Luanda - O incidente Cassule e Camulingue está a virar estribilho de kuduro, o que é de péssimo gosto. É necessário que ele seja recuperado na sua crueza, mesmo que atroz e se assaquem as culpas e responsabilidades; mais responsabilidades que culpas. Toda a gente é unânime quanto a isso.

Fonte: Jornal de Angola

Não percebemos por que carga d’água ou forças subterrâneas misteriosas, alguém, que não sejam os familiares directos, queira brandir o eventual martiriológio dos desaparecidos em seu próprio proveito. Nem as Igrejas Cristãs até agora se atreveram a fazer essa lista em relação aos que comprovadamente sofreram tormentos, foram queimados ou enterrados vivos… E as testemunhas ainda estão aí, vivas, solidárias, como estarão certamente os que estiveram envolvidos no incidente de Cassule e Camulingue.


Não é preciso ser muito imaginativo para se perceber dos propósitos ínvios de quem se está a aproveitar da situação. Agora então que surgiu do nada e de um dia para o outro um Plano de Fomento do Livro e da Leitura (que saudamos entusiasticamente), não vão faltar candidatos para ficcionar o dramático acontecimento. Ainda acabarão por incorporar os Clássicos da Literatura Angolana.


O comércio da Morte, tanto aqui como no resto do mundo capitalista, continua a imperar sobre o comércio da Vida. Vende bem, e desenvolve-se quase que alegremente em programas em que a desafiam quando não há nenhuma guerra para cobrir em directo os projectos destinados a fomentarem acções arriscadas que podem dar bons frutos. No entanto, os proventos que daí advêm directamente servem mais o mercado funerário que não é despiciendo, está longe de ser tão atractivo e oferecer tanto como aquele que visa conquistar o Poder.


Os escrúpulos raramente contam e joga-se com a Morte como um instrumento precioso mas que tem de se reconhecer como parceira. O que se sabe sobre ela, é que não é boa companheira. Nos casos em que é usada para aproveitamento político, a sua presença torna-se demasiado presente e incómoda e contamina o ambiente. As escolhas que decorrem da sua utilização têm o tempo que têm.


No entanto, isso não esmorece os que foram convencidos de que não têm melhor via, ela é mais rápida, mais eficaz. A Morte é a maior adversária de tudo o que transpire vitalidade. E o nosso país começa a ser visto como um país que tem a paz e a estabilidade indispensável para cooperar, fazer parcerias activas. Muitos daqueles que sempre nos olharam de través, parecem dispostos a rever a sua posição. É certo que não podemos ter a presunção de já possuirmos um sistema de Justiça perfeito, mas ele consolida-se progressivamente, de molde a instauração de um clima de confiança mútua.


As forças políticas da oposição não podem ver no progressivo bem-estar das populações um perigo para a sua sobrevivência. E a UNITA é a que parece mais desesperada nesse seu afã de se converter no parceiro estratégico dos novos interesses neo-colonialistas portugueses. Precisamos de desmascarar aqueles para quem a consolidação da paz e da estabilidade não lhes convém.


Porém, entenda-se este alerta com alguma naturalidade, já que infelizmente é inevitável ter que conviver com o uso de estratagemas e golpes baixos no mundo da política, onde graças a Deus não há santinhos.

* Escritor e membro do MPLA