OGE 2014–ESPECIALIDADE – SECTOR REAL DA ECONOMIA – 20.11.13

Excelência Senhor Presidente da Sessão;
Ilustres Auxiliares do Titular do Poder Executivo;
Caros colegas Deputados;
Minhas Senhoras e meus Senhores:

Vamos, mais uma vez, fazer aqui este exercício construtivo de aconselhamento, de chamada de atenção, na tentativa de não estarmos a bradar no deserto sem que ninguém, mais uma vez, nos esteja a ouvir. E enche-se-nos a alma de preocupação quando as contribuições dos deputados servem apenas para “trabalhos futuros” – como nos disseram aqui – sobretudo quando não sabemos onde mora esse futuro. Mas... nós faremos, mais uma vez, a nossa parte.

 

SENHOR MINISTRO DAS FINANÇAS:

 

Estamos perante um Orçamento “Gordo” de pouco mais de 74 biliões de dólares, mas que continua a carregar uma excessiva centralização: São cerca de 85% para a estrutura central (que continua a chamar a si a responsabilidade do grosso dos projectos mesmo os de impacto local; e dão 15%; apenas 15% às estruturas locais. Até a reabilitação das ruas terciárias (ver página 156), ou dos palácios dos governadores provinciais, dos edifícios das administrações municipais, das residências dos administradores (projectos inscritos, como mero exemplo, na página 158), isso tem que ser pensado e feito a nível central? Francamente! Assim, não é possível combater as assimetrias regionais e, consequentemente, não atingem esse “desenvolvimento” que prometem aos angolanos; a sua “qualidade de vida” não melhora coisíssima nenhuma”.


Já o dissemos, aquando do debate na generalidade: Pela primeira vez, desde 2009, as contas públicas vão registar, este ano, um défice de 630,3 mil milhões de Kwanzas (o que representa cerca de 5%); as receitas aumentam em 4,6% e as despesas em 19,3%. V. Exas. vão ter menos dinheiro a entrar nos cofres, mais dinheiro a sair deles; e isso vai resultar numa clara degradação das contas públicas.

O sector social, que se pretende empolar como estando bem fornecido, bem cuidado, regista – fazendo uma comparação com a fatia orçamental que lhe foi dada no OGE de 2013 – uma redução de 2,3%. E continua com uma grande carga de subsídios, que sobem em 52%, a maior parte dos quais representam subsídios a preços, com uma grande fatia a subsidiar os combustíveis. Senhor Ministro, qual é a carga real desses subsídios a combustíveis? Sabemos que representam uma percentagem muito elevada e isso não beneficia os pobres. Antes pelo contrário. Entretanto, as prestações sociais – e estamos a falar das pensões de reforma, do abono de família, das bolsas de estudo – despesas que devem (ou pelo menos deviam) beneficiar os angolanos mais pobres, sofrem um corte de cerca de 41%. Desse modo, pretende-se melhorar a qualidade de vida de que angolanos?

SENHOR MINISTRO DA CONSTRUÇÃO:

Gostaria que me desse algumas explicações:

 

1. O novo aeroporto de Luanda é real? Existe? Porque razão o escondem dos angolanos, donos daquela obra? O Senhor Ministro dos Transportes pode também ajudar na resposta, já que a obra está ligada ao seu pelouro.

 

2. V. Ex.ª tem registados vários projectos ligados à construção de centralidades (Cacuaco, Dundo, Kilamba Kiaxi, Zango, Benguela, Lubango, Namibe, etc., etc., etc.). É bom! A primeira localidade onde se prometeu fazer uma centralidade é Cabinda. Foi ainda no tempo em que o General Higino Carneiro era Ministro nesse pelouro. Mas tudo indica que o país é de Cabinda ao Cunene, mas no que aos benefícios diz respeito, sai do Cunene e nunca mais chega a Cabinda. E como se isso não bastasse, vejo verbas inscritas neste Orçamento destinadas ao “fornecimento de energia eléctrica a duas centralidades. Centralidades! Uma chamada de Cabinda, outra chamada de Chibodo. Deixem-me abrir aqui um parêntesis para dizer que o OGE é uma lei e, quaisquer que sejam as pressas na sua elaboração deviam evitar erros como muitas vezes vemos nesse documento: a localidade que na página 154 chamam “Chimbondo” não existe. O nome correcto é “Chibodo”.

Onde é que estão essas centralidades? O que é que V. Exas. estão a chamar “centralidade”, em Cabinda? Ainda não existem é já lá se vai meter luz?

Sobre “centralidades”, esta proposta de orçamento traz muita confusão sobre quem faz o quê. O ministério da construção faz centralidades, constrói infraestruturas das centralidades, os petróleos vão fazer exactamente a mesma coisa. Afinal, quem vai fazer o quê?

Ainda sobre as centralidades, no início deste ano chamamos a atenção para o facto de se estarem a roubar muitos cidadãos com as casas nas centralidades, que viraram verdadeira “terra prometida”. Há gente que pagou as suas casas há muito tempo, e apesar dos esforços feitos pela SONIP e pela DELTA, há indivíduos a cobrarem 4 a 5 mil dólares às pessoas para terem acesso ao contrato e às chaves de casas que já são suas por direito. Estão a extorquir dinheiro a muita gente, e isso não deve ser segredo aqui para muita gente. E eu passo esta preocupação ao Sr. Ministro do Urbanismo e Habitação bem como ao Sr. Presidente do Conselho de Administração da SONANGOL e à direcção da DELTA. Façam um esforço (pelo menos mais um) para acabar com isso. Por amor de Deus.

3. Gostaria também que o Senhor Ministro me desse uma explicação sobre o “Centro Político-Administrativo” que vai construir em Cabinda, inscrito na página 154, e que vai custar cerca de 600 mil dólares. Isso é o quê?

4. Quando vejo que inscreve, nas obras a realizar, a construção da estrada Talatona-Lar do Patriota, vamos ter definitivamente resolvido o problema da chamada “ponte molhada”, ou nem por isso? E já agora, quando é que aquele Lar do Patriota, a exemplo desses condomínios e coisas que valham, espalhados por aí, vai ter ruas asfaltadas, em vez daquela desgraça de picadas que ali moram, há anos?

5. E por falar em desgraça, quando é que se pensa resolver definitivamente o problema daquele inferno que se chama “rua da Brigada”, aqui mesmo em Luanda?

6. Sair de Ondjiva a Cuvelai é um verdadeiro pesadelo, tal o estado lastimável da picada. A obra já leva anos! Desta vez sai?

 

SENHOR MINISTRO DA AGRICULTURA:

 

O Presidente Agostinho Neto já considerava, na sua visão, a agricultura como sendo a base para o desenvolvimento do país. Só porque ele partiu, já se esqueceram disso? Aquando da discussão sobre o OGE para o presente ano de 2013, o Grupo Parlamentar da UNITA mostrou e demonstrou a má opção política de atribuir ao seu sector a mísera verba de 1%, dada a importância do sector para a diversificação da nossa economia, e dadas as riquíssimas potencialidades que Angola tem. Ir a Dubai e ver o deserto transformado num colorido de plantas não dói aos angolanos? O meu colega de bancada, o Deputado Vitorino Nhany, Engenheiro agrónomo, recordou aqui e noutros locais aquilo que vocês estudaram juntos sobre as potencialidades do país e aquilo que se pode fazer, em matéria de agricultura. Isso é ter sentido de Estado. Ouviu-se, foram tomadas notas, não se corrigiu no OGE de 2013, e agora que esperávamos ver uma coisa diferente... baixam essa verba para cerca de metade!

 

Dá para acreditar numa coisa dessas? O que é que se passa com o seu sector, senhor Ministro? Estaremos assim tão embriagados com o petróleo – se me permitirem o termo – que ainda nos dá 70% das receitas, que nos esquecemos dos outros sectores? Ou é uma vontade deliberada de sugar o petróleo, com o pensamento de que já não estaremos aqui neste mundo quando ele acabar, e as gerações mais novas que se virem (como dizem os brasileiros)?

 

SENHORA MINISTRA DAS PESCAS:

 

Está a ser-lhe atribuída uma verba de 0,1%! Com essa receita, eu só tenho uma pergunta: que mal é que fez para não lhe deixarem fazer nada?

 

SENHOR MINISTRO DOS TRANSPORTES:

 

1. V. Ex.ª tem alocada uma verba destinada à reabilitação do Aeroporto de Cabinda. Quando vejo os aeroportos de outras capitais provinciais, pergunto-me se aquele aeroporto, em Cabinda, não devia ser reconstruído. Vem-me à memória que S. Ex.ª o senhor Presidente da Assembleia Nacional tem dito muitas vezes: o angolano tem o hábito de fazer uma introdução de 5 páginas, para dizer o essencial em 3 linhas. É o que vejo no aeroporto de Cabinda: as infraestruturas aeroportuárias são “e linhas”, com um terreno grandioso à frente, para as pessoas se passearem, correspondente às 5 páginas. Nem dá para acreditar. Sei que a não passagem daquela estrutura para aeroporto internacional é uma decisão política que não depende certamente de si, pelo que passo a pergunta dos quês e porquês ao Senhor Ministro de Estado e Chefe da Casa Civil.

 

2. O Porto de águas profundas, que se diz que vai ser construído no Caio, é outro problema. A última vez que estive em Cabinda foi anteontem, segunda-feira. V. Ex.ª já exibiu aqui um vídeo a mostrar esse porto. Um vídeo. E até hoje, o porto não sai desse vídeo. Numa visita recente ao local onde foi lançada a primeira pedra (pela enésima vez), eu e um colega de bancada constatámos que nem mesmo os habitantes do Caio sabem onde fica o porto. Porquê? Porque afinal é preciso ir entrar pela aldeia de Buco Mazi, andar pela mata (e também tenho um vídeo a mostrar isso), até chegar ao local onde continuam 2 blocos e meio sobre 3 blocos. É isso o “porto de águas profundas do Caio”.

A Direcção do Porto de Cabinda apenas nos soube dizer que a construção duraria cerca de 3 anos, mas ninguém sabia dizer o que quer que fosse sobre um eventual início dos trabalhos de construção. Isso é enganar os Cabindas, sobretudo quando se sabe – e recordou-o ontem mesmo, no programa Café da Manhã da LAC, o mais velho Petroff – que o projecto desse porto é uma decisão do 1º Congresso do MPLA, há dezenas de anos. O Executivo vai ou não vai fazer o porto de Cabinda? Quer ou não quer fazer porto de Cabinda.

3. Por falar em porto, senhor Ministro, a Ponte Cais só dá prejuízos. Por causa das calemas, aquela estrutura funciona 6 meses por ano. Se a direcção do Porto de Cabinda lhe diz a mesma coisa que disse aos deputados, sabe que o que digo é verdade. Não é um problema de falta de profissionalismo, sim, mas é um problema de más opções, certamente. O Estado gasta muito dinheiro para manter aquela ponte cais dentro de água, tal é a invasão constante, permanente, das areias empurradas pelo Rio Zaire. Insiste-se naquilo porquê?

4. Um dos programas que tem, para 2014, chama-se “reestruturação da TAAG”. Senhor Ministro, a TAAG precisa de ser reinventada. Literalmente. Há algum tempo, quando a nossa companhia estava na lista negra, via-se alguns esforços para melhor: em termos de cumprimentos de horários, de alguma regularidade, etc. Mudou-se o PCA, não sei se são os seus tentáculos que não deixam o novo trabalhar, se são dificuldades que o actual está a experimentar, mas a verdade é que a TAAG não anda nem desanda: Não cumpre horários; tem atrasos de 5, 10 horas; os passageiros viajam num avião enquanto a bagagem viaja noutro; o passageiro diz que pretende viajar em executiva, dizem-lhe que só há lugares em económica, mas quando vai ao avião a classe executiva está praticamente vazia (e isso acontece até quando adquirimos o bilhete na véspera); se quisermos passar para a classe executiva, para dar mais dinheiro à TAAG, dizem-nos que temos que pagar uma “multa” pois têm de cancelar a reserva em económica e fazer outra em executiva... criar dificuldades aquém quer pagar mais...; anteontem vim de Cabinda e havia talões de embarque que davam um assento para cada dois passageiros, e os casos não eram só 3 ou 4... e esse não é caso isolado...;

 

um indivíduo compra um bilhete de um ano, não pode antecipar a sua viagem ou adiá-la, mesmo que que o faça atempadamente... tem de pagar uma multa... quando a gente pergunta os porquês disso, já que outras companhias não procedem assim e isso é literalmente um roubo, os funcionários da TAAG que nos atendem também não sabem dar respostas.... quando os voos são cancelados (e isso tornou-se agora uma constante), os passageiros são maltratados, dormem no chão dos aeroportos ou naqueles bancos metálicos frios, crianças inclusive (eu tenho fotografias disso)...

 

Senhor Ministro, é um quadro competente – e isso é uma opinião completamente imparcial – pelo que lhe peço: precisa de pôr mão naquilo. Aproveito para recordar que os cidadãos de Cabinda têm estado a apelar ao Executivo que pondere a subvenção dos bilhetes de passagem de lá e para lá. É a única província para onde só se pode ir e de onde só se pode vir de avião. O preço de um bilhete de passagem, mesmo em económica, é superior ao salário que muito boa gente ainda aufere. Enquanto o senhor ministro da Construção não nos constrói a ponte sobre o rio Zaire e a estrada que atravesse a RDC e leve a Cabinda, talvez fosse bom ponderarem essa possibilidade, até na prossecução dos “objectivos nacionais” a que se propõem neste OGE.

5. Uma última questão, sem querer cansá-lo: há uma verba de 990 milhões de kwanzas, inscritos na página 174, para a construção de passeios e 6 zonas verdes, no Namibe. Isso é no aeroporto ou aonde?

 

SENHORA MINISTRA DA INDÚSTRIA:

 

Preocupa-me o seu sector pelo peso que tem na diversificação e no crescimento da economia de Angola. Não vejo muita coisa no seu Programa de Investimentos Públicos e isso não me pode deixar tranquilo.

Sobre o Polo de Desenvolvimento Industrial do Fútila: Desde os tempos em que era ministro desse pelouro o meu ilustre colega e amigo Engenheiro Joaquim David que fui chamando a atenção para o facto de que aquele ponto geográfico onde está o polo não se chama Fútila; chama-se Malembo. Na altura, o Engenheiro Quim David concordou comigo, mas parece que ninguém tem força para corrigir o erro. Como dizem os ingleses “None is so blind as those who won’t see”, ou seja, “ninguém é mais cego do que aquele que não quer ver”. Só que, com esse andar, um dia vamos ter construída em Cabinda uma ponte sobre o rio Kwanza. Falta pouco.


A pergunta que tenho é a seguinte: aquilo tem sido, nos últimos anos, um cortar e crescer de capim. Os 28 milhões de dólares inscritos nesta proposta de OGE servirão para fazer exactamente o quê?

SENHOR MINISTRO DOS PETRÓLEOS

Alguém dizia que, e eu vou citar, “os angolanos não vêm os benefícios do petróleo da mesma forma que o seu humano não vê as suas próprias orelhas” – fim de citação. Quando ouvi ontem a senhora Governadora de Cabinda exprimir o seu desejo de ver a produção em onshore trazer benefícios para as populações locais, fiquei a pensar nos habitantes da aldeia do Zôngolo e outras localidades a viverem brevemente o pesadelo das populações do Soyo, que têm estado a beneficiar da toxicidade de gases resultantes da produção petrolífera. Estou a ver, a exemplo do que faz a Chevron, essas empresas a explorar no onshore a construírem belas sedes em Luanda – não sei se vai coloca-las também na Chicala – enquanto as populações que ficam com as poluições, apenas vêm espeluncas, se as virem. O sector petrolífero é onde há maior população de “agenciados”, autênticos explorados, daquela exploração de que se dizia, uns anos atrás, “abaixo a exploração do homem pelo homem!”. Os donos das agências ficam com o grosso dos rendimentos desses explorados, deixando uma miséria para quem trabalha. A Igreja em Cabinda pediu-nos, recentemente, que perguntássemos a V. Exas. quem são os donos dessas agências e quando se pensa pôr cobro a essa exploração. Está aqui também o senhor ministro do trabalho, pelo que o recado está dado.

Muito Obrigado Senhor Presidente