Luanda - Não basta uma nova era. O argumento de que todas as manifestações em ambiente livre descambam, fatalmente, em desordem pública é ambíguo. Pode dar a ideia de que a autoridade está mais interessada em arranjar argumentos para as vetar e expurgar os seus participantes mediante o segundo argumento, genérico.

Fonte: Club-k.net

E que pode ser interpretado consoante interesses obscuros. Mesmo que factos jurídicos não se adivinhem que ocorram, alguém se posiciona acima da lei para antecipar e precipitar neles efeitos jurídicos. Antes fosse só isso: que, à previsão de ocorrência de factos jurídicos, se antecipasse os efeitos que despoleta na lei.

cultivamos ainda, contra a corrente do pensamento social e cívico da nossa era global, o costume insanável da verticalização na elaboração e imposição das leis, e desprezo para a horizontalidade, que representa o carácter gregário, a comunhão de valores e a partilha da nossa identidade cultural.

O que se está passar com os agentes da autoridade, ao lidar com manifestações pública de cariz político, é que se antecipam, e não só, ditam mesmo, de antemão e à margem da lei, a sentença por actos que a mesma, atribui apenas a uma previsibilidade da sua ocorrência.

O caso do jovem Ganga. Não sabemos (ainda), se realmente violou o perímetro de segurança presidencial, reserva de território, espaço aéreo ou marítimo, atribuído à proteção da lei e forças que lhe garantem o cumprimento, nomeadamente a Guarda Presidencial, mas também outras forças afins, fixas ou móveis.

A versão do Presidente da CASA-CE, por enquanto, frágil e fugaz, não teve até agora corroboração de fontes independentes: testemunhas oculares, eventuais, longínquas. Mas também não foi desmentida.

Nesse caso, o agente da autoridade encarregue de a fazer cumprir, a norma segundo a qual o perímetro presidencial “é inviolável”, para esse efeito, usou da força máxima e desproporcional, tanto quanto os relatos da imprensa nos aproximam do trágico evento, em si, mas igualmente do seu desenrolar, etapa por etapa, até chegar ao desfecho fatal. Seja como for, um jovem a colar cartazes em postes de luz está a anos luz de poder constituir perigo para um soldado, armado.

A não ser que esta versão dos acontecimentos esteja maculada de má fé, nomeadamente. Tomara, que, no fim de contas, venhamos a saber que tratou-se de imperícia no manuseamento da arma, disparo acidental, qualquer coisa deste género, porém, à mesma, com consequências jurídicas. E que isso, entretanto, não dispense as explicações públicas, até porque, em próximas manifestações, este episódio deverá ser tomado como exemplo.

Senão, a bala que “trespassou” a boca do estômago de Ganga não era uma bala qualquer: continha uma mensagem. E esta mensagem insinua, pelo menos, que os seus destinatários, futuros manifestantes, foram admoestados quanto aos passos que futuramente pretendem dar, na forma que for, especialmente na forma prevista (artigo 47º) na Constituição da República.

E nesse ponto, a questão deixa de ser particular,do partido x ou y, versus o poder de estado ou do executivo, mas de todo o “concílio nacional”. Diz respeito ao nosso futuro de liberdade, paz, democracia e progresso.

Não destino estes tópicos, para uma discussão que valha a pena, à pessoas que não mostraram respeito pela vida do jovem Ganga e continuam a pisar e repisar na linha de pensamento, segundo a qual, neste caso, “o morto desejou a sua própria morte”.Ganga era um jovem, como a minha filha, o filho do Presidente da República ou de um Ministro de Estado, ou de um camponês do Bié, com 28 anos, engenheiro e professor universitário.

O grau de instrução académica dele é suficientemente adulto para que a sociedade aceite o princípio de que conhecia os limites e a proibição da transposição dos marcos delineados para a proteção do Presidente da República. E muito menos é aceitável, que se atribua a uma sua ingenuidade, o facto de ter aderido à mobilização de sábado/23: com a sua idade biológica e a sua instrução académica elevada, repito, não era ingénuo. Portanto, insulta-lo, desta e de outras maneiras, ofenderá não somente a família, como à sociedade angolana, no seu todo, e o pensamento humano universal.

*escritor, membro da União dos Escritores Angolanos (UEA) e do Movimento Poetas do Mundo