Luanda - Proponho-vos hoje uma leitura atenta da Constituição da República de Angola (CRA): Artigo 47.o (Liberdade de reunião e de manifestação)

Fonte: Club-k.net

1. É garantida a todos os cidadãos a liberdade de reunião e de manifestação pacífica e sem armas, sem necessidade de qualquer autorização e nos termos da lei. 2. As reuniões e manifestações em lugares públicos carecem de prévia comunicação à autoridade competente, nos termos e para os efeitos estabelecidos por lei. (O negritado é meu) Pode haver alguma dúvida quanto a isso? A Constituição de Angola é quanto ao direito de manifestação clara demais, extremamente límpida, dispensando mesmo a interpretação de um jurista. Qualquer pessoa com domínio mínimo da língua portuguesa entenderia rapidamente que para se manifestar não é necessária nenhuma AUTORIZAÇÃO e que as manifestações que ocorram em lugares públicos devem ser comunicadas, repito COMUNICADAS à autoridade competente. Então qual é a dúvida?

 

A UNITA comunicou no dia 18 de Novembro a intenção de organizar uma mega- manifestação PACÍFICA (fez questão de ressaltar porque assim reza a Constituição) em todo o país e em comunidades na diáspora. O motivo foi protestar contra os assassinatos bárbaros dos jovens activistas Cassule e Kamulingue, depois que surgiram notícias oficiosas que em termos práticos confirmavam a execução dos activistas e que apontavam o envolvimento de agentes do aparelho de segurança do Estado no bárbaro acto. O comunicado da PGR veio confirmar praticamente estas notícias e a exoneração do Director do SINSE, Sebastião Martins em meio a estas infirmações só veio provar aquilo que para a sociedade civil e oposição democrática já era, no fundo, uma certeza.

Há mais de um ano que as vozes da sociedade civil e da oposição se tinham juntado num coro afinado reclamando que se fizesse luz sobre o desaparecimento dos activistas. Por isso, diante da emergência destas macabras informações nada mais justo do que soltar um grito de protesto contra os assassinatos políticos, a intolerância política e a intimidação e chantagem políticas que praticamente se cimentaram como praxe do regime político vigente. O momento era, pois, oportuno para uma MANIFESTAÇÃO PELA VIDA e a UNITA, enquanto força líder da oposição, interpretando o sentimento de revolta contido em vastos sectores da sociedade, tomou a decisão de convocar esta manifestação.

 

Convenhamos: MANIFESTAÇÃO NÃO É GUERRA, NÃO É TERRORISMO, MANIFESTAÇÃO É UM DIREITO FUNDAMENTAL CONSAGRADO NA CONSTITUIÇÃO, como está patente no extracto que acima destacamos. De imediato, forças retrógradas afectas ao regime vigente desencadearam uma campanha sem paralelo visando semear a confusão entre a população dando a idéia de que a manifestação significava o retorno à guerra. Neste particular, o comunicado do Bureau Político do MPLA parecia ter sido ditado de viva voz pelo próprio Goebbels, para dizer o mínimo. Tamanha falta de sensatez, desonestidade e falta de sentido de Estado, só puderia vir de sectores que, ancorados cancerigenamente no aparelho do Estado, enriquecem ilicitamente, desviando para contas pessoais o dinheiro que pertence a todos nós, numa acção eufemisticamente apelidada de “acumulação primitiva de capital”. Esta, na verdade, tem sido a grande responsável pelo aprofundamento vergonhoso das desigualdades sociais e tem permitido a afirmação de uma oligarquia despudoradamente rica enquanto franjas importantes de angolanos são efectivamente remetidas à exclusão social.

 

Para estes sectores qualquer perspectiva de mudança é motivo de pânico e diante dela mobilizam mundos e fundos, num autêntico vale tudo que inclui o ultraje sistemático da Constituição e da Lei contando para o efeito com a conivência de magistrados judiciais e do Ministério Público, justamente aqueles a quem compete a defesa da legalidade. O cortejo de violações à Lei encobertos pela PGR e tribunais já vai longe e chega a ser arrepiante, tudo em defesa de uma suposta estabilidade que no fundo significa a manutenção de uma oligarquia predadora, cuja ganância parece ilimitada. Por isso, enquadra-se perfeitamente na lógica destes sectores lançar nuvens de fumo sobre a verdade, não sendo propriamente uma novidade o rolo de equívocos em que, logo a seguir, o Ministro do Interior e o Comando Geral da Polícia Nacional se envolveram.

Artigo 6.o (Supremacia da Constituição e legalidade)

1. A Constituição é a lei suprema da República de Angola. 2. O Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade, devendo respeitar e fazer respeitar as leis. 3. As leis, os tratados e os demais actos do Estado, dos órgãos do poder local e dos entes públicos em geral só são válidos se forem conformes à Constituição.

O Ministério do Interior e o Comando Geral da Polícia Nacional entenderam por eles mesmos não haver condições psicológicas para a realização da manifestação e acharam por bem ACONSELHAR a UNITA a não realizar a referida manifestação na data prevista. A UNITA achou inconsistentes os argumentos aduzidos pelo MININT e CGPN e decidiu em reunião do seu Comité Permanente convocada de emergência, não acatar o CONSELHO. A UNITA goza da liberdade de acatar ou não conselhos de quem quer que seja, mas a lei é para ser respeitada. A lei não é ditada pelo MININT e nem os Conselhos do Ministro do Interior têm força de lei. A Constituição é a Lei Suprema e deve ser respeitada. Por isso, à polícia competia, em face disso, criar as condições para que a lei fosse respeitada, ou seja, no caso vertente, os cidadãos que decidiram se manifestar pudessem livremente exercer o seu direito. Em vez disso, o que se assistiu a seguir foram ameaças explícitas tendentes a persuadir os cidadãos a abdicar dos seus direitos.

 

Comparemos com a seguinte situação: os jogos entre Petro de Luanda e 1.o de Agosto, por exemplo, detêm um elevado risco pela possibilidade de confrontos violentos entre as claques que as vezes resultam em perdas de vida. Porém nunca a PN ousou aconselhar os clubes a não realizarem o jogo para impedir que tais situações aconteçam, antes pelo contrário, procurou sempre ajustar o seu dispositivo para persuadir as claques a não enveredarem pelo vandalismo. É assim que tem que ser!

 

Também no caso que aqui analisamos, não competia ao MININT/CGPN impedir os cidadãos do exercício de um direito constitucional, mas sim ajustar o seu dispositivo para garanti-lo. O dispositivo colossal que a PN exibiu e utilizou para investir contra os manifestantes no pretérito sábado 23/11/2013 podia perfeitamente ser utilizado para proteger os manifestantes e desencorajá-los de actos de vandalismo em vez de servir para dispersar e impedir violentamente o exercício de um direito. As liberdades, garantias e direitos fundamentais são inegociáveis, se hoje eu abro mão dos meus direitos, amanhã posso me ver obrigado a negociar o direito à vida com o MININT em troca da filiação no MPLA, por exemplo.

 

Foram várias as brutalidades e violações cometidas pela PN desde o dia 22/11 visando desencorajar a realização da manifestação. Para citar apenas algumas: - A Polícia violou sedes da UNITA e CASA-CE sem qualquer mandado de busca e apreensão emitido por autoridade competente como determina a lei. Isto é um facto! - A Polícia deteve arbitrariamente centenas e centenas de cidadãos país afora para impedi-los de participar nas manifestações. São factos! - A Polícia impediu cidadãos de circularem livremente pelo território nacional colocando barreiras artificiais para que não pudessem comparecer às maifestações. Não adianta negar, são factos.

- Por fim e mais grave, a Polícia, a quem compete proteger o cidadão, negou o direito à vida ao cidadão que em vida se chamou Hilbert de Carvalho “Ganga” alegando que teria violado o cordão de segurança do Presidente da República. A polícia confirma que o cidadão estava desarmado e trazia consigo panfletos e uma lata de cola para colar os panfletos. Isso foi motivo bastante para subtrair a vida do jovem e não se registou das autoridades competentes, mormente da PGR, o mínimo movimento no sentido de ver esclarecidas as reais circunstâncias em que ocorreu o frio assassinato de Hilbert “Ganga”. É um facto inegável! Como explicar tamanha insensibilidade?

 

Se os governantes fecham os olhos e se calam diante de tamanhas violações à lei, não podem depois querer responsabilizar supostos funcionários zelosos por actos bárbaros como aquele que vitimou os activistas Cassule e Kamulingui. São os chefes que devem ser responsabilizados, lembrando que o titular do poder executivo em Angola chama- se José Eduardo dos Santos e se à sua clarividência são atribuídos os sucessos e exitos do Executivo também deve assumir os actos ominosos praticados pelos seus agentes. Nunca é demais lembrar que o Presidente da República é o Comandante em Chefe das Forças Armadas e responsável directo das Forças de segurança. É este aspecto que a UNITA pretendia chamar atenção com a convocação da manifestação e é essa a verdadeira razão que moveu as forças hostis à manifestação a impedi-la poor todos os meios.

Olhando para este cortejo de ilegalidades cometidas por supostos agentes do Estado, diante da passividade de magistrados e outras autoridades é legítimo questionar: onde afinal está o Estado de Direito?

A resposta é óbvia: o Estado de Direito em Angola ruiu, cedeu aos intentos da ditadura e só assim se entende porque razão a lei foi substituída pelo livre arbitrio de governantes e juízes deixando os cidadãos num clima de total insegurança que é maior ainda quando se ousa pensar de maneira diferente do grupo hegemônico. Se considerarmos que a democracia só se realiza nos marcos do Estado de Direito, então é lógico concluir que a DEMOCRACIA em Angola está fortemente ameaçada e precisa urgentemente de ser resgatada para o bem dos angolanos. Se não há DEMOCRACIA, logo não há espaço em Angola para a OPOSIÇÃO DEMOCRÁTICA. Por isso compete aos democratas encontrar formas políticas e pacíficas para se opor com tenacidade à ditadura e permitir recolocar o país nos rumos da democracia. Como ficou demonstrado no sábado 23/1, recorrer às armas seria escolher um caminho onde a ditadura tem supremacia absoluta e seria dar o argumento que lhe falta para o assalto que esmagaria as forças da democracia. A teoria política aponta outros caminhos, mormente não violentos, para se enfrentar com sucesso as ditaduras. Gene Sharp, por exemplo, oferece o desafio político como uma forma estruturada de enfrentamento da ditadura com vista a derrubá-la.

 

É esse caminho que eu recomendo, pois ao abdicar do recurso de meios violentos, deixa as forças da ditadura numa condição ridícula, quixotesca mesmo, quando tem que enfrentar resistentes desarmados com arsenal bélico descomunal. É isso que efectivamente ocorreu no sábado: um exercito quixotescamente armado contra populares desarmados. Só as ditaduras são capazes de tamanha ostentação de força, mas nem por isso elas são invencíveis. A reacção desproporcional do regimme à convocação da manifestação é sintoma das suas grandes fragilidades e um sinal forte de que derrubar o regime e desmontar a pretensão de imposição de um regime autocrático em Angola não é propriamente uma missão impossível.

A DITADURA TREMEU NO DIA 23/11/2013.

MUDAR É DIFÍCIL MAS É POSSÍVEL!