada, chegou à redação do Club-k, por meio do entrevistado. O CK sabe que  a entrevista seria publicada no NJ com o título “Não sou contra o governo, mas contra as acções feitas pela cleptocracia”.  Confira a seguir a entrevista na íntegra:


Fonte: Club-k.net

"Libertação e descolonização de Angola"

Novo Jornal - Depois de ser absorvido em julgamento por publicar o livro “Quando a Guerra é Necessária e Urgente” tem já na forja duas novas obras. O que aborda nestes livros?
Domingos da Cruz - Tratam-se dos livros “A Liberdade de Imprensa em Angola: Obstáculos e Desafios no Processo de Democratização” e “Ética Educativa à Luz da Racionalidade Comunicativa”.
O primeiro analisa a situação da liberdade de imprensa em Angola à luz da teoria liberal da democracia, passando pelo quadro normativo nacional e internacional sobre a matéria, culminando nas violações, mortes e outros empecilhos à liberdade de imprensa em Angola.
Essencialmente o livro conclui que o que chamam  de midia pública em Angola, não passa de instrumento ideológico do poder unipessoal e partidocentrista. Um meio de guerra fria contra quem não faz parte do grupo opressor e para a manutenção do poder.
Angola, não sendo uma democracia, por isso, usa a midia com outros fins alheios a sua natureza numa sociedade aberta e plural. Se não é uma democracia, pois claro, é um estado autoritário que caminha para o totalitarismo.
Em “Ética Educativa à Luz da Racionalidade Comunicativa”, apresento a necessidade e a urgência de uma ética na educação.Tal ética funda-se na teoria da racionalidade e do agir comunicativo de J. Habermas.

 

É conhecido pelas suas abordagens contrárias ao governo. Quais as suas preocupações nestes assuntos que parecem ainda polémicos em Angola?
Eu sou em favor de uma sociedade democrática, ética, em definitiva, defendo uma sociedade normal. Não sou contra o governo, sou contra as acções feitas pela cleptocracia. Ou seja, acções ilicitas protagonizadas por agentes que detêm cargos de responsabilidade pública.
Quanto ao livro sobre a liberdade de imprensa e democracia, ao reconhcer que Angola é um estado autoritário, proponho mudança deste quadro por meio de uma Pedagogia para a liberdade de imprensa. Mas esta solução parece-me ingênua porque uma pedagogia pressupõe que seja implementada. Coisa que este grupo hegemónico não fará, pelo que só o fim deste grupo e do poder instituido poderá mudar o quadro: a solução passa pelo uso do direito a resistência nos moldes de uma revolução!
Na obra sobre ética, a minha grande preocupação de teorização pura e dura, mas sem esquecer a realidade de Angola, que certamente tem um grande vazio moral em todos planos. No caso do sistema escolar, dá-me medo e não sei onde vai…

 

Que reflexão faz a respeito da educação no país?
Para percebermos o Estado da nossa educação, basta olhar a forma como as pessoas que estudaram no estrangeiro orgulham-se e como se prefere cidadãos  formados lá fora do que em Angola. Outro indicador do estado da nossa educação reside no facto dos governantes e todos que têm dinheiro, roubado ou não, enviarem os filhos às pressas para o extrangeiro.

Em síntese, a educação em Angola é uma vergonha brutal: professores que não sabem escrever, inclusive no ensino superior, não sabem pesquisar, as notas são sexualmente transmissiveis, sistema escolar que forma ruminantes de textos e não pensadores,  etc, etc.  Na realidade Angola não tem universidade!


Como descreve nosso sistema de ensino à luz da racionalidade?
À luz da racionalidade comunicativa o nosso ensino é irracional, opressor e é um instrumento ideológico ao serviço do poder político para a  manutenção do mesmo poder. Um exemplo simples da carga ideológica é o controle político das instituições, falta de liberdade académica, científica e de ensino. Por outro lado, materiais feitos pelo partido hegemónico são usados nas escolas.


Na sua obra sobre a ética educativa fala de uma possível crise antropológica. Quer esmiuçar melhor?
A crise antropológica pode ser lida em três planos: ético, cultural e puramente existencial. No caso de muitas realidades, que não é a Angolana, muitos povos não sabem o que são. Para perceber isto basta comparar os nomes dos jogadores da seleção da África do Sul, do Ghana, da Nigéria e outras de África com a de Angola e percebes que tais nomes que também são instrumento de identidade, espelham bem que não sabemos o que somos. Temos vergonha das nossas línguas…
No plano moral, a situação talvez seja mais fácil de comprender, na medidade em que Angola promove o ter sem trabalho e sem ser, o desonesto é visto como inteligente porque subtraiu e enriqueceu-se.
Tais dimensões da crise leva, a conluir que mais do que olhar compartimentadamente a questão, deve-se concluir que tal quadro sintetiza-se numa crise maior: a crise do homem ou a crise antropológica.


A educação deve forjar mentes inquietantes e rebeldes que problematizam permanentemente o real e o irreal. Está a se referir na necessidade de se efectivar uma desordem social?
Não é defender a desordem. Esta frase significa que as pessoas devem ser pensadores e não se portarem como se de cabras se tratassem. Meros ruminantes daquilo que os professores ensinaram, é grave. A frase defende aqui a criatividade nos mais variados planos que pressupõe consciência crítica e aguçada. Claro que um indivíduo criativo é crítico, não suporta a mediocridade, e havendo sistemas políticos opressores, tomará posição. Só teremos desenvolvimento se as escolas forem capazes de forjar mentes rebeldes como as de Albert Einst, Chinua Cheby, Uzodinma Iweala, Desmond Tutu, Mendeliev, Julius Nherere, Paulo Freire etc.


Então, podia esclarecer melhor?
As mentes inquietas e rebeldes transformam o mundo na religião, na cultura, ciência e tecnologia, na poítica, na economia,  no desporto,  na ficção. Em síntese, sem mentes rebeldes e inquietas tudo para…


Nesta obra aconselha o professor a ser mais crítico, ter conhecimentos profundos das lições e ser um especialista. E como será para o ensino primário e secundário?
É igualzinho.  É exactamente no ensino primário que se começa e reforça a consciência crítica. As crianças têm uma propensão primária para os “porque?”. Isto é a manifestação da consciência crítica, mas de forma inconciente. É função e missão do professor fazer com que esta propensão natural seja desenvolvida no sentido da criança fazer exercício de reflexão crítica de forma consciente. Existem exercícios básicos para que uma criança da 3ª classe desenvolva a consciência crítica. Convide-a à comparar duas ou mais bananas e recomende que coma uma e pergunte porque escolheu-a. Certamente indicará razões e ali está a ter conciência crítica. Quando a energia falhar em casa, não diga luz foiiiiii ou quando restabece não diga lugéeeee. Diga à criança que esta energia falhou porque o Sr que deve fazer chegar não trabalha bem. Tudo isto fará com que as crianças percebam que as coisas a sua voltam influencia na sua vida e dali nuca mais será ingênua.


Corrobora com a teoria de que o estudante deve ser crítico e protagonistas de mudanças na escola e na sociedade?
Com certeza. Subscrevo absolutamente esta tese. A teoria da educação comtemporânea, tanto a escola nova, a pedagogia da esperança, da liberdade, do oprmido, assim como a teoria histórico-crítica sustentada por Dermevarl Saviani defende que o estudante é uma chave e deve influenciar necessariamente no processo educativo. A escola nova é mais radical ao defender o puerocetrismo, ou seja, a criança ou aluno, doravante é o centro à volta do qual gira todo processoe educativo e outros seus agentes.
Quando estudantes não contribuem para a mudança na sociedade é sinal que tal sociedade não está a formar cidadãos mas escravos como é caso da nossa realidade em que os professores e estudantes paressem os grupos mais idiotas.


O que de mais importante se pode tirar desta obra?
Ética, criatividade, pensamento crítico e liberdade!


A liberdade de Imprensa e de expressão também é tema de um destes manuais. Como avalia a liberdade de expressão e de imprensa no país?
A Constituição de 2010 não trouxe mudanças nenhumas nesta matéria. Ela retomou o que estabelecia a constituição anterior. Quanto ao exercício jornalístico, existe controlo absoluto do poder dos órgãos de comunicação. Todos esses servem o autoritarismo. Sinteticamente podemos afirmar que há o controlo de conteúdo e o controlo tecnológico onde inclui papel e gráficas. O país tem somente uma rádio (Despertar) e um jornal (Folha 8) que escapam do controlo propiciador do terrorismo mediático do Estado máfia. Basta conferir os relatórios internacionais sobre a matéria e verá onde Angola está.  As críticas não são permitidas, são aturadas até onde o poder achar que deve usar a sua violência ditatorial traduzida em assassinatos, ameaças, processos político-judiciais, prisões arbitrárias e cooptação. O jornalista e órgãos capazes de criticar o poder hoje, ficam para história e classificados como heróis vivos pelo grau de arbitrariedade dos agentes do mal.  Neste momento Angola conta com um sindicato de jornalista e o MISA-Angola. Por outro lado, assiste-se nos últimos anos a união entre as várias organizações da sociedade civil e os jornalistas independentes com estratégia de defesa comum. Mas o grande protector dos jornalistas em Angola é o povo que reage contra o poder autoritário quando profissionais são perseguidos, sobretudo na capital, Luanda.
O quadro da liberdade de expressão e de imprensa em Angola está expressa, e muito mal posicionada, nos rankings mundiais sobre a matéria, produzidos pela Freedom House e pelos Reporters Sem Fronteiras, que concluem: Angola não é um país livre.

Para perceber melhor como Angola está mal, pode-se comparar as posições de outros paises africanos no ranking de 2012: Cabo Verde, 9ª posição; Namíbia , 21ª; Mali, 25ª; Níger, 29ª; Tanzânia, 34ª; África do Sul – 42ª e Angola, 132ª.

Muitas vezes, alguns afirmam que Angola tem liberdade de imprensa porque tem mais jornais. Isto é um equivoco, porque a liberdade de imprensa é qualitativa e não quantitivo: pluralismo, igualdade, contraditório, isenção, rigor etc. Estes princípios não se compaginam com a quantidade.


Numa das suas redes sociais tem demonstrado enorme preocupação com os jovens revolucionários. O que mais o preocupa neste sentido?
A causa deles é a minha causa: libertação e descolonização de Angola para que possamos construir um estado de bem estar social e democracia plena.  Neste momento a minha alma não está tranquila por causa do cârcere privado de Nito Alves.
Não posso deixar de lamentar que até ao memento a sociedade ainda não fez nada de grande dimensão de que somos capazes para libertá-lo. Há medo por um lado e hipocrisia por outro. Mas pode-se ainda afirmar que a falta de reação da sociedade é mais um argumento eloquente da crise antropológica. Só uma sociedade doente, que não sabe o que é a dignidade humana, permite que delinquentes nas vestes de governates humilhem uma criança, sua familia, seus amigos, como é o meu caso.

 

Está a se tornar mais acadêmico do que jornalista. Será porque tem conseguido moldar comportamentos indecorosos e convicções que não ajudam a desenvolver o homem?
Eu amo as duas coisas, mas neste momento a opção fundamental de dedicar-se ao ensino e a pesquisa em tempo integral e outras razões intimistas levam-me à este posicionamento…


A falta de incentivo aos novos escritores ainda é acentuada. Como consegue os financiamentos para a publicação destes livros?
O meu primeiro livro teve patrocínio de um amigo, mas os subsequentes foram pagos por mim, com execepção deste último sobre a liberdade de imprensa e aspectos correlatos que tive uma bolsa de pesquisa e publicação.


Angola aderiu recentemente a seis convenções, tratados e protocolos das Nações Unidas, relativos à salvaguarda e protecção de direitos políticos, económicos e sociais do homem. Já previa estes ganhos?
A adesão de Angola aos instrumentos internacionais de  protecção e defesa dos Direitos Humanos  não representa ganho nenhum. O Ditador de Luanda precisa de legitimidade para articular-se interna e externamente. Tem conscciência das fissuras éticas que comporta o seu regime, dali este esforço cosmético formal de subscrição destes instrumentos jurídicos internacionais. Se o poder político hegemónico não respeita a constituição da sua maternidade ideológica, seria ingenuidade e de uma idiotice brutal, acreditar que estes instrumentos serão aplicados e respeitados. Aliás, no período em que Manuel Vicente e Jorge Chicote estavam a fazer tais actos  nos EUA, aqui continuava a lógica irracional da tortura e prisões arbitrárias protagonizadas pelos sipaios que chamam Policia Nacional.
 
Não se deixe enganar caro jornalista. Dizia o velho Maquiavel que um regime não se classifica nem se avalia pela constituição formal, mas pelas práticas. Significa que muitos regimes autoritários têm constituições democráticas e isto pressupõe aderir e ratificar  instrumentos de direitos humanos, o que não significa que serão vividos. Esta é mais uma jogada do ditadorzeco e seus acéfalos.


Continua com uma visão crítica das coisas. Não teme que se levante novamente um processo-crime contra si?
O anormal seria não ter uma visão crítica das coisas. É uma contradição antropológica e pedagógica que a pessoa humana não seja crítica. Não consigo entender como um indivíduo vive sem ser crítico, sendo indiferente e idiota! Não tenho nada a temer! Temer o que? Os ladrões e assasinos do regime não temem, como um indivíduo que vive do seu trabalho, que não pica sequer um palito de fosfor à alguém pode temer?.  Certamente continuarei a escrever segundo os valores nos quais acredito. Sou um intelectual da esquerda democrática, por isso, continuarei histórico-crítico, sempre que as circunstâncias solicitarem e exigirem. Além do mais, não consigo entender uma pessoa que não seja crítico, no sentido de pensador que propõe novos caminhos. Para mim, a crítica tem um carácter antropológico e ontológico em potência, só que deve ser trabalhada por meio de uma educação libertadora na família, na escola e noutras esferas epistémicas.
Aproveito esta oportunidade para tentar esclarecer a concepção de guerra sobre a qual o livro e o artigo do processo judicial adoptaram. Tal esclarecimento já fiz algumas vezes na rádio Despertar. Como sabe a palavra guerra é polissémica. Tal polissemia permite-nos usá-la com bastante elasticidade. Antes da revolução na África do norte, era exactamente sobre estas manifestações de massas em dimensão vulcânica sobre a qual correspondem a guerra que o artigo e mais tarde o livro defendem. Lembro-me de ter afirmado que tal guerra deverá ser feita pelo povo em legítima defesa. Não pode ser uma guerra protagonizada por uma facção militar para que não haja bodes expiatórios. Como todos sabemos, só o poder hegemónico compra e vende armas, por isso, só este grupo pode fazer guerra bélica. As armas que o povo tem são: a fragilidade dos seus corpos humanos, o serem detentores do poder que foi sequestrado pela fraude eleitoral e a razão para lutar, uma vez que o autoritarismo roubou seus direitos, em definitiva, a sua dignidade. 


Sabemos que tem uma forte inclinação aos direitos humanos. Como equaciona a nossa realidade neste ponto de vista?
A situação dos direitos humanos na sua indivisibilidade são negados todos os dias. Para compreender como estamos em termos de Direitos Humanos basta ler os relatórios interancionais sobre a matéria.
Há um direito sobre o qual Angola está a camainha bem. O direito de ir e vir. O resto é uma catástrofe. 


Que análise faz do discurso do Estado da Nação proferido pelo Presidente da República na abertura da segunda sessão da terceira legislatura da Assembleia Nacional?
Nem ele acredita no que disse! Aquilo não passa de mentira monumental, brutal e violenta… dele não espero nada. Dos Santos faliu…
Na realidade precisaria de mais espaço para falar sobre este panfleto de Dos Santos…


O que terá faltado esclarecer aos angolanos?
Ele não é capaz de exclarecer nada de positivo. Seria inquerente e contraditório da minha parte, afirmar que não espero nada dele e simultaneamente esperar que esclarecesse alguma coisa.


Quais os últimos livros que leu ou está a ler?
As minha leituras calssificam-se em livres por prazer e leituras obrigatórias para lecionação.  As livres por prazer que terminei recentemente são: “Feras de lugar nenhum” de Uzodinma Iweala, “Sociologia do Corpo” de David Le Breton, “A queda” de Albert Camus,  “O anticrito” de F. Nietzsche (em curso), “A morte de Ivan Ilich” de Leon Tolstói.

Quanto as leituras para lecionar são inúmeras porque em cada bloco temático eu leio com os estudantes um livro ou dois diferentes. Mesmo que seja só uma unidade, para que os estudantes tomem contacto com um pensamento científico diversificado. Em breve começo a ler “O processo” de  Franz Kafka.


Projectos para os próximos anos?
Acabei de organizar um livro sobre  Direitos Humanos em África, com a partcipação de mais de 20 cientistas sociais de 10 países africanos e fora de África tem os EUA, Brasil e Argentina. Tal livro será publicado próximo ano e tem 1000 páginas.

Tem outro livro terminado que escrevemos em co-autoria com um professor Alemão Sven Peterk, com título, “Justiça Penal e Coperação Internacional: Jean Pierre Bemba na mira do PTI”.
Estou a 50% de outro livro sobre “Infoética” e desejo igualmente escrever ficção num futuro à médio prazo. Gostaria de escrever romances. Não sei se sou capaz, mas tentarei certamente…

 

CV flash:

Graduado em Filosofia e Pedagogia pelo IDBES (Instituto Dom Bosco de Estudos Superiores) e Mestre em Ciências Jurídicas - Área de Direitos Humanos pela Universidade Federal da Paraíba-UFPB-Brasil. Jornalista, Escritor com cinco livros publicados, Pesquisador, Docente e vencedor do Prêmio Nacional de Direitos Humanos, Categoria Ricardo de Melo em 2009. Membro do (NCDH) Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da UFPB, actuando no GT de Investigação em Segurança Pública, Violência e Direitos Humanos. É ainda Membro convidado do grupo de pesquisa sobre Retórica e Direitos Humanos do CCJ (Centro de Ciências Jurídicas).  Professor de Direitos Humanos, Teoria da Educação e Filosofia da Educação.  Porta-Voz do Instituto para Mídia na Região Austral de África – MISA-Angola. Consultor de ONGs nacionais e internacionais.