A deputada surpreende o país com certo talento individual, gerado, certamente, pelo cruzamento dos progenitores.

Agradou, a nós, da mídia,  a sua intervenção de estreia na Assembleia Nacional, na passada quinta-feira 12 de Novembro, uma intervenção viva, frontal e interessante.

Foi por ocasião da plenária para a aprovação preliminar, na generalidade, do projecto de Orçamento Geral do Estado para 2009.

Tomou a palavra, incidindo no capítulo da comunicação social. É a primeira vez que registamos investida do género, numa casa de veteranos mais inclinados ao coro cómodo da maioria e do situacionismo.

Só com isto, a jovem deputada rompeu com a rotina do “déjá vu”.

Alertou o ministério da comunicação social sobre o déficit de jornalistas, advogando a prioridade a dar, por parte do sector, aos empreendedores que surgem com projectos de formação.

Alertou, ainda, contra a concorrência desleal, exemplificando com a situação que a TPA teria enfrentado com o aliciamento de seus quadros por parte de um projecto de TV privado.

A incidência da intervenção sobre o tema da comunicação social (marginal, de costume), repetimos, alegrou-nos.

Quanto ao teor, nem tanto, e explicamos. O destinatário do alerta não devia ser exclusivamente, nem em primeira-mão, o pelouro citado pela jovem deputada. Devia ser, na era da normalidade institucional, o ministério da Educação.

O ensino, mesmo profissional (ou especializado), é atribuição deste. É o pelouro vocacionado para a pedagogia. Nas especializações, tem obrigação, este ministério, de entrosar com os sectores específicos.

Aí, sim, interviria a comunicação social, que tem o dever de conhecer as necessidades abrangentes e prementes do seu pelouro em quantidade e qualidade.

É chegado o momento de superar, no conjunto do país, o vício estrutural ou das amálgamas, ou ainda da desarticulação compartimentada.

Outra discordância tem a ver com o exemplo que a eleita apontou. Sem contestar a sua realidade, o mesmo, pela ênfase simbólica, pode ser enganador, disfarçando, por mutilação ecléctica, o que ocorre com mais frequência e gravidade.

Por enquanto, de facto, nem TV privada (na acepção plena da terminologia e para além das parabólicas), existe em Angola, estando os projectos à espera da lei específica.

 

A realidade dominante, nua e crua, é o monopólio estatal na TV, apesar da opção genérica, contrária, constante na lei de imprensa.

Também, a realidade vivida intensamente é o aliciamento dos poucos e bons jornalistas da média privada (sob aperto cruel da indigência) pelo opulento patrono da média pública.

E, cúmulo do paradoxo, o mesmo patrono condescende à deserção dos seus bons profissionais para outras actividades: o marketing e a diplomacia, com as benesses invejáveis dos gabinetes de comunicação e imagem e os cargos de adido de imprensa.

Esta situação, compreensível pela conjuntura económica e social, penaliza, no entanto, o país, nos padrões éticos.

Para os jornalistas alvos, tem sido uma viragem de 180 graus, em termos de linha editorial, marco que a lei de imprensa protege taxativamente, em reconhecimento à dignidade da profissão.

Os próprios protagonistas, na réstia de honra que jaz nas suas consciências indomáveis, não se têm importado de confessar o seu drama entre colegas.

O tamanho desta desgraça corresponde, porém,  ao abismo da crise moral em que mergulhou o país, onde o rei kwanza ou dólar arrasa os demais valores.

Que fazer, sectorialmente, pelo menos, para parar com a sangria?

No quadro que nos interessa, é urgentíssima a regulamentação dos incentivos do Estado à média privada e a sua efectivação. Para já, ficamos gratos com o entendimento análogo, que o presidente da VI Comissão da Assembleia Nacional mostrou, ao tirar as ilações do exame do projecto do OGE no seu foro.

Deve-se preencher a lacuna mediante urgente disposição transitória, enquanto o processo regulador estiver a decorrer nos seus habituais, morosos trâmites, aos quais fomos habituados.

Partilhamos publicamente estes pontos de vista, não para contrariar por contrariar, mas por imperativo cívico de contribuir a um tema de interesse público. Um interesse, que admitimos, ser de altura e penosa apreensão a compatriotas, cujas preocupações do ventre levam amiúde a olhar para o chão e arrabaldes.

Ora, «nem só do ventre vive o homem», ensina a moral cristã, a reabilitar cada vez mais, na sociedade que quer consolidar a mudança de mentalidade para a normalidade.

Para além do traço contraditório do presente contributo, mantemos a nossa reverência à jovem deputada. Fazemos-lhe votos de coragem e persistência, à medida da imensidade dos desafios da normalização institucional, a começar pela sua esfera laboral e de formação – a comunicação social.

Enaltecemos a declaração de abertura, na mesma plenária, da presidente da bancada minoritária da UNITA, pela relativa valia, esperando a sua devida ponderação pelo colectivo dos eleitos.

Carecem de ponderação as assimetrias geográficas, funcionais e as pistas de superação assinaladas bem como a necessidade de clarificar as rubricas cinzentas somando USD 13 mil milhões.

Desajeitada parece a recusa, expressa nesta declaração, da meta do desenvolvimento acelerado. Mais acertada ficava em pedir a elucidação das vias e meios de se conseguir esta meta. Pois, a sustentação de um desenvolvimento acelerado, nos países atrasados, merece ser, objectivamente, um princípio consensual.

Finalmente, o nosso apreço dirige-se aos demais eleitos, que comungam a ânsia de inovar, deveras, um país tão sofrido. E inová-lo, com o auxílio de uma imprensa livre, actuando segundo os seus cânones, não de um quarto do poder, parafraseando um bem-humorado trocadilho nosso, mas de quarto poder!
 

(Uma co-produção de Siona Casimiro e P. Maurício Camuto

Luanda, apresentada pelo jornalista Moisés Sachipangue  Rádio Ecclesia, na quinta-feira 27 de Novembro de 2008)

Fonte: Apostolado